Neste ano, jovens de todo o Brasil passaram a frequentar o chamado “Novo Ensino Médio”. O modelo começou a ser aplicado em 7 de fevereiro nas 711 escolas da rede estadual de Santa Catarina que possuem turmas de Ensino Médio. O formato foi aprovado por lei em 2017, com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa e evitar que os alunos abandonem os estudos. A reportagem do AN buscou estudantes, pais e especialistas para descobrir como tem sido a adaptação com as mudanças no ensino.
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Em 2022, o novo ensino médio está sendo aplicado apenas aos alunos do primeiro ano. Conforme o cronograma definido pelo Ministério da Educação, o modelo vai se estender aos outros anos de forma progressiva. Em 2023, a implementação segue com o primeiro e segundo ano e, em 2024, o ciclo de implementação termina, com os três anos do ensino médio.
De acordo com o governo de SC, a modalidade conta com uma mudança significativa na carga horária mínima anual: passa de 800 horas para 1.000 horas. O estudante poderá ter seis ou até sete aulas em um período ou ainda ter um ou mais dias com período integral (matutino e vespertino).
Essa definição varia de acordo com a determinação de cada escola, que precisou selecionar uma entre quatro opções de horário:
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- Matriz A integral (31 horas/aula – 5 aulas diárias + 1 dia em período integral)
- Matriz A estendida (31 horas/aula – 4 dias com 6 aulas cada + 1 dia com 7 aulas)
- Matriz B (35 horas/aula – 3 dias com 5 aulas cada + 2 dias em período integral)
- Matriz C (44 horas/aula – 3 dias de 10 aulas cada + 2 dias de 7 aulas ou 4 dias de 10 aulas + 1 dia de 4 aulas)
Um dos estudantes inseridos nesse modelo é Fernando Hoffmann, de 15 anos. O adolescente revela que gostou da mudança devido ao tempo maior destinado aos estudos.
A mãe de Fernando, Rosângela Hoffmann, 51 anos, afirma que a rotina do filho ficou mais puxada, mas acredita que o aprendizado vai ser maior.
– [Vai ter] influência nos horários diários. São horas de estudo que precisam ser conciliadas com o horário de lazer e descanso – comenta.
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Além do maior tempo nas salas de aula, o Novo Ensino Médio dividiu o currículo entre uma parte de Formação Geral Básica (máximo de 1.800 mil horas nos três anos) e uma parte flexível (mínimo de 1.200 mil horas nos três anos), aponta a Secretaria da Educação do Estado (SED).
A Formação Geral Básica prevê quatro áreas do conhecimento: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Em Santa Catarina, todos os componentes curriculares que antes eram desenvolvidos no modelo de disciplinas, como Língua Portuguesa, Geografia e Ciências, por exemplo, estão mantidos na matriz.
Itinerários formativos ajudam alunos a estudarem o que querem
Um dos diferenciais do Novo Ensino Médio são os “itinerários formativos“. No Estado, eles serão implementados através de quatro atividades escolares: Projeto de Vida, Segunda Língua Estrangeira, Componentes Curriculares Eletivos e Trilhas de Aprofundamento. Assim, os Itinerários Formativos se tornam um conjunto de disciplinas e projetos que envolvam áreas que sejam do interesse do aluno.
Projeto de Vida
O Projeto de Vida trata-se de uma experiência em que os estudantes tenham um período na escola toda semana para falar sobre o futuro. Conforme informações da SED, o objetivo é promover a participação dos jovens na construção de um percurso formativo que considere os próprios projetos de vida.
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A doutora em Educação Jane Mery Richter Voigt acredita que a iniciativa é válida, mas questiona a forma com que o Projeto de Vida será aplicado. Ela também teme que a proposta se torne obsoleta com as mudanças no mercado de trabalho.
– A gente ouve falar que muitas profissões nem dão certo. Como que vai trabalhar com esse estudante um projeto de vida? Como é que ele vai vislumbrar alguma coisa lá na frente? A nossa proposta enquanto educadores deveria ser que o aluno possa se situar nesse tempo e espaço que ele está vivendo – crítica.
Segunda Língua Estrangeira
A parte flexível do currículo do Novo Ensino Médio terá uma segunda língua estrangeira. Segundo o governo estadual, o aluno pode escolher entre espanhol, alemão ou italiano. A iniciativa é ampliar o aprendizado de outros idiomas na escola. A novidade será oferecida com carga horária de duas horas semanais.
Trilhas de Aprofundamento
As Trilhas de Aprofundamento serão oferecidas a partir do 2ª ano do Ensino Médio. Elas representam áreas de conhecimento específicas para o aluno se aprofundar, e serão realizadas em 10 aulas semanais ou 15 aulas semanais, aponta o planejamento estadual. O estudante cursa em cada ano duas trilhas de sua escolha, entre as ofertadas pela escola.
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Componentes Curriculares Eletivos
É um método de ensino que divide áreas como investigação científica, mediação e intervenção sociocultural, processos criativos e empreendedorismo. De acordo com a SED, nessa etapa, o estudante pode se aprofundar em disciplinas extracurriculares que tenha interesse, como: Cultura Digital, Pensamento Computacional, Educação Empreendedora, Matemática Financeira, Educação Fiscal, Prática em Libras, Jogos de Raciocínio Lógico Matemático, entre outros.
