O homem que se apresenta com um aperto de mãos firme é o mesmo que se despede momentos depois com as mãos trêmulas e os olhos marejados. Impossível seria não se comover com a história triste que levou Elemar Dryer a percorrer 900 quilômetros de carro, em alta velocidade, até o Litoral Norte catarinense.
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Dono de restaurante, articulado e de fala firme, ele sentiu as pernas bambearem na noite de sábado ao descobrir que a filha mais velha estava na UTI do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. Ao ser informado que Fernanda Dryer, 22 anos, tinha sofrido um acidente no parque Beto Carrero World, em Penha, ele logo suspeitou de uma fratura de braço ou de perna e seguiu todo o caminho com o mesmo pensamento.
Mas a descoberta de que a situação de Fernanda era mais grave que ter tido um osso quebrado fez o empresário perder o chão. Nada, como ele mesmo diz, poderia ter lhe dado uma sensação tão ruim quanto ver uma das filhas numa cama de hospital. Saber então que os longos e brilhosos cabelos castanhos tinham sido violentamente arrancados de sua cabeça, fez Elemar cair em desespero.
O bom atendimento da equipe médica e ver Fernanda lúcida já no dia seguinte à cirurgia foram suficientes para fazer o pai se recompor e dar a notícia de uma maneira que não alarmasse a esposa, grávida de oito meses.
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– Não quero alarmar ninguém. Ela está muito bem, mas é que eu estou com o coração ferido – repetia entre pausas para controlar o choro.
Fernanda passou por uma cirurgia no sábado logo após o acidente e não houve a necessidade de ser mantida sedada. De acordo com o pai, o couro cabeludo da jovem foi reimplantado, mas ela ainda tinha dificuldades para mexer as pálpebras. O couro da cabeça foi arrancado completamente, desde a altura da testa. Mas a melhora considerável no quadro de saúde levou o pai a crer que ainda na segunda-feira ela deixaria a UTI. A principal preocupação de Elemar é poder levar a filha de volta para casa o quanto antes.
– Depois ela vai ver o que ela vai fazer, eu só quero que ela tenha um bom atendimento se for preciso pagar eu pago, mas quero ver minha filha bem – disse.
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O empresário foi comunicado sobre o acidente às 11h de sábado e às 23h já estava em Itajaí. Ele foi para a cidade de carro com o namorado de Fernanda, Alvaro Ramos, que mora com a jovem em Panambi (RS). Desde que chegaram, eles visitaram Fernanda no hospital todos os dias e contaram com a compreensão dos médicos, que muitas vezes prolongaram o tempo de visita, que na UTI é de apenas 30 minutos. Elemar acredita que se Fernanda estivesse com uma touca, tudo poderia ter sido evitado.
– Isso é um brinquedo assassino. A pessoa vem para um divertimento e acontece isso, é um absurdo! – afirma.
De acordo com a Federação Catarinense de Automobilismo, a balaclava é necessária para competições, mas sua obrigatoriedade não se aplica ao minikart do Beto Carrero, que é amador e fechado. O kart usado no espaço tem 40% da potência de um veículo competitivo.
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Mesmo assim, sempre é importante ter bom senso para garantir a segurança em parques de diversão. O presidente da Associação de Empresas de Parques de Diversões do Brasil (Adibra), Francisco Donatiello Neto, explica que há quatro anos a instituição procurou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para falar sobre a necessidade normas brasileiras para parques. O documento foi promulgado em março de 2012, mas as normas não são compulsórias. De qualquer modo, elas servem como base para julgamentos.
– Estamos lutando para que as prefeituras, que dão as diretrizes para a instalação de um parque, adotem as normas. Em São Paulo isso já ocorre – explica o presidente, que lembra que não compete à Adibra a fiscalização de esportes que utilizem motor de combustão.
Polícia solicita acesso às imagens da pista A Polícia Civil em Penha abriu um inquérito para apurar as circunstâncias do acidente no parque Beto Carrero e vai pedir acesso às imagens da pista. Segunda-feira, por meio de nota, a assessoria de imprensa do parque informou que desde sábado o kart, que fica na parte de dentro do parque está fechado.
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O parque disse ainda que o brinquedo é operado por uma empresa especializada no segmento automobilístico, que atua há 17 anos no mercado e que sempre foram tomadas todas as precauções de segurança.
– O Beto Carrero World e a operadora já estão em contato com a Confederação Brasileira de Automobilismo, mesmo cientes que este órgão cuida apenas do segmento de competição, para ver a possibilidade de criar uma norma para que acidentes como este não voltem a acontecer – informou o documento.
