Portugal, por muito tempo considerado o aluno modelo da zona do euro, sempre disposto a aplicar o rigor orçamentário exigido por Bruxelas, sofreu uma guinada à esquerda que tem preocupado seus credores internacionais.
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Segundo o próprio primeiro-ministro socialista, Antonio Costa, as negociações com a Comissão Europeia sobre o orçamento de 2016 são “difíceis e desafiadoras”. Mas ele se recusa a desistir das promessas de campanha ou contrariar os seus aliados da esquerda radical.
“Vamos conseguir reduzir o déficit sem sacrificar os nossos compromissos com os portugueses e os nossos parceiros políticos”, assegurou na quarta-feira ao citar um “esforço extra” exigido por Bruxelas.
O secretário-geral do Partido Comunista, Jerônimo de Sousa, tinha ameaçado um dia antes acabar com a união da esquerda, se o governo “ceder às exigências” da troika de credores (UE-FMI-BCE).
Um ano e meio após a saída de Portugal do seu plano de resgate internacional de 78 bilhões de euros, a chegada ao poder em novembro de um governo socialista apoiado pelo Partido Comunista e d Bloco de Esquerda, próximo ao grego Syriza da Grécia, despertou preocupações.
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Dois meses depois, os medos persistem. Portugal é visto novamente como a “criança problema” da Europa, porque a mudança de liderança política “ameaça aumentar a dívida e reduzir a competitividade” do país, advertiram na quarta-feira os analistas do Commerzbank.
Investidores temerosos
Sinal da desconfiança dos investidores, a taxa de empréstimo a dez anos de Portugal ultrapassou ma quinta-feira a marca de 3%, contra 2,3% antes das eleições parlamentares de 4 de outubro.
Aumentos salariais e retorno das 35 horas para os servidores públicos, atualização das aposentadorias, trava na privatização dos transportes: a lista de medidas para acabar com a política de austeridade conduzida por quatro anos pela direita é longa.
“Esta mudança permanente na política desacredita Portugal e complica as decisões de investimento”, estima Pedro Lino, analista da corretora Dif Broker.
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Reconduzido ao cargo após as eleições legislativas, o precedente governo de centro-direita de Pedro Passos Coelho havia sido deposto no Parlamento por uma aliança sem precedentes da esquerda.
O governo socialista que tomou o seu lugar prometeu afrouxar a austeridade, ao mesmo tempo que reduzir o déficit abaixo de 2,6% do PIB em 2016.
Este novo objetivo, registado na quinta-feira no esboço do orçamento adotado pelo Conselho de Ministros, tem em conta as exigências de Bruxelas, que considerou insuficiente uma proposta anterior (2,8%).
O desequilíbrio das finanças públicas piorou drasticamente em dezembro, devido ao resgate urgente do banco Banif, a um custo de 2,3 bilhões de euros, o que deveria conduzir o déficit de 2015 a 4,2%.
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‘Exemplo da Argentina’
Outro contratempo no setor financeiro, o Banco de Portugal transferiu cerca de dois bilhões de euros de dívida do banco Novo Banco, de posse de grandes investidores, para seu predecessor em falência, o Banco Espírito Santo.
Fortemente penalizado, o fundo de investimento Pimco não hesitou em comparar Portugal com a “Venezuela e Argentina”, por causa das “medidas populistas” que levaram ao “confisco de bens”.
Logo depois, Portugal provocou novamente a ira dos investidores estrangeiros, anulando a privatização da gestão dos transportes públicos em Lisboa e Porto, já concedida aos grupos espanhóis Avanza e Alsa e ao francês Transdev.
O governo português também pretende recuperar a maioria do capital da companhia aérea TAP, 61% dos quais foram vendidos pela direita ao empresário americano-brasileiro David Neeleman.
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Para o professor economia João Cesar das Neves, “essas decisões começam a ameaçar a credibilidade de Portugal aos olhos dos investidores nacionais e internacionais”.
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