Os efeitos da estiagem na Grande Florianópolis, que completou um mês nesta semana, têm causado transtornos a moradores da Capital e de cidades como São José, Biguaçu, Santo Amaro da Imperatriz e Palhoça. Com o nível do Rio Vargem do Braço entre 30% e 40% abaixo do normal, o abastecimento de água em diferentes localidades opera de modo intermitente. Um problema que reacende o debate sobre a importância de usar a água de modo consciente e de encontrar meios para evitar o desperdício.
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Para dois engenheiros sanitaristas e ambientais ouvidos pela reportagem, uma das variáveis importantes dessa equação é a quantidade de água perdida na própria distribuição feita pelas operadoras de saneamento, que pode ser consultada nos relatórios do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Em Florianópolis, onde a operação é realizada pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), o indicador vem apresentado piora. Entre 2013 e 2017, conforme os dados do SNIS, o índice de perdas de água passou de 33,72% para 42,96%, acima da média nacional, que é de 38,3%. O índice considerado aceitável é de 15%.
A Casan, no entanto, afirma que as perdas no sistema referentes a vazamentos não englobam os 42,96% indicados pelo SNIS, mas aproximadamente metade desse volume.
— O que vemos no Brasil hoje, em média, é que dentro do índice de perdas, aproximadamente 60% delas são físicas, geradas por vazamentos no sistema, e 40% são perdas comerciais, que é o volume não faturado pela operadora, mas que não significa desperdício — pondera a engenheira sanitarista da Casan Andréia May, que coordena a comissão de gestão de perdas de água da operadora.
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A companhia afirma que o gerenciamento do índice das chamadas “perdas físicas” (os vazamentos na rede ) é motivo de preocupação constante, e sustenta que em Florianópolis esse indicador varia entre 21% e 22%.
O aumento no índice observado entre 2013 e 2017 colocou a Capital entre as quatro piores do país no quesito evolução de perdas na distribuição de água, conforme o relatório do Ranking de Saneamento do Instituto Trata Brasil 2019, divulgado em julho deste ano. Ao lado de Florianópolis, Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Recife (PE).
Pedro Scazufca, pesquisador do Trata Brasil, reforça que o indicador de perdas de distribuição envolve a soma das chamadas perdas “físicas” e “comerciais”. Entre as físicas, estão basicamente os vazamentos na rede de tubulação, enquanto as perdas comerciais envolvem os problemas de medição, fraudes e erros de leitura.
O pesquisador também pontua que o ranking do instituto se baseia nos números mais recentes compilados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), repassados anualmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional pelas próprias operadoras de saneamento brasileiras.
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O que é o Trata Brasil
O Instituto Trata Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Segundo a descrição no site do instituto, é formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.
Desde 2007, elabora o Ranking do Saneamento, que avalia itens como população, fornecimento de água, coleta, tratamento de esgoto, investimentos e perdas de água nas cidades brasileiras.
Na edição de 2019, o ranking avaliou os índices dos 100 maiores municípios do país, com base nas informações fornecidas pelas próprias operadoras de saneamento ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
“Vazamentos nem sempre ocorrem por imperícia da Casan”
A engenheira sanitarista da Casan Andréia May chama a atenção para a complexidade e dinâmica de um sistema de abastecimento. Ela ressalta que é preciso atentar para o fato de que os vazamentos na rede possuem diferentes causas e que muitas delas não estão relacionadas a problemas operacionais.
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— Nem sempre as intervenções na rede que geram vazamentos ocorrem por imperícia da Casan. Há muitas intervenções internas. Por exemplo, uma empresa, alheia à companhia, está fazendo uma obra usando uma retroescavadeira e acaba rompendo uma rede. É uma situação que acontece muito, e que não podemos prever.
Sobre o aumento de perdas nos últimos anos, a engenheira da Casan avalia que ela pode estar relacionada à evolução das medições, que possivelmente deram mais confiabilidade ao indicador, e também à ampliação do sistema.
— A cidade se expande, e é normal que as pessoas passem a ocupar partes mais periféricas, o que requer o aumento da pressão na rede, para levar a água até esses locais, o que gera mais vazamentos.
Dados incluem os “gatos”
Na avaliação do presidente da Associação Catarinense de Engenheiros Sanitaristas e Ambientais (Acesa), o engenheiro sanitarista e ambiental Vinicius Ragghianti, a evolução de perdas na distribuição de água apresentada por Florianópolis preocupa.
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— É natural que um sistema de distribuição de água tenha vazamentos e perdas. Não existe sistema com perda zero em nenhum lugar do mundo, até porque a rede de água passa pelas ruas, que estão sujeitas a tráfego pesado, gerando rompimentos. O que não é aceitável é trabalhar com uma taxa de 40%, porque é algo que se pode corrigir com um esforço mínimo — opina.
