A primeira vez em que ouviu uma faixa de k-pop, Gabriela Strassburger Dalcin não fazia ideia de que aquilo era k-pop – e, nisso, não estava sozinha: no ocidente, ainda não se falava no estilo musical em 2013, quando o megahit Gangnam Style apresentou o coreano Psy ao mundo. O clipe, na época, chamou atenção com a coreografia curiosa, entre divertida e cômica, e se tornou o mais visto do YouTube até então: o vídeo passou 1.686 dias no topo da lista; e, hoje, acumula ainda impressionantes 4,3 bilhões de views na plataforma.

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– A primeira vez em que ouvi k-pop sabendo que era k-pop foi em 2016, quando eu tinha 13 anos – conta Gabriela, que tem 18 anos e nasceu em Florianópolis. – Uma amiga chegou pra mim e disse que eu precisava escutar uma música, que era muito boa, muito legal. Ela insistiu, eu assisti o clipe, e adorei.

Os tempos já eram outros em 2016 – o BTS, por exemplo, grupo que hoje é praticamente um símbolo da popularização do k-pop pelo planeta, já existia há três anos, e tinha uma base de fãs consolidada: foi nesse ano que eles lançaram Wings, trabalho tido como aquele que transformou os coreanos em estrelas globais.

– O que mais me interessou no k-pop foi o fato de serem pessoas cantando ao vivo e, ao mesmo tempo, dançando coreografias bem difíceis – diz Gabriela. – Eu sempre fui muito envolvida com arte: desde os anos nove de idade eu fazia aulas de teatro musical, em que a gente canta, dança e atua ao mesmo tempo. Então ver esse estilo em que as pessoas botam dança e canto juntos, ao mesmo tempo, me encantou muito.

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O próprio funcionamento da indústria do k-pop ajudou a manter o interesse da hoje estudante de design gráfico:

– Sempre há grupos novos sendo lançados, novas músicas, e isso me manteve acompanhando – ela explica. – Além disso, os clipes, que são chamados de music videos, ou MVs, são sempre muito bem produzidos. É algo que dá gosto de ver.

Gabriela é fã de k-pop há cerca de cinco anos
Gabriela é fã de k-pop há cerca de cinco anos (Foto: Tiago Ghizoni)

Sim, porque, para que um artista, grupo, álbum ou música seja classificado como “k-pop”, não basta ser pop cantado em coreano ou feito na Coreia do Sul: a indústria do k-pop é articulada de maneira totalmente diferente da do pop “tradicional”, como estamos acostumados a ver e consumir no Brasil ou nos Estados Unidos, por exemplo. A principal diferença é que, no k-pop, existem empresas especializadas em selecionar, treinar e lançar artistas – ou idols, como eles são chamados. São as agências que definem, por exemplo, quais idols vão integrar quais grupos; ou com qual estilo de música cada banda vai trabalhar. [veja na última parte da matéria]

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De fã a finalista de audição global

É nesse mundo que Gabriela, agora, se prepara para mergulhar: neste ano, ela participou de uma seleção global online realizada pelo Blackswan, grupo de k-pop feminino formado atualmente por quatro integrantes. O concurso procura uma quinta idol para a banda. Depois de uma primeira etapa, Gabriela ficou entre 23 selecionadas. Mais uma etapa, e restaram apenas quatro finalistas, das quais a estudante é a única brasileira.

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– Eu já seguia o Blackswan, acompanho o grupo desde o início, e gosto muito delas – relata Gabriela. – Fiquei muito feliz quando vi que elas iam fazer uma seleção para uma quinta integrante. (veja abaixo o vídeo do anúncio do concurso) Decidi participar, mas sabia que seria muito difícil; não estava muito esperançosa. Afinal, é uma audição global! Mas gravei aqui em casa tudo o que precisava gravar, enviei os vídeos, e, depois de mais de um mês, fiquei sabendo que eu era uma das 23 finalistas. Essas 23 passaram por mais uma seleção, da qual restaram quatro: eu, uma menina da Índia, uma da Austrália, e uma dos Estados Unidos.

O Blackswan já conta com uma integrante brasileira, a curitibana Larissa Ayumi, que adota o nome de Leia no grupo. Duas integrantes, Youngheun e Judy, são coreanas; e outra, Fatou, é senegalense. Fatou é a segunda idol negra da história do k-pop, e a única idol negra ativa no k-pop atual.

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Gabriela acha que os diferentes perfis das cantoras e dançarinas está alinhado com o lema do Blackswan.

– A maioria das empresas já faz audições globais, mas normalmente buscam pessoas de ascendência asiática, o que não é o meu caso – ela conta. – Mas o lema do Blackswan é “be unique”, “seja única”. Então eu acredito que eles estão buscando por alguém com um diferencial; tanto fisicamente quanto nas técnicas. (veja abaixo o vídeo com o anúncio das finalistas; o nome de Gabriela aparece a partir dos 13:05) No concurso, a agência não fez nenhum questionamento ou exigência quanto à minha aparência, peso, nada do tipo.

A estudante já vinha treinando para uma carreira no mundo da arte; e, nos últimos anos, com inspirações mais diretamente ligadas ao k-pop: ela faz parte de um grupo de dança cover chamado Queens of Revolution, que reproduz no YouTube coreografias de grupos de k-pop (veja abaixo). O Queens of Revolution já tem quase 80 mil inscritos na plataforma.

