Um estudo de mais de R$ 10 milhões, pioneiro no país, que analisava as principais características da mobilidade urbana da Grande Florianópolis e propunha soluções para resolver um dos principais problemas da região, segue no papel há seis anos. Essa é a situação do Plamus, o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis, apresentado pelo governo do Estado em 2015 e que não resultou em nenhuma grande obra para região, dentre elas o famoso BRT, projeto de ônibus rápidos com faixas exclusivas.
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A menos de um ano das eleições para o governo do Estado, os dados coletados pelo Plamus ficam cada vez mais defasados, enquanto os moradores da Grande Florianópolis seguem sem perspectiva de melhora significativa da mobilidade na região, conhecida pelo trânsito caótico e transporte público ineficiente. A cidade já foi eleita a capital brasileira com o pior índice de mobilidade urbana, em pesquisa apresentada na Câmara dos Deputados em 2019, assim como pior cidade para se dirigir no Brasil, segundo levantamento de 2017 da plataforma Waze.
Mudanças de gestão, desentendimentos políticos e falta de coordenação entre municípios e Estado são parte dos problemas que impediram que as diretrizes do estudo pudessem ser postas em prática e contribuíssem para a mudança desse cenário.
No início dos anos 2010, o governo do Estado passava a analisar diferentes propostas para melhorar a mobilidade, dentre elas um trem de superfície que ligaria o centro de Florianópolis à região continental. Como não existiam respaldos técnicos mais aprofundados para justificar a escolha do modal, o governo viabilizou em 2013 a contratação de um estudo completo de mobilidade urbana junto ao BNDES, que daria origem ao Plamus.
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O plano foi elaborado por um consórcio de três empresas que, ao longo de 18 meses, realizaram coleta de dados na região e apresentaram diferentes propostas para solucionar os problemas de mobilidade da Grande Florianópolis. Os custos do projeto foram bancados integralmente por um fundo especial do banco.
— O primeiro ano foi muito intenso. Eles chegaram ao ponto de subir num ônibus e ficar vendo quando que a pessoa subia ou descia. Foram às praias, no verão, perguntar aos turistas para onde eles iriam depois — relembra Murilo Flores, então secretário de Planejamento do Estado.
Anunciado em fevereiro de 2015, o Plamus reforçava a necessidade de se priorizar modos não motorizados, como deslocamentos a pé ou por bicicletas e oferecia até soluções para o transporte de mercadorias e de gestão de tráfego. Mas o principal chamariz do estuda era a reestruturação do sistema de transporte público.

A ideia era proporcionar um ecossistema eficiente e barato, a ponto de fazer com que mais pessoas deixassem o carro em casa e passassem a se deslocar com o transporte coletivo. O sistema aquaviário — famoso pelos projetos que nunca saem do papel — até foi considerado, mas como um modal complementar. As rotas e a integração do sistema com as linhas de ônibus não tornavam o modelo competitivo.
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A solução seria por terra. Assim, foram estudadas diferentes opções para interligar as cidades da região, como o metrô de superfície e o monotrilho, mas se chegou ao consenso de que o modelo mais viável economicamente seria o BRT — ônibus de trânsito rápido na sigla em inglês. Famoso depois de sua implementação na cidade de Curitiba, ele consiste na utilização de ônibus grandes, que operam em faixas exclusivas e param em estações ao longo da via, onde a cobrança da passagem é realizada antes do embarque.
Operando com a mesma lógica de um sistema de metrô, o tempo de espera entre um ônibus e outro é controlado por uma central, e a previsibilidade do tempo de deslocamento passa a ser muito mais precisa. Uma vantagem enorme para quem é refém do trânsito da região e sai do trabalho muitas vezes sem saber ao certo quando chegará em casa.
— É o velho e bom ônibus. O ônibus é a solução que conseguimos pagar e que consegue prover tempo de viagem decente para os usuários, se estiver operando em corredor exclusivo — aponta Werner Kraus, professor da UFSC e membro do Observatório de Mobilidade Urbana da universidade, criado depois das contribuições realizadas pela instituição no desenvolvimento do Plamus.
Confira quais eram as propostas do Plamus para a Grande Florianópolis
O Plamus era somente o estudo. Para realizar todas as mudanças propostas, seria necessário reorganizar as estruturas de governo. Assim, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Florianópolis (SUDERF), ligada à Secretaria de Planejamento do governo do Estado, para atuar na integração entre os diferentes municípios. O ex-prefeito de Curitiba, Cássio Taniguchi, foi nomeado para comandar o órgão.
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Expectativa vs. realidade
Mesmo com grandes nomes, pouco se avançou na implementação do sistema que revolucionaria a mobilidade urbana na região. Primeiro, a própria legislação do Estado teve de ser revista para que as parcerias público-privadas (PPPs), previstas para o projeto, pudessem ocorrer. Além da revisão jurídica, a costura política para se chegar a um sistema integrado — onde se pagaria somente uma passagem ao transitar entre diferentes pontos da região metropolitana — progrediu a passos lentos.
— Para fazer essa primeira fase, nós tínhamos que mostrar para eles que teríamos que trabalhar nas vias internas do município e na integração metropolitana. Teríamos que mudar os roteiros, os itinerários e tudo mais — relembra o então Superintendente da Suderf, Cássio Taniguchi.
O Estado ficaria responsável pelo dinheiro, por meio de PPPs e financiamentos, cabendo aos municípios a revisão de seus editais — muitos deles em situação já irregular — para integrar as linhas municipais à nova rede projetada para a região. É nesse momento que os primeiros problemas começavam a surgir.
— Não se conseguiu fazer a costura política. Não se conseguiu fazer isso. Conseguir convencer o conjunto a assumir aquilo como um projeto de todos e que todos saíssem na foto como os grandes revolucionários da mobilidade — lamenta o então secretário, Murilo Flores.
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A opinião é compartilhada por Taniguchi, envolvido diretamente nas negociações.

