Pelos números da bolsa de valores brasileira, este ano não parece marcado pelo temor de crescimento baixo e pelo pessimismo generalizado dos empresários. Enquanto as previsões pioram a cada semana, o Ibovespa, principal índice das ações brasileiras, vive há quase quatro meses um rali alimentado pela chegada maciça de investimentos estrangeiros e pela especulação eleitoral. Entre 1º de janeiro e 30 de julho, o saldo positivo das aplicações do Exterior na bolsa chega a R$ 15,7 bilhões, volume 266% superior ao mesmo período de 2013.
Continua depois da publicidade
A despeito de baixas ocorridas na semana passada, neste ano o Ibovespa já subiu 8,5%. O ímpeto comprador dos investidores estrangeiros cresceu de maneira acentuada depois da segunda quinzena de março, a partir de quando o índice acumula alta de 24,3%. Além da farta disponibilidade de dinheiro no mundo atrás de oportunidades devido à política americana de injeção de recursos na economia, jogaram a favor do Brasil nos últimos meses os preços considerados baratos das ações e o envolvimento da Rússia na crise da Ucrânia, instabilidade que incentivou investidores internacionais a retirarem recursos da bolsa de Moscou. Parte deste dinheiro veio parar no pregão brasileiro.
Leia as últimas notícias de Zero Hora
Apesar da dificuldade de mensurar o peso da disputa pelo Palácio do Planalto no comportamento da bolsa, corretoras, áreas de investimento de bancos e especialistas no mercado de capitais não têm dúvida de que o cenário eleitoral ajudou a mexer com o mercado. A cada recuo das intenções de voto na presidente Dilma Rousseff nas pesquisas, a bolsa sobe. Se há sinais de que o segundo turno fica menos provável, cai.
A influência é verificada principalmente em papéis de ações de estatais, como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil, empresas mais sujeitas à interferência do governo e, por isso, teriam resultados financeiros inferiores aos esperados por investidores. Por esse raciocínio, uma vitória da oposição livraria essas companhias da ingerência do atual governo e abriria caminho para melhores balanços – e um potencial ainda maior de valorização de suas ações.
Continua depois da publicidade
Duas vezes acima da média dos emergentes
Um estudo do banco suíço UBS, por exemplo, mostra que, de março a meados de julho, enquanto o Ibovespa subiu 29%, o índice para países emergentes criado pela instituição teve alta de 15%. Para o UBS, um pouco menos da metade da diferença (44%) se deve ao fator eleitoral – leia-se pesquisas de intenção de voto que mostram tendência de segundo turno para a Presidência. Mas as estimativas sobre o peso eleitoral no desempenho da bolsa variam. Grosso modo, as pesquisas teriam peso de apenas 15% no saldo positivo da bolsa, nos cálculos de Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da TOV Corretora. Outros especialistas estabelecem correlação maior:
A polêmica sobre a influência da política econômica do governo federal nas estatais e na economia e os reflexos eleitorais nos investimentos se intensificaram há cerca de 10 dias, quando o Banco Santander enviou a clientes com renda acima de R$ 10 mil mensais um texto de seus analistas financeiros alertando que uma eventual ascensão de Dilma nas pesquisas de intenção de voto levaria à alta do dólar e dos juros e à queda da bolsa. O episódio, classificado de terrorismo econômico pelo PT, acabou em um pedido de desculpas do banco e na demissão de ao menos uma funcionária do Santander.
Apesar de o mercado financeiro não aparentar simpatia pela reeleição de Dilma, a gestora de investimentos da corretora Coinvalores, Tatiane Cruz, pondera que, mesmo com o nervosismo eleitoral nas bolsas, a definição do próximo presidente não é a única razão que poderia interromper uma eventual trajetória de alta das ações:
– O Aécio (Neves, candidato do PSDB) pode ganhar a eleições, mas se os Estados Unidos elevarem o juro básico, provavelmente o investimento estrangeiro vai fluir para lá. Vai depender também da mensagem que o vencedor transmitir quanto à política econômica.
Continua depois da publicidade
A trajetória da bolsa de valores, portanto, segue como uma pergunta cuja resposta vale milhões de dólares.
O QUE CONTRIBUI PARA A ALTA
Em tese, a desaceleração da economia e a falta de confiança de empresários e consumidores não seriam o cenário mais provável de uma recuperação
Múltiplos fatores
Mesmo que a especulação eleitoral torne a discussão mais palpitante, a aposta do mercado na redução das chances da presidente Dilma Rousseff conseguir um segundo mandato não basta para explicar a valorização dos papéis no ano. Para especialistas e profissionais que atuam na bolsa, o movimento é atribuído a uma série de fatores, alguns encadeados.