Diferente das trilhas de aprofundamento, os Componentes Curriculares Eletivos começam a ser aplicados desde o primeiro ano, quando o aluno pode escolher na matrícula a opção que esteja relacionada ao seu projeto de vida. Nesse modelo, o aluno pode escolher uma disciplina, e a cada semestre, trocar o Componente Curricular Eletivo.
Estudantes assumem o protagonismo
A diretora da Escola Estadual Básica (EEB) Dr. Jorge Lacerda, de Joinville, Patricia Bazzanella, explica que uma das intenções dessa mudança é fazer o aluno assumir o protagonismo, cabendo ao professor o papel de mediar a troca de conhecimento entre os estudantes.
– Os professores têm que fazer o planejamento com um projeto que envolva questões que eles [os alunos] são protagonistas. O professor conversa com os alunos para ver de que forma esses componentes curriculares eletivos podem ser aplicados, como aquilo se relaciona com a visão do aluno – comenta.
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Fernando preferiu se especializar na área de Ciências da Natureza, pois se interessa muito por biologia:
– Acho interessante porque é um bom jeito para poder preparar as pessoas para o que elas querem. Poder ter uma opção, né? Meu irmão estudou e não tinha essa opção. Daí agora eu tenho, e consigo aprofundar mais nas áreas que eu gosto.
A estudante Letícia Schmidt, de 15 anos, também preferiu ciências naturais, pois quer cursar enfermagem quando terminar o ensino médio. Letícia acredita que esse formato vai servir como ferramenta de autoconhecimento.
– Quando não tinha esse Novo Ensino Médio, muitas pessoas já desistiram no meio do caminho. E agora é muito legal porque [você] se aperfeiçoa naquilo que quer – afirma.
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10 mil alunos pararam de frequentar a escola no ano passado
A observação de Letícia tem lógica. Somente em 2021, 10 mil estudantes abandonaram os estudos em Santa Catarina, segundo dados do governo do Estado. Ao analisar os casos, a SED identificou que o ensino remoto, uma condição imposta pela pandemia, também teve influência no índice de abandono e evasão de estudantes da rede.
Essa realidade, porém, atinge todo o Brasil. Um levantamento feito em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que mais da metade dos adultos com 25 anos ou mais não concluiu o Ensino Médio.
Em setembro do ano passado, o governo de Santa Catarina anunciou a criação do programa Bolsa Estudante, para o investimento de R$ 375 milhões por ano, visando o auxílio financeiro aos alunos do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) matriculados na rede estadual de ensino.
Desigualdade pode comprometer a eficácia do Novo Ensino Médio
Entretanto, um dos problemas que dificultam a permanência do aluno é a desigualdade nas escolas. Com o Novo Ensino Médio, cada unidade vai ter autonomia para oferecer um itinerário formativo diferente para os alunos. Contudo, essa autonomia é regulada pelas estruturas das redes de ensino, aponta a doutora Jane Mery Richter Voigt.
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– Eu acho que a gente vai ter condições diferentes. O que vai fazer com que esses estudantes tenham formações diferentes. Uns vão ter mais acesso, outros vão ter menos acesso e com isso consequentemente vai aumentar essa desigualdade – explica.
Por meio de nota enviada à reportagem do AN, a SED comunicou que está equipando as unidades com materiais para os laboratórios de ciências, computadores para os laboratórios de tecnologia e tablets para uso dos alunos na sala de aula. Além disso, novos equipamentos estão sendo adquiridos para o Novo Ensino Médio, como Espaços Maker para todas as escolas, lousas digitais e projetores para cada sala de aula.
Entretanto, alguns problemas já estão sendo enfrentados pelas escolas, como aponta a diretora de uma unidade em Joinville:
– Falta profissional da segunda língua estrangeira, a gente ainda não recebeu nenhum professor de espanhol – revelou Patrícia Bazzanella.
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Mais de R$ 1 bilhão em investimento para as escolas
Conforme levantamento realizado pela SED, entre as dificuldades relatadas pelas equipes das escolas, está a separação de livros didáticos por áreas do conhecimento, em vez da tradicional divisão por componentes curriculares.
Além disso, dois problemas que estão afetando as redes de ensino são a adaptação e reorganização dos ambientes escolares que vão precisar ser feitas para atender a demanda deste novo modelo. As aquisições para as estruturas estão em andamento, mas alguns fornecedores demoram para entregar os materiais. A SED informou que tem mais de R$ 1 bilhão de investimentos em contratação, contudo, nem um terço ainda chegou às escolas.
Novo formato exige qualificação para os professores
Com a realização dos itinerários formativos, as disciplinas tradicionais perderam parte do espaço, o que consequentemente afetou a atividade de professores com formação nas áreas que tiveram a carga horária reduzida. Porém, para continuarem ensinando, os professores passaram por uma qualificação para se adaptarem aos moldes do Novo Ensino Médio.
– Num primeiro momento a gente ficou meio assustado, porque a gente tem algumas dúvidas. Eles [professores] têm medo de perder aulas, porque agora a gente trabalha com áreas, não trabalha mais com disciplinas. Eles ficaram com medo de perder a disciplina que eles escolheram na graduação. Mas está sendo mais tranquilo, pois eles são úteis nos componentes curriculares eletivos, por exemplo – afirma a diretora Patricia Bazzanella.
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A SED informou que há uma formação em andamento para os professores sobre a implementação do Novo Ensino Médio, da qual milhares de docentes já foram certificados no ano passado. E nas próximas semanas, a secretaria pretende iniciar outra formação, aprofundando as mudanças do Novo Ensino Médio.
Sob supervisão de Lucas Paraizo
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