— O problema dos municípios é que como eles não conheciam a legislação do Estatuto da Metrópole, e muitos menos a Constituição Brasileira, eles temiam perder poder. Quando, na verdade, eles passariam a ter poder em cima das linhas intermunicipais também — explica.
Para outros, a falta de definição sobre os recursos para as obras também contribuiu para a demora nas negociações.
— Se tivesse aparecido o dinheiro, se comprava o apoio. Tinha o fator político, mas o dinheiro em si também não tinha ainda — opina Werner Kraus, do Observatório de Mobilidade Urbana.
— A dificuldade política adveio da falta de dinheiro. Se tivesse dinheiro, teria todo mundo embarcado, não tenho dúvida — completa.
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A Suderf até chegou a se reunir com o BNDES no início de 2016 para discutir a possibilidade de financiar R$ 400 milhões para a obra do BRT, então orçada em R$ 850 milhões, mas as tratativas não avançaram.
Curiosamente, as únicas obras para construção de um sistema BRT na região da Capital não tem conexão com o projeto idealizado pela SUDERF com base no Plamus. Em 2017, o primeiro trecho do anel viário em volta do Morro da Cruz, em Florianópolis, começou a ser construído na avenida Professor Henrique Fontes, mas as obras empacaram na duplicação da Rua Deputado Antônio Edu Vieira, na região da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
— Aquilo ali estava sendo feito à revelia do Plamus, à revelia do projeto do BRT — argumenta Murilo Flores.

Três empresas já estiverem a frente das obras na região e até a retomada das atividades pela última empreiteira, em julho, mais de R$ 3,8 milhões já haviam sido gastos no projeto. Quatro anos depois, ainda não há previsão de quando o primeiro trecho de BRT pode começar a operar em Florianópolis.
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BRT fica para depois
Com o passar do tempo, o orçamento foi diminuindo e as conversas sobre o projeto do BRT começavam a ser deixadas para um segundo plano. O principal ainda era avançar na negociação com os municípios para então iniciar o desenvolvimento do sistema sugerido pelo Plamus.
Enquanto isso, a preocupação das prefeituras com a autonomia de gestão da SUDERF resultou numa proposta para ampliar Região Metropolitana de Florianópolis, contemplando 22 cidades — a lei aprovada em 2014 considerava somente nove delas — além de cobrar maior participação política dos municípios na Superintendência.
Depois de muitas conversas, no início de 2018, finalmente se chegou a um consenso sobre a criação de uma rede integrada de transporte na região. Um projeto de lei complementar que autorizava a SUDERF a fazer a concessão das linhas foi enviado à Assembleia Legislativa do Estado (Alesc) e tudo corria para que o primeiro passo de todo o processo finalmente saísse do papel.
Foi então que o governo retirou o projeto da Alesc, argumentando que iria rever detalhes “em conjunto com os municípios”. O projeto já vinha caminhando a passos lentos na Assembleia, o que chegou a gerar uma nota conjunta das prefeituras e da SUDERF pedindo celeridade na análise da pauta. Meses antes, o então governador Raimundo Colombo (PSD) havia renunciado ao mandato para concorrer ao senado nas eleições daquele ano, dando lugar ao vice Eduardo Pinho Moreira (MDB).
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— É um projeto de grande complexidade. Conversei com o Moisés e ele concordou que eu o retirasse para voltar a discutir no ano que vem, porque ele não tem decisão tomada sobre a Suderf — comentou na época, Pinho Moreira, afirmando que a Superintendência “perdia função” em seu governo. Logo após a retirada de pauta do projeto, Cássio Taniguchi foi exonerado do cargo de superintendente do órgão.
Questionada sobre a atual situação do Plamus na criação de políticas de mobilidade e das tratativas para construção de uma rede integrada de transporte público na Grande Florianópolis, a Secretaria de Infraestrutura do Governo do Estado não deu resposta até a data de publicação desta matéria.
A reportagem questionou também o BNDES sobre o fato de o estudo de mais de R$ 10 milhões custeado com dinheiro público não ter rendido retorno algum em obras para a região. Em nota, a assessoria do banco informou que “não há que se falar em retorno financeiro” já que o fundo usado para custear o Plamus tem recursos não-reembolsáveis e o estudo “foi desenvolvido e entregue ao governo de Santa Catarina e tornado público à sociedade”.
A reportagem procurou também as empresas responsáveis pelo desenvolvimento do Plamus para entender até que ponto ele ainda poderia ser considerado atual na execução de políticas de mobilidade na região. A Strategy& disse que não comenta casos específicos de clientes e as outras empresas não retornaram as tentativas de contato da reportagem.
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