– Eu sempre quis viver de arte – Gabriela afirma. – Sempre foi meu sonho, meu foco. Meus pais sempre me estimularam muito com música, tanto me fazendo ouvir quanto por meio das aulas de teatro musical. Aos 14 anos passei a me dedicar só à dança. Sempre participei de muitas audições; para filmes, teatro. Quem está no meio artístico sabe que a gente recebe muitos “nãos” ao longo da jornada. Essa foi a segunda audição que eu fiz pra uma empresa coreana. Estou muito feliz por ter conseguido esse “sim”, mas acho que minha ficha só vai cair mesmo quando eu estiver lá.

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“Lá” é “lá” mesmo: as quatro finalistas do concurso vão para a Coreia do Sul, onde devem passar cerca de dois meses em treinamento. Depois da fase de preparação, uma das quatro será selecionada para ficar de vez no país, empregada na agência, e passar a fazer oficialmente parte do Blackswan.

– A ideia de passar dois meses lá me empolga muito – declara Gabriela. Ela não fala coreano, mas é fluente em inglês; e diz que deve ter aulas de coreano enquanto estiver em treinamento. – Eu já fui à Coreia para turismo, mas sei que essa experiência vai ser completamente diferente. Minha família super me apoia. Sabemos que vamos passar a nos ver muito menos caso eu passe e fique lá definitivamente, mas mesmo assim eles apoiam meu sonho, o que é muito bom. Me dá muito mais força para seguir em frente.

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Gabriela diz não temer as consequências da fama ou da mega exposição que vêm com a possível vida de idol:

– Acho que a fama tem lados bons e lados ruins: você ganha reconhecimento, mas sua privacidade vai embora – pondera. – Mas acho que qualquer artista passa por exposição, seja em qual país ou estilo for. Então, se quero trabalhar com isso, eu preciso aceitar esse lado também.

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O organizado – e lucrativo – negócio do k-pop

Se um artista decide se lançar no mercado musical coreano, ele pode, sim, tentar da maneira que consideramos “tradicional” no ocidente – ou seja, procurar uma gravadora, apresentar suas músicas; ou mesmo tentar se lançar de forma independente, por meio das redes sociais. Mas essa é, digamos assim, a cena alternativa; normalmente focada em outros estilos musicais, como o rock. Quem quer cantar e dançar k-pop precisa seguir um caminho diferente. Para começo de conversa, essa pessoa não quer ser um artista: quer ser um idol, um “ídolo”.

– Na Coreia do Sul, eles não tratam esses artistas como cantores, dançarinos. Eles tratam como “idols”: ou seja, não é uma pessoa que está ali simplesmente mostrando um talento, é alguém que é uma representação de um ideal – explica Laiza Kertscher, da produtora brasileira Highway Star, especializada em eventos com artistas e grupos de k-pop.

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Quem deseja se tornar um idol normalmente participa de audições para conseguir uma vaga na gravadora – e não em uma banda específica. É nas academias dessas gravadoras que os futuros idols serão treinados para a carreira artística.

– Quem quer ser artista entra muito jovem nessas academias, às vezes com 12, 13 anos – continua Laiza. – É como se esses lugares fossem escolas de formação de artistas. Quando a gravadora entende que um artista está pronto, ela coloca o idol em um grupo específico, e o apresenta para o mercado. Sempre que um grupo surge, a gravadora organiza um cronograma de lançamentos e divulgação: videoclipes, singles, álbum, apresentação na TV. Eles têm programas de TV específicos para isso.

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Gabriela diz não temer as consequências da fama ou da mega exposição que vêm com a possível vida de idol:
Gabriela diz não temer as consequências da fama ou da mega exposição que vêm com a possível vida de idol: (Foto: Tiago Ghizoni)

Segundo a produtora, a gravadora decide tudo sobre a carreira dos idols: da produção de shows e videoclipes ao estilo de cada grupo até mesmo a persona que cada integrante vai assumir. Em muitos casos, enquanto passam pela etapa de preparação, os artistas contraem dívidas com a empresa – e, quando começam a trabalhar, precisam pagar pelo treinamento prévio e pelo tempo de moradia na academia antes de começar de fato a ganhar dinheiro para si mesmos.

– A gravadora determina se você vai ser visto pelo público como uma pessoa mais séria, ou mais descolada… É tudo bastante controlado – relata Laiza. – Eles são treinados na forma de falar com a mídia, de se portar em frente às câmeras. É um molde industrial. A imagem também é muito importante no k-pop.

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Não à toa, acontecem na indústria do k-pop alguns escândalos que confundem os fãs do pop ocidental: mais de uma vez, idols já foram expulsos de grupos ou gravadoras e já foram a público pedir desculpas por terem sido flagrados, por exemplo… Simplesmente beijando alguém.

– Quando vaza algo que não corresponde à imagem que o artista passa, vem a decepção dos fãs, acontecem os escândalos – diz Laiza. – Às vezes nem é uma coisa grave, mas é algo que não condiz com o que o público idealizou. Também é bom lembrar que o artista é contratado para estar 100% disponível para os fãs: alguns contratos proíbem os artistas de namorar, por exemplo; outras gravadoras retiram os celulares dos artistas em certos momentos. Só que, nos bastidores, muitas vezes as coisas acontecem. Então eles tentam esconder ao máximo.

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A questão também é cultural: segundo Laiza, a impressão de que os idols só vivem para os fãs é especialmente forte entre os próprios coreanos.

– Agora, na pandemia, por exemplo, nós realizamos diversos eventos virtuais, em que os fãs podiam conversar individualmente com os artistas, por chamada de vídeo – a produtora narra. – E o fã coreano, quando está frente a frente com o artista, se sente e age como se estivesse em um encontro romântico. O fã brasileiro já tem uma percepção bem diferente. Nossa mentalidade sobre essa relação entre ídolo e fã é diferente.

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