Vinicius Ragghianti reconhece que o dado precisa ser “destrinchado”, porque inclui vazamentos na rede mas também perdas que não configuram desperdício – como os conhecidos “gatos”. Porém, ainda assim, acredita que grande parte do índice se refere a perdas na própria distribuição. O engenheiro sustenta que um maior controle de vazamentos depende, necessariamente, de um sistema eficaz de macromedição. Em Florianópolis, conforme os dados do SNIS de 2017, 35% do sistema é macromedido.
— Isso significa que a maior parte dos setores do sistema de distribuição (65%) não possui medição, o que dificulta o processo de localização dos vazamentos e, consequentemente, aumenta as perdas de água — aponta.
A engenheira sanitarista da Casan Andréia May afirma que a companhia trabalha para aprimorar os sistemas de identificação de vazamentos e, assim, diminuir as perdas. Ela cita que, entre as medidas, está a divisão do sistema integrado em setores menores, com medições locais.
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— O Norte de Florianópolis, por exemplo, já está todo setorizado, então podemos agir de forma direta quando há um vazamento. Estamos trabalhando em projetos semelhantes para outras partes da Capital.
Fiscalização e multas
Em relação às fraudes, a engenheira sanitarista da Casan Andréia May acrescenta que elas representam um problema ainda maior em momentos de estiagem. Isso porque, de acordo com ela, os consumidores que possuem ligações clandestinas costumam gastar mais água.
— Como nesses casos não há um controle, sem pagamento de fatura, as pessoas tendem a desperdiçar mais, porque não sentem no bolso. Além disso, de forma geral, a perda de faturamento acaba acarretando em menos investimento no sistema — comenta.
A Casan reforça que faz fiscalizações contínuas para evitar esse tipo de prática, incluindo por exemplo as ações de “caça-fraude”. Entre as infrações mais comuns, está a violação de corte, que é quando a companhia corta a água de um consumidor mas o morador faz uma religação. Nesse caso, a multa prevista é de R$ 233,60.
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Outra prática recorrente, segundo a companhia, é o chamado “by pass” (desvio na tubulação que vai para o hidrômetro), o que interfere no controle do consumo. Nesse caso, há uma multa fixa de R$ 350,00, acrescida do consumo estimado para os últimos seis meses.
Impacto na estiagem
Professor da disciplina de Sistemas de Abastecimento de Água no curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o engenheiro sanitarista e ambiental Ramon Lucas Dalsasso acredita que o controle de perdas de abastecimento pode ter um impacto significativo em momentos de estiagem como o que a Grande Florianópolis enfrenta.
— Se houvesse uma redução de 10% do volume perdido, por exemplo, seria possível atender mais 95 mil pessoas — destaca o professor, levando em conta a capacidade de tratamento de água na Grande Florianópolis, que é de aproximadamente 3 mil litros por segundo.
O professor salienta que um maior controle não anularia o problema da falta de chuva, mas tornaria a situação menos alarmante. Ele também considera que Florianópolis deveria ter como uma meta um índice de perdas em torno de 25%, o que resultaria em economia de recursos financeiros e ambientais.
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— É preciso um esforço contínuo de controle de perdas. Se não houver, a tendência é que o índice continue aumentando.
Ramon Lucas Dalsasso alerta ainda para o consumo per capita em Florianópolis, que é de 179,81 litros por habitante por dia, segundo os dados do SNIS. O índice é maior que a média do Estado, que é de 150 litros por habitante, e, de acordo com o professor, revela que é preciso conscientizar as pessoas para consumir água de modo mais consciente.
O caminho da água
1 – A água é captada, em dois rios: o Vargem do Braço (Pilões) e o Cubatão, ambos na região de Santo Amaro da Imperatriz.
2 – Segue para a estação de tratamento, que fica entre Santo Amaro da Imperatriz e Palhoça (a medição do índice de perdas de água começa a partir do momento em que a água sai da estação).
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3 – Depois do tratamento, grande parte do volume é levado por adutoras até Florianópolis. Como as adutoras são tubulações maiores, as chances de rompimento e de vazamentos são maiores nesta etapa.
4 – A água chega ao reservatório, na Capital. Ali, podem ocorrer os extravasamentos, quando o reservatório enche demais e a água acaba sendo perdida.
5 – A água é distribuída. Devido à extensão da rede, o vazamento ocorre por rompimentos provocados por intervenções ou problemas estruturais. Além disso, o aumento da pressão na rede – para levar a água a locais mais distantes – também favorece as perdas.
Como identificar vazamentos na rede interna
Nas próprias residências, os moradores podem verificar possíveis vazamentos na rede interna fazendo um teste indicado pela Casan:
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– Feche bem todas as torneiras do imóvel e não utilize;
– Feche completamente as torneiras de boias das caixas;
– Marque a posição dos mostradores menores do hidrômetro e, após uma hora, verifique se eles se movimentaram.
Caso haja variação, é sinal de que há vazamentos na rede interna do imóvel
A população pode colaborar comunicando a Casan ao perceber qualquer anormalidade na operação da rede. O número da Central é 0800-643 0195. Também é possível fazer contato utilizando o Aplicativo CasanSC.