A violência doméstica vive um momento de escalada em Santa Catarina. Estatísticas dos órgãos de Justiça mostram crescimento de casos contra as mulheres. De 2016 até a última quarta-feira, dia 26 de fevereiro, 213 mulheres foram vítimas de feminicídio. Em média, lamentavelmente, uma mulher é morta violentamente a cada sete dias no Estado.
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O Ministério Público de SC, órgão responsável por denunciar os agressores à Justiça, tem registrado crescimento vertiginoso de processos nos últimos cinco anos. O número de denúncias por violência doméstica saltou de 4.068, em 2014, e chegou a 6.661 até o fim do ano passado. Um crescimento de 63%.
Coordenador do Centro de Apoio Criminal e da Segurança Pública do MP-SC, Jádel da Silva Júnior, acredita que uma série de fatores influenciaram no aumento do número de denúncias oferecidas pelo órgão nos últimos anos, e destaca entre elas a ação conjunta e harmônica de Polícia Militar, Polícia Civil e o próprio MP em oferecer mais ferramentas de registros e denúncias dos casos de violência doméstica.
E para mudar esse cenário, Silva Júnior defende um trabalho pedagógico e psicológico com as vitimas diretas e indiretas, e também o agressor.
– Para que ele, o agressor, passe por um processo de análise do comportamento, e a gente quebre esse ciclo de violência – pontuou, destacando que existe uma comissão formada por membros da OAB, poder Judiciário, MP, polícias militar e civil, que se reúnem frequentemente para criar e ampliar esse fluxo de atendimento.
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No Tribunal de Justiça de SC o reflexo é claro. Somente em janeiro deste ano, o órgão abriu pouco mais de 1,3 mil processos por violência doméstica, somados a outros 4,2 mil em andamento no Estado. Esse volume impacta no trabalho dos juízes. Conforme dados do TJ-SC, em 2006, os processos por violência doméstica tinham um tempo médio de 29 dias entre a distribuição e a sentença. Com o passar do tempo, esse número chegou a 709 dias em janeiro.
"Os números de processos no Judiciário vêm aumentando consideravelmente", diz desembargadora do TJ-SC
A desembargadora Salete Silva Sommariva lidera a coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid) do TJ-SC, diz que no mês passado foram julgados os processos mais antigos, em virtude da priorização dos dados e da meta do CNJ, de sempre julgar os processos mais antigos.
Com o auxílio da assessoria, a desembargadora respondeu à perguntas elaboradas pela reportagem. Confira o que a magistrada respondeu:
Em janeiro, SC registrou em média 60 pedidos de medidas protetivas por dia, com uma delas sendo concedida. O que esses números querem dizer? As mulheres estão denunciando mais?
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Apenas uma ressalva, em janeiro de 2020 tivemos 19 dias úteis. Refazendo o cálculo tem-se que, no período, foram distribuídas 96 medidas protetivas e 10 foram concedidas por dia. Esclareço que as medidas concedidas são lançadas no sistema somente após a intimação do agressor, o que justifica este número reduzido em janeiro.
Importante ressaltar que a articulação da rede de atendimento entre o TJSC, Cedim (Conselho Estadual dos Direitos da Mulher), Polícia Militar, Polícia Civil, Defensoria Pública, Ministério Público, Saúde, Educação, Cremv (Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), Cras (Centro de Referência de Assistência Social), entre outros órgãos de apoio, possibilita às mulheres vítimas de violência o acolhimento necessário para efetivar a denúncia, bem como solicitar o pedido de medida protetiva. Neste sentido a Cevid desenvolveu um folder, idealizado pelo doutor Marcelo Volpato de Souza, com orientações sobre medidas protetivas para eles, o qual será anexado ao mandado de concessão da medida protetiva concedida.
É perceptível que aumenta ano a ano o tempo médio de distribuição e sentença dos processos de violência doméstica. Passou de 29 dias, em 2006, e para 709 dias em janeiro de 2020. Que reflexão é possível fazer? São mais processos? Faltam juízes?
