O nome dele é Bogdan, mas todos o conhecem por Ted. Tem 18 anos e é originário da região ocidental da Ucrânia (que pertenceu à Polônia até ser invadida pela União Soviética em setembro de 1939 em consequência do Pacto Germano-Soviético). Para se sustentar, divide-se entre as ocupações de DJ numa danceteria, à noite, e de gerente num escritório, durante o dia. Sem filhos, além de custear as próprias despesas, ajuda os pais que ficaram no interior. Tem jeito de rapazola, a não ser pelo olhar cansado de quem fixou endereço há dois meses nas barricadas da Praça Maidan (Independência), em Kiev.
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Encontrei Ted no interior da prefeitura de Kiev (Kyivska Miska Derzhavna Administratsia, mais conhecida pela sigla KMDA). Trata-se de um imponente prédio neoclássico na Rua Khreschatyk, bulevar que atravessa a parte velha de Kiev, a poucos passos da Praça Maidan (Independência). O local converteu-se em quartel-general dos ativistas de oposição, que controlam as entradas pedindo documentos. No interior do prédio, funcionam serviços de apoio como cozinha e locais de reunião, especialmente para o partido Svoboda (Liberdade), de extrema direita. A organização de Ted é menor: chama-se Exército Rebelde Ucraniano (Ukrainska Povstanska Armia, ou simplesmente UPA), está enraizada basicamente na Ucrânia ocidental e é originária do grupo nacionalista homônimo criado pelo legendário líder Stepan Bandera nos anos 1940, durante a invasão nazista. Durante o domínio soviético, Bandera foi apontado como fascista pelo governo ucraniano pró-Moscou e foi assassinado nos anos 1950, num crime obscura pelo qual as principais suspeitas recaem sobre a polícia secreta.
Durante a entrevista, Ted faz apenas duas exigências: não fornecer o sobrenome e manter o rosto coberto pelo gorro.
– Por razões de segurança – explica.
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A seguir, o depoimento do ativista da Praça Maidan:
Zero Hora – Por que você está aqui na Praça Maidan?
Ted – Decidi vir até aqui pela primeira vez por apenas dois dias. Mas já estou aqui há dois meses e meio. Fui até minha casa por duas vezes durante esse tempo. Fiquei apenas algumas horas em casa.
ZH – Qual foi a cena mais impressionante que você presenciou nos últimos meses?
Ted – O que mais me impressionou foi que as pessoas não tinham medo de ficar aqui para lutar pela Ucrânia. Onze de meus amigos morreram. De meu grupo, apenas eu e outros três estamos vivos. Fui ferido, estive hospitalizado. Conheço muitas pessoas que foram feridas e hospitalizadas e que estão em estado grave de saúde.
ZH – Você pode descrever a luta na praça?
Ted – Quando eu estava nas barricadas, ficava perto das barreiras em razão dos tiros. O exército, a polícia e os capangas contratados pelo governo visavam especialmente os que ostentavam este símbolo (mostra o símbolo metálico da UPA no gorro). Vi muitas pessoas morrerem, algumas atingidas na cabeça. Quando o movimento na praça começou, eu e meus amigos fomos para a linha de frente. Queríamos ser os primeiros nas barricadas. Não conseguíamos pensar no que fazer. Não tínhamos tempo para pensar nisso. No meio da luta, não sabíamos quem havia atirado. Eu só pensava: quem de nós será o próximo?
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ZH – Pelo que você está lutando?
Ted – Eu e meus amigos estamos lutando pela vitória, para mudar o governo e o poder neste país. Estou pronto para ir até o fim, para morrer, se for preciso. Farei isso pelos meus filhos e netos e por este país. Atualmente, estamos fazendo história. A história é feita pelas pessoas que estão aqui. No futuro, quando meus netos perguntaram o que ocorreu aqui, quero ser capaz de contar e de saber a verdade. Sou parte dessa luta. Sou muito orgulhoso de estar aqui e fazer parte desse processo.
ZH – Mudar o governo significa estabelecer uma administração que seja parte da União Europeia ou não necessariamente assim?
Ted – Sim. A vida da Ucrânia como parte da União Europeia é melhor para nós. Se a Ucrânia se juntar à União Europeia, teremos mais oportunidades para estudar. Tenho 18 anos, quero estudar no exterior. Estou trabalhando desde os 14 anos, para custear meus gastos pessoais, e desde os 16 para ajudar meus pais. Meus pais não podem me ajudar, e, por isso, trabalho.
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ZH – Se houver uma guerra entre Rússia e Ucrânia, você se engajará?
Ted – Seja como for, vamos para o combate. Vamos lutar. Queríamos ir para a Crimeia, mas nossos líderes nos ordenaram que ficássemos em Kiev. Se for necessário ir, estamos prontos.