Após passar quase 20 dias no hospital, o auxiliar de cozinha Eron Melo, 19 anos, vítima de um dos primeiros ataques a ônibus neste ano, em Florianópolis, revela os momentos de pânico vividos no dia 1º deste mês. Para salvar a própria vida, ele precisou atravessar um coletivo em chamas.
Continua depois da publicidade
As luzes estavam apagadas e já passava da meia-noite quando Eron percebeu que o ônibus em que estava seria assaltado. Ele lembra claramente quando um rapaz de pele morena parou o coletivo e, com uma arma, e ameaçou o motorista:
– Se não parar, eu atiro – disse o assaltante.
Um deles entrou no ônibus e, em questão de segundos, pegou o dinheiro do caixa e deu uma coronhada no cobrador. Quando Eron pensou que o pesadelo iria acabar, o assaltante atirou um líquido branco que incendiou o coletivo.
Continua depois da publicidade
– As vidraças quebraram. Só lembro do cheiro da pele pegando fogo e da carne queimando – relatou Eron, com dificuldade.
Para ele ainda é muito penoso lembrar daquela madrugada. Há menos de dois anos morando em Florianópolis e com toda a família em Bagé (RS), Eron conta com a solidariedade da família da namorada. Mesmo muito debilitado e sem poder se expor ao sol, ele foi na tarde de ontem prestar depoimento na Delegacia de Repressão a Roubos da Capital. Na saída, aparentemente cansado e em pé, com ajuda de muletas, aceitou falar com a reportagem. Por quase 15 minutos de conversa relembrou todo o terror que passou.
Diário Catarinense – O que você consegue lembrar daquela noite?
Eron Melo – Lembro de tudo. Estava apenas eu, o cobrador e o motorista. As luzes estavam apagadas quando eles renderam o ônibus, anunciando o assalto. Acho que eles nem me viram. Me disseram que eram dois, mas só um entrou no ônibus.
Continua depois da publicidade
DC – E o que aconteceu?
Eron – Entraram pela frente, deram uma coronhada no cobrador e levaram o dinheiro do caixa.
DC – E o fogo?
Eron – Eu pensei que seria só o assalto, mas ele jogou um líquido branco e tudo pegou fogo. Foi rápido, lembro do fogo apertando minha pele, pulei a roleta e sai do ônibus ainda em chamas.
DC – Alguém te ajudou?
Eron – Corri para um bar próximo. O motorista e o cobrador passaram por mim. Pedi ajuda para alguém que me disse para esperar a ambulância. Me emprestaram o celular para ligar. A polícia chegou rápido, vieram duas viaturas e a segunda me levou para o hospital.
DC – Depois de ligar para a polícia, para quem mais você ligou?
Eron – Liguei para minha sogra, mas não falei a gravidade da situação para não assustar.
DC- Alguém te procurou?
Eron – Apenas o motorista que foi pedir desculpas.
DC – Você ficou 19 dias no hospital. Quais foram os momentos mais difíceis?
Eron – Senti muita dor.
DC – E a sua família?
Eron – Meu pai me ligava todos os dias. Queriam que eu voltasse para o Rio Grande do Sul, mas eu quero ficar aqui.
Continua depois da publicidade
DC – E hoje, como você está?
Eron – Estou me recuperando, conseguindo andar com dificuldade, mas ainda tenho dificuldade para dormir e sinto muita coceira, principalmente nas pernas.
DC – E quando você conseguiu olhar no espelho?
Eron – Faz alguns dias, pedi para um amigo tirar uma foto. No hospital não deixaram me olhar. Estava com o rosto muito inchado. Mesmo assim, quando me vi pela primeira vez fiquei chocado, minha pele estava escura, não imaginava que estaria assim.
DC – Você está recebendo alguma ajuda?
Eron – Estou em casa, tenho dificuldade para me mexer e tenho que passar um óleo três vezes por dia nas queimaduras. O médico disse que vou ter que ficar uns quatro meses em casa, até me recuperar. Não tenho nenhuma assistência, a seguradora da empresa do ônibus disse que o seguro não cobre terrorismo.
Continua depois da publicidade
DC – Depois de tudo isso que você passou, mudou alguma coisa?
Eron – Sim, nasci de novo. Agora é me recuperar e tocar a vida.
O que diz a empresa
Questionada pela reportagem sobre a assistência à vítima, a gerente da empresa de transporte coletivo Canasvieiras, Elise Gaussmann, disse que o caso foi encaminhado à seguradora. Segundo ela, a empresa não foi informada da negativa e deverá entrar em contato com a seguradora para analisar a situação.