Dinheiro sobrando
Na linguagem dos financistas, há excesso de liquidez global. Como o banco central norte-americano injetou trilhões de dólares nos últimos anos na economia, investidores buscam opções para aplicar esse volume de recursos com maior retorno. Com as taxas de juro baixas nos Estados Unidos, uma das opções é investir em ações, dentro e fora do país.
Continua depois da publicidade
Onda global
A maior parte das bolsas ao redor do mundo também está em alta, e isso acaba influenciando o Brasil, apesar da economia em marcha lenta.
Ações baratas
Na comparação com outros países emergentes, as ações das empresas brasileiras são consideradas baratas pelos investidores.
Fuga da Rússia
Com a crise na Ucrânia, que também envolveu Moscou, muitos investidores que aplicam em países emergentes também decidiram retirar dinheiro da Rússia e redirecionar para o Brasil.
Fator eleitoral
Como o mercado financeiro tem críticas em relação ao governo Dilma, pesquisas de intenção de voto que começaram a mostrar mais chances para a oposição também animaram investidores a especular, especialmente com ações de estatais.
Continua depois da publicidade
Cenário externo
Apesar do saldo positivo no ano, o desempenho da bolsa brasileira pode ser ofuscado caso o banco central americano acene com a possibilidade de aumentar a taxa básica de juro interna antes do esperado até agora pelo mercado. Os números mais recentes da economia americana mostram que o PIB cresceu 4% no segundo trimestre e a inflação subiu, fatores que poderiam levar a uma elevação do juro nos EUA e ameaçar a boa fase da bolsa no Brasil.
Enxurrada de capital externo sobre o Brasil
Enquanto as estatísticas mostram que os brasileiros que aplicam na bolsa batem em retirada, decepcionados com o mau desempenho das ações nos últimos anos, o fluxo de dinheiro estrangeiro para o país tem sido mais forte e garantido a bolsa no azul em 2014. Mesmo sem ser suficientes para garantir um resultado positivo no ano passado, os recursos do Exterior também foram decisivos para que o Ibovespa não tivesse uma queda maior.
Dados da BM&FBovespa mostram que, em 2013, o saldo líquido do investimento estrangeiro na bolsa foi de R$ 11,7 bilhões. Neste ano, já supera R$ 15 bilhões. Se o ritmo for mantido, baterá o recorde de R$ 20 bilhões de 2009 e superará até o do temido “tsunami monetário” mencionado por Dilma em 2012. As mesmas estatísticas da bolsa indicam que, apenas em maio, entraram R$ 5,5 bilhões a mais do que saíram. Foi o melhor resultado desde janeiro de 2010 – no site da bolsa, não há dados mensais anteriores a este período.
Continua depois da publicidade
O peso dos investidores estrangeiros não para de crescer. No início de 2010, pessoas físicas, investidores institucionais brasileiros – como fundos de pensão – e aplicadores do Exterior tinham uma participação semelhante na movimentação da bolsa. Agora, estrangeiros são responsáveis por quase metade das transações.
Um dos principais fatores para a enxurrada de dinheiro do Exterior, avalia Rafael Schiozer, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), é o excesso de dinheiro circulando na economia global, fruto da injeção de recursos do banco central americano para tentar estimular a atividade local. Ao mesmo tempo, acrescenta o especialista, as baixas taxas de juro nos EUA incentivam investidores a percorrer o mundo atrás de maior lucro.
– Com o juro baixo lá, esses investidores buscam um retorno maior nos países emergentes, entre os quais o Brasil, apesar de o país não estar uma maravilha – diz Schiozer.
– Temos liquidez (quantidade de dinheiro disponível e em busca de aplicações) recorde. De 2009 para cá, o banco central dos EUA emitiu US$ 3,5 trilhões de dólares em títulos. O juro nos EUA também está no nível mais baixo da história. Com isso, os agentes globais procuram ativos para comprar. Quando a taxa de juro cai, o apetite pelo risco aumenta – explica Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da TOV Corretora, que também liga o bom momento das ações brasileiras à alta das bolsas mundiais e, em menor grau, aos resultados apresentados pelas empresas listadas na BM&FBovespa.
Continua depois da publicidade