Nelson Goetten se declara injustiçado. Livre das acusações de crimes como estupro, aliciamento de menores e favorecimento à prostituição após ministros do Superior Tribunal de Justiça invalidarem as provas do processo, o ex-deputado federal falou jornalista Dagmara Spautz, do blog Guarda-Sol, sobre o período de prisão, a vida política e a ação judicial que o levou à cadeia. Acompanhado do advogado Roberto Brasil Fernandes, Goetten reafirmou inocência e arrependimento, disse que estava jurado de morte e que vai retomar a vida pública.
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Qual a primeira coisa que o senhor fez ao deixar a prisão?
O sofrimento dos meus pais foi muito grande. Na primeira visita da minha mamãe, ela disse uma coisa que me marcou profundamente: “Meu filho, eu preferia você morto do que aqui”. Naquele momento eu só queria abraçar a minha família.
O senhor diria que hoje é a mesma pessoa de três anos atrás?
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Não tem como sair igual. Você entra num caldeirão e só tem duas formas de sair dali. Ou sai melhor, como uma pessoa bem temperada, mais humilde, menos prepotente e dando mais importância à vida, ou você sai destruído. É o caldeirão do inferno. Se tem um dos grandes crimes contra a sociedade, é o que é feito com o preso neste país. E estou falando de um dos melhores estabelecimentos prisionais, onde tive a oportunidade de ficar. O Judiciário e o Estado cometem um violento crime, porque o aparato é bilionário para prender e condenar. Mas quem se preocupa com o depois? Passei seis meses em que pensei que iria enlouquecer. Quando entrei no presídio, começou uma bateção. Eu só desejava a morte. Bateram aquele portão. Havia 17 presos esperando, em 15 m². Escutei uma voz, não vi de onde, que disse: “Não faça nada com ele porque é meu amigo”. Encontrei um eleitor meu ali que comandava a cela.
Chamou atenção dos policiais da Deic, na época da prisão, a calma que o senhor manteve. O senhor pensou, ao ser preso, que não ficaria detido por muito tempo?
Não era calma. Estou no meu cabeleireiro, me algemam e não dizem o porquê. Quando eles me tiram (do camburão), aqueles microfones todos, aquelas câmeras todas, e dizem: “Esse cara é um pedófilo, acusado de três estupros”. Acabou a minha vida. Naquele momento não é que eu estivesse calmo, eu estava sem reação. É uma acusação que nenhum homem com saúde mental perfeita suporta. Eu só esperava que no meu meio político alguém levantasse a voz. Eu sabia que não fiz e eles sabiam que eu não tinha feito. Era o que me martirizava. Me prendam por qualquer coisa. Se acharem que alguém que tem relação extraconjugal é criminoso, então me deixem preso. Isso eu assumiria. Mas por aquilo, eu não merecia. Foi um horror para minha família. Mas o Estado posa hoje de mocinho.
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O senhor teve alguma regalia?
Nos primeiros 17 dias na cela do lixo (cela do seguro), onde me enfiaram, não tinha colchão. Fiquei um ano nesse lugar. Quando me tiraram foi pelo meu comportamento. Fui para a cozinha, para trabalhar. Eu cozinhava para 160 presos, levantava às 5h30min, ficava até 22h, e no tempo que me sobrava eu ajudava a construir a horta, humanizar o estabelecimento. O Caldeira (Marcos Caldeira, diretor da Unidade Prisional Avançada de Itapema) foi rígido comigo, porque tinha que mostrar para os outros. Isso acabou me protegendo por mostrar que eu não tinha regalia nem privilégio.
O senhor teve relação com a adolescente que o acusou?
A prova nos laudos confirma que eu não tinha relacionamento com eles, com a família. Não tinha nada. Eu não conhecia, não sabia quem estava me denunciando. Nesse caso havia um agravante. Eu sofri ameaças por telefone (antes da denúncia). E a polícia não se interessou por isso.
