*Por Carl Zimmer
Na semana passada, cientistas relataram que um bizarro micróbio com tentáculos encontrado no fundo do Oceano Pacífico pode ajudar a explicar as origens da vida complexa neste planeta e solucionar um dos maiores mistérios da biologia.
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Dois bilhões de anos atrás, células simples deram origem a células muito mais complexas e, há décadas, os biólogos vêm se esforçando para entender como isso aconteceu. Os cientistas já sabem há muito tempo que deve ter havido antecessores ao longo do caminho evolutivo, mas, a julgar pelo registro fóssil, as células complexas simplesmente apareceram do nada.
A nova espécie, que recebeu o nome de Prometheoarchaeum, é uma forma transitória e ajuda a explicar as origens de todos os animais, plantas, fungos – e, é claro, humanos. A pesquisa foi relatada na revista "Nature".
"É realmente muito legal – isso terá um grande impacto na ciência", disse Christa Schleper, microbiologista da Universidade de Viena que não participou do novo estudo.
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Nossas células estão repletas de compartimentos. Elas armazenam DNA no núcleo, geram combustível em compartimentos chamados mitocôndrias e destroem proteínas antigas com minúsculas ferramentas de limpeza doméstica chamadas lisossomos, para dar alguns exemplos.
Nossas células também constroem um esqueleto de filamentos como se fossem blocos de Lego. Ao estender alguns filamentos e separar outros, as células podem mudar de forma e até se mover sobre superfícies.
As espécies que compartilham essas células complexas são conhecidas como eucariontes, e todas descendem de um ancestral comum que viveu cerca de dois bilhões de anos atrás. Antes disso, só havia bactérias e um grupo de organismos pequenos e simples chamado arquea. Bactérias e arqueas não possuem núcleos, lisossomos, mitocôndrias ou citoesqueletos.
Os biólogos evolucionistas há muito tentam entender como os eucariontes podem ter evoluído a partir de precursores tão simples. No fim da primeira década do século XX, os pesquisadores descobriram que as mitocôndrias, em algum momento no passado, eram bactérias de vida livre e, de alguma forma, foram atraídas para dentro de outra célula, fornecendo novo combustível para seu hospedeiro.
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Em 2015, Thijs Ettema, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e alguns colegas descobriram fragmentos de DNA em sedimentos retirados do Oceano Ártico. Os fragmentos continham genes de uma espécie de arquea que parecia estar intimamente relacionada aos eucariontes.
Ettema e seus colegas deram a eles o nome de Asgard archaea, em referência ao lar dos deuses nórdicos. O DNA desses micróbios misteriosos foi encontrado em um rio na Carolina do Norte, em fontes termais na Nova Zelândia e em outros lugares do mundo.
O Asgard archaea utiliza um número de genes que antes só havia sido encontrado em eucariontes. É possível que esses micróbios tenham usado esses genes para as mesmas finalidades – ou para outra coisa. "Até que se tenha um organismo, não se pode ter certeza", disse Schleper.
Masaru K. Nobu, microbiologista do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada de Tsukuba, Japão, e seus colegas conseguiram cultivar esses organismos em laboratório. O esforço levou mais de uma década.
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Os micróbios, adaptados à vida no fundo do mar gelado, têm uma existência em câmera lenta. O Prometheoarchaeum, por exemplo, pode levar até 25 dias para se dividir, enquanto o E. coli se divide uma vez a cada 20 minutos.
O projeto teve início em 2006, quando os pesquisadores coletaram sedimentos do fundo do Oceano Pacífico. Inicialmente, eles esperavam isolar micróbios que consomem metano e que podem ser usados para limpar o esgoto.
No laboratório, os pesquisadores reproduziram as condições encontradas no fundo do mar, colocando o sedimento em uma câmara sem oxigênio. Eles bombearam metano e extraíram gases residuais mortais que poderiam matar os micróbios residentes.
A lama continha diversos tipos de micróbios. Porém, em 2015, os pesquisadores haviam isolado uma nova e intrigante espécie de arquea. E, quando Ettema e seus colegas anunciaram a descoberta do DNA do Asgard archaea, os pesquisadores japoneses ficaram chocados. Seu novo micróbio vivo pertencia a esse grupo.
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Os pesquisadores realizaram mais estudos minuciosos para entender as novas espécies e vinculá-las à evolução dos eucariontes. Os pesquisadores batizaram o micróbio de Prometheoarchaeum syntrophicum, em homenagem a Prometeu, o deus grego que deu fogo aos humanos – depois de formá-los a partir do barro.

"Os 12 anos de microbiologia necessários para chegar ao ponto em que você consegue vê-lo em um microscópio são incríveis", disse James McInerney, biólogo evolucionário da Universidade de Nottingham, que não participou da pesquisa.
Sob o microscópio, o Prometheoarchaeum provou ser um animal estranho. O micróbio surge como uma esfera minúscula, mas ao longo de meses desenvolve longos tentáculos ramificados e libera uma pequena frota de bolhas cobertas por membranas.
O micróbio se mostrou ainda mais estranho quando os pesquisadores examinaram o interior da célula. Schleper e outros pesquisadores achavam que o Asgard archaea usasse suas proteínas semelhantes aos eucariontes para construir estruturas semelhantes aos eucariontes dentro de suas células. Mas não foi isso que a equipe japonesa encontrou. "Dentro, não há estrutura, apenas DNA e proteínas", disse Nobu.
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Essa descoberta sugere que as proteínas que os eucariontes usavam para construir células complexas começaram realizando outras tarefas e só mais tarde receberam novas funções. Nobu e seus colegas agora estão tentando desvendar quais eram essas funções originais. Para ele, é possível que o Prometheoarchaeum crie seus tentáculos com genes usados posteriormente pelos eucariontes para construir seus citoesqueletos.
Schleper queria ver mais evidências que comprovassem essa ideia. "Outras arqueas têm ótimos tentáculos, porém não usam proteínas tão semelhantes às nossas", observou a cientista. Antes da descoberta do Prometheoarchaeum, alguns pesquisadores suspeitavam que os ancestrais dos eucariontes viviam como predadores, devorando micróbios menores. Eles podem ter engolido as primeiras mitocôndrias dessa forma.
Mas o Prometheoarchaeum não se encaixa nessa descrição. A equipe de Nobu encontrou, com frequência, o micróbio preso nos lados de bactérias ou outras arqueas. Em vez de caçar presas, aparentemente o Prometheoarchaeum sobrevive absorvendo fragmentos de proteínas que estão flutuando. Seus parceiros se alimentam dos resíduos dele e eles, por sua vez, fornecem ao Prometheoarchaeum vitaminas e outros compostos essenciais.
Nobu especulou que uma espécie de Asgard archaea no fundo do mar arrastou bactérias para uma teia de tentáculos, atraindo-as para uma associação ainda mais íntima. Por fim, engoliu as bactérias, e estas, em seguida, evoluíram para mitocôndrias, fornecendo combustível para todas as células complexas.
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McInerney estava cético a respeito do fato de o Prometheoarchaeum poder esclarecer como nossos ancestrais capturaram mitocôndrias há dois bilhões de anos. "Esse é um organismo vivo hoje, em 2020", disse ele.
Enquanto a equipe de Nobu continua estudando o Prometheoarchaeum, ela continua caçando seus parentes na lama do fundo do mar. Esses micróbios podem se mostrar ainda mais próximos de nossos próprios ancestrais – e podem oferecer pistas ainda mais inesperadas. "Esperamos que isso nos ajude a nos entendermos melhor", concluiu Nobu.
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