Da análise dos dados, pode-se afirmar que em janeiro de 2020 foram julgados os processos mais antigos, em virtude da priorização dos dados e da Meta do CNJ (sempre julgar os processos mais antigos). O TJ-SC está migrando do sistema SAJ para o E-proc. E como a parte criminal só entrou no E-proc em outubro de 2019, nas amostras dos dados constam os números relativos ao SAJ, conforme informado pela Corregedoria-Geral da Justiça. Ademais, no mês de janeiro houve apenas 19 dias úteis para os magistrados sentenciarem os processos pendentes de julgamento.
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É importante destacar que a violência doméstica cresceu assustadoramente em todo mundo e principalmente no Brasil, onde a taxa de feminicídio aumentou enquanto a de homicídios diminuiu em 2019. Os números de processos no Judiciário vêm aumentando consideravelmente, o que nos leva a crer na importância de ações e políticas públicas para prevenção da violência contra as mulheres, bem como de apoio as vítimas e seus dependentes.
Movimento similar é notado no tempo médio de distribuição e sentença dos processos de feminicídio. Passou de 315 dias, em 2016, e fechou em 514, em janeiro deste ano. O que é possível dizer?
Da análise dos dados, pode-se afirmar que em janeiro de 2020 foram julgados os processos mais antigos, em virtude da priorização dos dados e da Meta do CNJ (sempre julgar os processos mais antigos). Ademais, no mês de janeiro houve apenas 19 dias úteis para os magistrados sentenciarem os processos pendentes de julgamento.
O que é possível fazer para mudar esse cenário? Como a Justiça pode contribuir para o fim do ciclo de violência doméstica em SC?
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O TJ–SC, por meio da Cevid, há anos busca parceria com diversos órgãos no intuito de diminuir a violência doméstica em Santa Catarina, através de programas, convênios, seminário, termo de cooperação técnica, folders, cursos no sentido de minimizar o impacto da violência sofrida por estas mulheres no Estado. Podemos citar como exemplo: o curso “Formar para Transformar”, oferecido para professores, diretores e rede de atendimento à mulher dos municípios, orientações sobre a Lei Maria da Penha e encaminhamentos para a rede de atendimento; projeto “Ágora”, grupo reflexivo de homens autores de violência, que possibilita um espaço de diálogo para que os homens possam repensar questões de gênero e as relações cotidianas decorrentes dela; projeto “Troca de Ideia”, voltado ao público masculino do Judiciário, com rodas de conversa sobre os problemas da vida cotidiana; 1º Seminário Estadual de Enfrentamento de Violência contra a mulher que teve como objetivo reunir magistrados, servidores e rede de atendimento, com atuação na violência doméstica e familiar contra a mulher, para compartilhar conhecimento, experiências e uniformizar entendimento e procedimentos. Ao final foi efetuada a carta de Florianópolis em que o público deliberou e aprovou 25 propostas em plenário.
Além de diversas palestras houve também a primeira mostra de pesquisa sobre violência contra as mulheres, em parceria com a UFSC. Trabalhos foram selecionados e apresentados oralmente durante o seminário e posteriormente publicados em uma coleção de quatro volumes, intitulada “Não há lugar seguro”.
Foram realizadas três edições do curso “Feminicídio e questões de gênero”, com 94 horas-aula, para capacitar magistrados e servidores no formato a distância, visando promover uma atuação sensível à problemática da violência contra as mulheres e assim, evitar revitimizá-las durante a prestação jurisdicional. Ao todo 1.632 participantes fizeram o curso oferecido.
Além disso, são realizadas as semanas da “Justiça pela Paz em Casa”, nos meses de março, agosto e novembro, oportunidade em que os magistrados realizam esforços concentrados para julgamento dos processos de violência doméstica contra mulher e feminicídios. A Cevid criou ainda cartilhas no formato digital e impressa: “Dê um basta na violência contra a Mulher, Educar para transformar, perguntas e respostas”. E o folder “Orientações sobre medidas protetivas para eles”.
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