O suposto esquema de corrupção com a coleta de lixo em Florianópolis, que causou a exoneração de dois secretários municipais da prefeitura e dois servidores comissionados da Câmara na quinta-feira (18), teria tido saques em dinheiro vivo, movimentações milionárias que não correspondiam à renda dos investigados e depósitos divididos em pequenas quantias para evitar suspeitas de autoridades.
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O modus operandi do esquema foi desvendado pela Polícia Civil e é descrito no despacho judicial que autorizou o cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão no caso. O NSC Total teve acesso à integra do documento na tarde desta sexta (19), um dia após ser deflagrada a Operação Presságio.
Ex-secretário fez movimentação milionária
A suspeita inicial sobre o esquema partiu, segundo a investigação policial, de uma denúncia sobre suposto crime ambiental: na ocasião, em 26 de janeiro de 2021, as autoridades encontraram caminhões da empresa Amazon Fort, que havia firmado contrato emergencial com a prefeitura para coleta de lixo, despejando resíduos sólidos em um terreno municipal no fundo da Passarela Nego Quirido, no Centro.
Do local, o lixo doméstico era recolocado em caminhões maiores, que levavam os resíduos para um aterro sanitário em Biguaçu. Esse transbordo havia sido autorizado pelo então diretor-presidente da Comcap, Lucas Barros Arruda, que ocupava cargo comissionado na ocasião e foi também secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da gestão Topázio Neto (PSD). O despejo provisório pôde contar com dispensa de licenciamento ambiental, amparada por um decreto municipal de emergência.
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Chamou a atenção da investigação o fato de a Amazon Fort ter contado com outros esforços de Arruda para reduzir os custos da empresa. Ele teria contratado, na mesma época e em caráter emergencial, com dispensa de licitação, uma outra empresa para disponibilizar um novo pátio para servir como ponto de transbordo aos resíduos coletados pela Amazon Fort, para que atendesse a região Norte da Ilha.
Além disso, Arruda teria chegado a autorizar caminhões da prefeitura a despejarem lixo no pátio de transbordo, de onde a Amazon Fort levaria o material ao destino final. A iniciativa reduziu os custos da empresa terceirizada e ainda aumentou os lucros dela, já que era paga pela quantidade de lixo recolhido.
Os policiais identificaram que, a essa mesma altura, Arruda registrou movimentação bancária de R$ 2,7 milhões, embora contasse com remuneração mensal de R$ 10 mil. Ainda chamou a atenção o fato de o contrato da Amazon Fort, inicialmente vinculado à Comcap, onde Lucas estava lotado, ser repassado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente na ocasião em que o servidor também se mudou para a pasta.
Empresa se beneficiou de contratos emergenciais e sem licitação
O contrato inicial com a Amazon Fort havia sido assinado em 19 de janeiro de 2021 para, supostamente, suprir as atribuições da Comcap durante uma greve à época. O movimento dos trabalhadores só teve início, no entanto, no dia seguinte à assinatura. Além disso, desde dezembro do ano anterior, a empresa de coleta de resíduos já anunciava vagas nas redes sociais para trabalho em Florianópolis.
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O acordo com a Amazon Fort ainda contou posteriormente com três aditivos, ou seja, três acréscimos ao contrato original, para estender os serviços ainda emergencialmente e com dispensa de licitação. Todas essas renovações foram assinadas pelo então secretário do Meio Ambiente em Florianópolis, Fábio Braga (PSD), que tinha Lucas Arruda como braço-direito e deixou a pasta apenas nesta última quinta.
A conduta de Fábio, segundo a investigação policial, visava, aparentemente, forçar novas contratações emergenciais e, assim, beneficiar a Amazon Fort. A empresa prestou serviços em Florianópolis por dois anos, em tempo considerado hábil para uma contratação que cumprisse um processo de licitação.
Levantou também suspeita o fato de Fábio Braga ter se reunido com Lucas Arruda e dois dos nomes à frente da Amazon Fort, Carlos Gilberto Xavier e o filho, Iuri Daniel Faria, pouco antes de assinar o segundo termo aditivo. No dia anterior, a dupla de empresários havia sido recebida na Passarela Nego Quirido pelo então secretário de Turismo, Cultura e Esportes, Ed Pereira (União Brasil), também agora exonerado.
Propina com saques em dinheiro vivo e repasses insuspeitos
A investigação policial aponta que o encontro de Ed Pereira com os administradores da Amazon Fort teria ocorrido para acertar a ajuda do secretário aos interesses da empresa em troca de vantagens ilícitas.
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A Polícia Civil identificou que, dez dias após a assinatura do primeiro aditivo da Amazon Fort com a prefeitura de Florianópolis, um dos nomes da empresa, Carlos Gilberto Xavier, depositou R$ 49.990,00 para Gilliard Osmar dos Santos, um então servidor da Câmara Municipal que é apontado pelos investigadores como um braço-direito do ex-secretário Ed Pereira, o suposto real beneficiado pelo dinheiro.
A quantia sem arredondamento não é obra do acaso, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão responsável por fiscalizar movimentações suspeitas, relatou à Polícia Civil: instituições financeiras precisam, obrigatoriamente, reportar ao Coaf depósitos acima de R$ 50 mil.