Fernanda está na UTI, mas passa bem
O último boletim médico divulgado pelo Hospital Marieta Konder Bornhausen informou que Fernanda Dryer passa bem. Segundo Elemar Dryer, pai da jovem, ela já conversa e até sorri, mas permanece na UTI. O acidente ocorreu por volta das 10h30 de sábado, quando o cabelo da jovem ficou preso no kart que ela andava.
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Elemar conta que a filha passou por uma cirurgia de reimplante. Segunda-feira, ele acompanharia a jovem até Blumenau para fazer uma tratamento de oxigenação. Depois, ela retornaria ao hospital em Itajaí. De acordo com Elemar, o acidente de Fernanda foi bastante grave. Ao ter o couro cabeludo arrancado na altura da testa, o movimento das pálpebras estaria comprometida.
Sonho da formatura pode ser adiado
A formatura programada para o fim deste ano poderá ter de ser adiada. Há dois anos, Alvaro Ramos, 26 anos, mudou-se com a namorada Fernanda Dryer, 22 anos, de Tenente Portela (RS) para Panambi (RS) para que ela pudesse cursar a faculdade e ele trabalhar. O sonho de se formar em engenharia mecânica era, até agora, o principal projeto de vida da jovem e vinha sendo compartilhado pelo namorado. Era a meta dos dois para o fim deste ano. Só depois disso, eles pensariam em casamento e talvez filhos.
Segunda-feira, porém, a determinação de Fernanda ficou omitida no semblante de pesar de Alvaro. Quieto, ele apenas lamentou com um balançar de cabeça por não ter certeza de que a namorada irá se formar em breve. Aos 22 anos, Fernanda deixou a casa dos pais no município com 13 mil habitantes para estudar a 150 km de casa. A proximidade entre as cidades possibilita que a jovem passe os fins de semana em casa.
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Agarrada aos pais e à irmã de 18 anos, ela vinha aguardando ansiosa a chegada do irmão caçula, Felipe. A mãe, grávida de oito meses e meio, não pôde visitar a filha no hospital por estar com cesariana marcada para o fim do mês.
– É minha mulher que está grávida, mas parece que o filho vai ser da Fernanda – contou Elemar Dryer, pai da jovem.
Além da graduação, Fernanda também trabalha em uma empresa da região. Foi com os colegas de trabalho que ela programou a viagem para Penha. Segundo o pai, a excursão iria até o parque Beto Carrero, passaria em um shopping no fim do dia e todos voltariam para Panambi.
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Animada, na sexta-feira a jovem postou uma mensagem destinada a Cheila Thielke no Facebook dizendo que as duas se divertiriam no parque. Infelizmente, o divertimento se reverteu em sofrimento, muito mais para os familiares do que para a própria Fernanda.
– Ela é uma guerreira, fala com a gente, sorri e está preocupada se estamos comendo – comenta Cheila.
Sucesso do reimplante não é garantido
Cirurgião plástico em Santa Catarina desde 1971 e membro dos mutirões da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Rodrigo D’Eça Neves explica que em cirurgias como a que Fernanda foi submetida o resultado depende muito da recuperação.
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– Se a emenda for bem feita e não formar coágulo, se os curativos forem feitos com cuidado, ou seja, se tudo funcionar bem o resultado é maravilhoso – diz.
O procedimento é bastante complexo e muitas vezes depende de outras cirurgias para ter um resultado satisfatório. O reimplante do couro cabeludo, como foi feito em Fernanda, é um método que além de tudo não pode demorar. A cirurgia deve ser feita em até quatro horas após o escalpelamento. Em casos em que não há a possibilidade de reimplante, o médico faz um enxerto de pele para cobrir a cabeça e depois começa o procedimento para tentar reimplantar cabelo.
Podem ser necessárias até três cirurgias, que só podem ser feitas num intervalo de cinco meses uma da outra. O médico explica que os escalpelamentos são muito comuns em Macapá (AP), onde ele participa dos mutirões. Lá, é comum o uso de barcos para se locomover e muitos têm o motor aberto, deixando mulheres expostas ao risco.
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– Acontece inclusive de se perder pálpebra e orelha junto – explica.
Aqui na região os escalpelamentos ocorrem, na maioria das vezes, por causa de acidentes de trânsito e acabam sendo parciais. Quanto menor a quantidade de couro cabeludo arrancada, maior a chance de recuperação, segundo o médico.
– Na época dos engenhos nós tínhamos muitos escalpelamentos, mas isso praticamente desapareceu – observa.
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Neves destaca ainda, que sequelas como perda do movimento das pálpebras não são causadas pela perda de couro cabeludo. Caso isso tenha realmente acontecido com Fernanda, é provável que esteja relacionado a outro problema.
– As sequelas no caso do escalpelamento são psicológicas. O aspecto social fica muito comprometido, porque em muitos casos ficam cicatrizes, por exemplo. Por isso é tão importante ter acompanhamento psicológico posteriormente – diz.