O padre Vilson Groh está cansado. Nesta sexta-feira (13), a reportagem foi até a casa do religioso, reconhecido pela atuação próxima às comunidades mais carentes de Florianópolis. A pauta era o tiroteio que deixou dois homens, suspeitos de tráfico, feridos. A troca de tiros aconteceu no dia anterior, ao lado de uma creche que atende 190 crianças, no Morro do Mocotó. Mas, para ele, o assunto do dia era outro.

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— Acho que está na hora de a gente parar de discutir cadáver. Está na hora de a gente parar de discutir tiro. Está na hora de a gente se juntar nesse maciço, comunidade, imprensa, lideranças comunitárias, setores da sociedade de Florianópolis e abraçar essa realidade — diz.

Groh mantém projetos sociais há 38 anos em vários morros da região central da Capital, na área que compõe o chamado Maciço do Morro da Cruz. Ele diz que cansou de entrar em debate sobre quem está certo ou errado na área de segurança pública dessa região.

O padre acredita que chegou a hora de um debate mais amplo, para que sejam discutidas políticas que possam mudar de verdade a realidade dessas comunidades, reféns da violência e do tráfico de drogas que, em muitas delas, acontecem a céu aberto.

— De novo a gente tá lendo uma coisa que a gente leu na semana passada, que a gente leu no ano passado. Se vou ler uma reportagem só nessa dicotomia, eu estou lendo uma reportagem que eu já vi há 40 anos. Eu estou cansado. Eu não quero mais discutir. Eu quero discutir uma questão estrutural — afirma.

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Ele diz que não se trata de fugir do debate sobre as responsabilidades de quem provoca ou deixa de provocar os atos violentos, se há um lado bom ou um lado ruim, mas de que a conversa sobre essa questão não deve ficar restrita a esses termos.

Eu não estou me colocando nem de um lado, nem do outro lado. Eu me coloco, fundamentalmente, ao lado da comunidade, enquanto comunidade, que tem um percentual enorme de crianças e adolescentes, que nós temos que abrir os olhos para essa realidade, do ponto de vista de não deixar essa realidade do morro isolada.

O pároco faz um apelo a toda a sociedade de Florianópolis. Ele acredita que cabe ao poder público e também aos meios de comunicação, empresários e à própria comunidade se juntar em torno de uma mesa para tentar encontrar soluções para melhorar a qualidade de vida. Além disso, inserir os moradores dos morros e das demais comunidades na economia local.

— Quando a gente fala em [Morro do] Mocotó [local do tiroteio], tem que dizer que é um grande capital social ali dentro. E é nesse capital social que tem que ser investido. Mas quando não se investe, não se gera oportunidade e não se gera uma política pública concreta, real para a juventude. Essa juventude vai para um trabalho paralelo hoje, que sustenta essa juventude, na área do tráfico — afirma.

A comunidade do Morro do Mocotó é uma das mais antigas da cidade. Os primeiros moradores ocuparam a região ainda no século 19. Ao mesmo tempo, o local é esquecido pelo poder público, que investe pouco na região.

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Nas últimas décadas, o tráfico de drogas é visto a céu aberto. Da mesma forma, as mortes violentas são frequentes tanto no Mocotó quanto em outros morros do Maciço do Morro da Cruz, que passam pela mesma situação.

Operação Mãos Dadas

Há cerca de um ano, a Polícia Militar implementou no Mocotó a Operação Mãos Dadas. Segundo a corporação, o objetivo é aumentar o policiamento em todo o morro para coibir o tráfico de drogas.

Além disso, estão sendo implementadas ações sociais, que visam aproximar as forças policiais da maioria dos moradores, que nada têm a ver com o tráfico, mas que acabam ficando no meio das disputas.

Para Vilson Groh, o problema da operação não é a presença dos policiais, mas o fato de que há pouco debate junto aos moradores, para entender como o policiamento mais ostensivo deve ser realizado.

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— O meu entendimento é de que se nós, nessa cidade, não discutirmos políticas públicas, como a questão da segurança, mas de forma ampla, nós caímos só no pilar da repressão — pontua.

Ele acredita que apenas com esse debate será possível encontrar uma solução definitiva para esses problemas da cidade.

Não dá para a cada tiro, a cada cadáver, a gente ficar prestando informação para o jornal e a gente não agir, não pensar em um projeto global.

Pedido de espaço para moradores nas discussões

A visão do padre Vilson Groh é compartilhada por Babyton Santos, membro da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (UFECO). Ele diz que quando projetos como o Mãos Dadas, da Polícia Militar, são oferecidos à comunidade, normalmente só a visão da corporação é a que conta e que há pouco espaço para os moradores nessas discussões.

— O que aconteceu ontem (quinta-feira, 12) foi o reflexo de muitos descasos, que vêm acontecendo há muito tempo. A polícia não está preparada — avalia.

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Santos acredita que se as comunidades não forem incluídas de forma incisiva nos debates, a chance de sucesso desse tipo de operação, a longo prazo, tende a ser pequena.

É mais uma tentativa vã da polícia de tentar intervir nas comunidades, sem um diálogo de forma mais horizontal, é mais vertical, onde eles estabelecem aquilo que eles devem fazer, como a gente deve se comportar e fica por isso mesmo.

O que diz a PM

O comandante-geral da Polícia Militar (PM) e secretário de Segurança de Santa Catarina, coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes Júnior, afirmou em entrevista que a ação que culminou no tiroteio ao lado da creche foi uma fatalidade.

Para ele, a Operação Mãos Dadas têm tido sucesso na redução dos números de criminalidade na região do Mocotó e também nas outras duas áreas onde o projeto está sendo implementado — na Vila União, em Florianópolis e no Morro Dona Edith, em Blumenau.

O que aconteceu na verdade traz uma preocupação muito parecida. Ficamos extremamente preocupados de que um local onde haja crianças, onde haja atividades sociais, tenha criminosos armados circulando tão próximos.

Araújo Gomes frisou que é dever do poder público estar próximo a essas comunidades. No caso da operação de quinta, o coronel lembra que a presença ostensiva de policiais nas ruas dessas áreas ajudou a transformar as comunidades em locais mais pacíficos.

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— Eu faço analogia com um bairro de classe média. Se houvesse notícias de pessoas armadas ao lado de um colégio em um bairro como Santa Mônica, como Coqueiros, Campeche, a expectativa de todos é de que a Polícia Militar se fizesse presente. A Polícia Militar entende que se esse é um direito desses bairros, também é um direito da comunidade do Mocotó de contar com a polícia — pontua, afirmando que a operação deverá ser estendida nos próximos meses.

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