A polêmica sobre o festival de cinema e o ciclo de palestras sobre diversidade programados pela Escola Professora Elza Pacheco, de Blumenau, chegou ao governo do Estado. Na tarde de sexta-feira, a Agência Regional de Desenvolvimento (ADR) fez uma reunião com a direção da instituição de ensino e solicitou documentos como o plano de trabalho para o evento. O secretário Emerson Antunes promete buscar um entendimento que ultrapasse as paixões, mas afirma que a ADR e a Secretaria de Estado da Educação, em Florianópolis, somente devem tomar uma posição após avaliarem os argumentos dos defensores e críticos ao evento – “como em um processo judicial”, comparou.

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Na escola, os pais teriam informado à direção que preferiam não se manifestar sobre o tema e há uma proteção sobre os alunos para evitar possíveis perseguições em razão de opiniões dos estudantes. A diretora Tânia Elaine Wuaden informa que o evento está mantido e que o tema diversidade já é discutido desde o início do ano. Ela ressalta que a escola é de ensino médio, com cerca de 500 adolescentes com idade entre 15 e 18 anos – e não crianças como mencionado por alguns vereadores – e diz que todos têm consciência de que não estão fazendo nada de errado.

– A gente não está fugindo do tema que está previsto na proposta curricular do Estado, ela incentiva que isso (discussão sobre diversidade) faça parte do ambiente escolar. A pessoa que abriu a discussão não conhece uma escola de ensino médio – frisa.

Membro do coletivo LBGT Liberdade e um dos palestrantes que vai participar da roda de conversa no Elza Pacheco, Lenilso Silva afirma que as conversas com os adolescentes se limitam a abrir espaço para a diversidade e falar sobre tolerância, valorização de todas as vidas e das diferentes formas de família. Ele critica a intolerância às diferenças e afirma que os debates na escola abordam também o machismo, a morte de mulheres e a divisão social do trabalho entre homens e mulheres.

– Devemos discutir que mulheres e homens são iguais e ambos merecem respeito e direito à vida. O problema é que a cegueira do fundamentalismo acha que vamos abordar só questões LGBT, e questões de gênero não são só LGBT, envolvem mulheres e diversidade como um todo dentro do ambiente escolar – sustenta.

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Lenilso vai assumir uma cadeira no Legislativo no início de novembro e já promete apresentar um pedido de audiência pública sobre o tema discussão de diversidade nas escolas. Presente no protesto de ontem, a travesti Luísa do Prado Souto, que também está entre as palestrantes, já havia frisado que as palestras se limitam às experiências pessoais e à defesa da inclusão da população trans no ambiente escolar, já que hoje boa parte desse grupo acaba abandonando a escola.

Argumentos contrários citam plano municipal

Na sessão da Câmara de quinta-feira, os vereadores contrários a qualquer discussão sobre gênero nas escolas citaram argumentos como uma possível influência dos conteúdos sobre crianças que frequentam as escolas e o fato de o Plano Municipal de Educação vetar o tema em sala de aula. Presente no protesto contra a discussão, o coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) em Blumenau citou que as palestras no evento da Elza Pacheco teriam apenas um viés ideológico, com palestrantes que seriam “conhecidos doutrinadores esquerdistas” e que o papel de qualquer tipo de educação sexual cabe primeiramente à família.

Outro curso alvo de repúdio é para maiores de idade

Quando aprovaram a moção de repúdio às palestras da Elza Pacheco, os vereadores também ensaiaram repetir a medida com um curso sobre diversidade de gênero oferecido pela GDE Educacional, o famoso Pontinho Estudantil. A formação, no entanto, é voltada para maiores de 18 anos, professores ou profissionais de educação e, segundo o diretor da instituição João Carlos Bezerra, busca justamente ajudar na resolução de conflitos em sala de aula que tenham questões de gênero como origem. Ontem, após conversa entre o diretor e o presidente da Câmara, Marcos da Rosa (DEM), a moção foi retirada da pauta e uma reunião deve ser marcada.

– Quero acreditar que houve um equívoco porque nosso curso não está inserido em nenhuma grade curricular de educação básica, é um curso de formação continuada para professores, demais funcionários de escola e pais que queiram fazê-lo, desde que tenham 18 anos. O principal de tudo é que o foco do curso não aborda nenhum tipo de ideologia. Apenas fornece subsídios para que a pessoa tenha condições melhores de atuar caso haja conflitos por causa do tema – pontua.

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Um dos principais argumentos dos contrários ao evento da Elza Pacheco e à discussão sobre diversidade e gênero é o fato de que o Plano Municipal de Educação, aprovado em 2015, vetou os conteúdos de gênero nas escolas. No entanto, a Procuradoria-Geral da República ajuizou este ano uma ação que questiona a não inclusão do assunto no plano – o mesmo procedimento foi adotado contra as diretrizes de Cascavel e Paranaguá, no Paraná, também por terem excluído o tema da regulamentação municipal sobre ensino. O caso está no Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria do ministro Edson Fachin e teve o último andamento em agosto, quando o processo, com cópias de documentos solicitados ao município, foi encaminhado ao relator.

Alunos estão indignados com a situação, alega estudante

Uma aluna do primeiro ano da Elza Pacheco conta que os estudantes estão indignados com a situação e estariam inclusive sendo ofendidos nas ruas e nas redes sociais. Ela considera necessário falar sobre diversidade e diz que na escola nada é imposto aos alunos.

– Acho a discussão muito importante para a formação do indivíduo. Todos precisamos aprender a respeitar a todos, ensinar isso na escola é básico. Em muitas casas a relação dos filhos com os pais não é boa, muitos pais simplesmente ignoram esse tema e quando o filho vê alguém diferente pessoalmente estranha, acha errado… A formação do indivíduo depende sim da escola e do respeito que recebe em todos os lugares – diz.

Andréia Lourenço tem uma filha de 16 anos no primeiro ano e não vê problemas nas palestras sobre diversidade. Ela diz ter uma relação bastante aberta com a filha, mas lembra que nem todas as famílias oferecem a mesma liberdade e que essas discussões no ambiente escolar podem ajudar os jovens a ser mais tolerantes:

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– Minha filha tem amigos gays. No mundo que a gente vive, a gente vê pessoas gays na rua e você vai fazer o quê, agredir, como muitos fazem? Não, é uma realidade e é preciso respeitar, discutir isso.

A qualidade do ensino na Escola Elza Pacheco já foi consagrada em Blumenau em algumas ocasiões. Em 2012, 2013 e 2014 a unidade foi a melhor escola pública da cidade no ranking do Enem, chegando a alcançar o sexto lugar em SC.