Numa das interceptações telefônicas da Deic, o senhor ouve uma pessoa que estaria acertando encontros. Ele diz que uma das meninas em que o senhor estaria interessado era “pequenininha, não dá pra andar. É estouro pra dentro de motel”. O senhor confirma encontros com adolescentes?
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Eu jamais teria esse tipo de conversa. Tinha um amigo, recorri a ele para resolver um problema que não tinha nada a ver com aliciamento, e essa pessoa ficou presa inocentemente. Não lembro dessa conversa, que tanto está comprometida como é ilegal.Um homem, para praticar um estupro violento, tem que ter uma deficiência muito grave e sentir prazer na violência. Só isso já colocaria em dúvida (a prisão). Se não bastasse, nós tínhamos laudos, e foi o Estado quem fez os laudos comprovando a virgindade da moça. Mandamos periciar o laudo porque o Estado não queria aceitar como verdadeiro. E depois ela dá nome de testemunhas, a avó dela pede pra ir ao fórum de Trombudo Central para dizer que a neta estava mentindo. Conseguimos buscar as provas de que as gravações também eram montadas.
O senhor saiu com adolescentes?
Pessoas com quem me envolvi tinham a vida resolvida. Conheci pessoas através de amigas, mas nenhuma era inocente, induzida ou seduzida.
Na época de sua prisão o delegado responsável, Renato Hendges (falecido), falou que a prisão preventiva foi pedida porque o senhor teria tentado interferir no curso do processo, coagindo vítimas e testemunhas. Isso é verdade?
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Primeiro que não é da minha natureza. Segundo que eu não precisava. Terceiro, eu não pratiquei isso. Uma pessoa com a estrutura que eu tinha, se tivesse praticado isso, dinheiro não resolveria certas coisas? Será que tantas pessoas iriam me acusar? Se eu tivesse que ameaçar, seria de forma inteligente. Não ameacei e não falei.
Sua soltura teve embasamento técnico e perante a opinião pública o senhor pode permanecer como culpado. Isso o incomoda?
Como eu não era culpado, meu coração estava sereno. Foi o que me segurou na prisão. Esse filme termina sem um mocinho, sem um bandido. Todos perderam. Vai servir para o futuro. Fui protegido, mas não pelo meu Estado. Minha morte estava encomendada, se não, não deixariam um réu primário preso. Mas seria um crime eu falar. Eu sei e quem fez sabe.
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O senhor recebeu visitas de políticos na prisão?
Não, e nem queria também. Foi uma das coisas mais difíceis para eu compreender. Para mim as duas coisas tiveram o mesmo peso, a prisão e ninguém levantar a voz para me defender. A denúncia me tirava a voz, os amigos, qualquer influência de poder que pudesse facilitar a minha vida. Quem fez isso tinha planejamento.
Quem foi?
Isso é outra história. Eu vivi o melhor momento político de um catarinense. Eu era o político com mais condições de ajudar SC. Essas pessoas sabiam que tinham ficado na contramão. Não vou mais longe, mas no livro contarei um pouco mais. Estou escrevendo um livro mais pedagógico. Não quero me postar de inocente, de santinho. Sou um pecador, um homem com defeitos e qualidades, mas jamais um criminoso. Quero falar também de um Estado que parou de construir hospital para construir fórum, faculdade para construir cadeia, e que, ao invés de professores, contrata mais mil soldados. Um aparato desse para resolver o problema do crime? Mentira! Os quartéis do crime organizado quem fornece é o Estado, nas penitenciárias.
O senhor voltará à vida pública?
Não vou voltar, eu estou na vida pública. Minha vida é essa. Não estou filiado ao partido. Me expulsaram como a um cachorro. Não posso dizer que estou feliz, mas tenho a oportunidade de mudar meus conceitos. Sou vítima da ignorância. Quanta coisa eu faria diferente! Eu tive a oportunidade de viver o poder nas esferas municipal, estadual e federal. Conheço bem esse vírus. Agora posso voltar com outro posicionamento. Eu era um fruto do meio. Agora vejo as coisas de forma diferente.
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