A quebra do sigilo bancário dos investigados ainda apontou que um advogado ligado à Amazon Fort, Andrey Cavalcante de Carvalho, e um dos administradores da empresa, Iuri Daniel Faria, teriam sacado R$ 500 mil somados em dinheiro vivo, em quatro ocasiões diferentes ao final de 2020, de uma agência bancária em Florianópolis, apesar de o grupo estar sediado em Porto Velho, capital de Rondônia.
“Essa prática é uma tipologia comum em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, uma vez que são feitos depósitos em contas de empresas/empresários que supostamente prestam serviços e, posteriormente esses valores são lançados como despesas do tipo ‘serviços jurídicos’, na demonstração de resultado de exercício/balanço patrimonial da empresa Amazon Fort, no caso aqui analisado”, descreve a investigação sobre a movimentação com dinheiro vivo.
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Esposa de ex-secretário teria recebido 55 depósitos
Além de Gilliard Osmar dos Santos, que depois foi gerente de fiscalização de obra da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) em Florianópolis, os investigadores acreditam que a esposa de Ed Pereira, Samantha Santos Brose, também teria recebido valores em nome do marido. Na altura em que foi alvo de busca e apreensão, ela era servidora comissionada da Câmara de Florianópolis.
O próprio Gilliard repassou para ela R$ 2,7 mil divididos em oito transferências. Samantha ainda recebeu 55 depósitos em espécie, todos eles com valores baixos, o que desobriga a identificação de quem deposita, que totalizaram R$ 90 mil. Alguns deles foram feitos no mesmo dia dos saques em dinheiro vivo pelos representantes da Amazon Fort. No período da quebra de sigilo, a esposa do ex-secretário movimentou cerca de R$ 324 mil, embora tivesse renda de um saláro mínimo, segundo a investigação.
Já o ex-secretário Ed Pereira, com renda de R$ 13 mil à época, movimentou R$ 870 mil diluídos em 68 depósitos em dinheiro, a grande maioria com baixas quantias e sem identificação de depositante. No período investigado, ele teria recebido, inclusive, um Pix de R$ 6,6 mil de um conhecido doleiro que serve a organizações criminosas no Brasil e no exterior, preso pela Polícia Federal no ano passado.
ONG criada por ex-secretário serviria de fachada
A quebra do sigilo dos investigados também levantou suspeitas da Polícia Civil de que o Instituto Bem Possível, uma organização não-governamental (ONG) criada por Ed Pereira, serviria de fachada para repassar valores ilegais para ele. Para supostamente encobrir seu afastamento da entidade ao se tornar secretário municipal, ele teria indicado Gustavo Evandro Ribeiro Albino para liderá-la.
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Gustavo também foi alvo de busca e apreensão na Operação Presságio, na altura em que era servidor comissionado na Câmara Municipal. Ele teria assinado uma procuração que repassou a Gilliard Osmar dos Santos plenos poderes para transacionar em nome do Instituto Bem Possível.
De 2021 ao ano passado, a ONG recebeu R$ 214 mil da Fundação Municipal de Esportes (FME). Um dos termos para isso foi firmado, inclusive, pelo próprio então secretário Ed Pereira. O Instituto Bem Possível depositou, por sua vez, R$ 14,7 mil para a esposa do idealizador da entidade, Samantha Brose.
Ela também recebeu transferências de René Raul Justino, diretor de projetos da Fundação Franklin Cascaes, submetida à pasta municipal chefiada por Ed Pereira. A linha de investigação que tange a ONG ainda mira Bernardo Fernandes Santos, o atual presidente da entidade. Os dois últimos citados também fora alvos de busca e apreensão da Operação Presságio.
O que dizem os investigados pela Operação Presságio
A Amazon Fort, empresa conduzida pelos investigados Carlos Gilberto Xavier e Iuri Daniel Faria, comunicou, em nota, ter prestado um serviço com extremo grau de excelência e transparência em Florianópolis. Afirmou ainda que irá colaborar para a elucidação dos fatos. “Não há qualquer crime a ser apurado, o que será devidamente esclarecido no momento oportuno”, escreveu, ao NSC Total.
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Andrey Cavalcante de Carvalho afirmou, à reportagem, atuar efetivamente como advogado da Amazon Fort e ter recebido com surpresa os fatos relatados no processo. Disse ter plena confiança na própria lisura e declarou que atuará firmememente em defesa de sua honra.
“Vejo um terrível equívoco que pune a atividade advocatícia, criminaliza o profissional, e viola as mais comezinhas prerrogativas outorgadas à minha classe. Contudo, confio no Estado de Direito e no Poder Judiciário”, escreveu o advogado, em nota.
O ex-secretário Ed Pereira afirmou, em vídeo divulgado pelas redes sociais no dia em que foi alvo de busca e apreensão, não ter medo da investigação nem ter nada a esconder. Ele acrescentou ter cooperado com a operação da Polícia Civil e estar confiante de que a Justiça será feita.
— Quero acreditar que é pura coincidência que, em 2024, ano de eleição, essa investigação avance, e que meu nome acabe envolvido no processo. Inclusive, um dos agentes que participou da operação lá em casa parecia bem interessado no meu futuro político, ao ponto de afirmar que eu era candidato a vice-prefeito — disse Ed, em alusão ao rumor de que ele fará chapa com o prefeito Topázio Neto neste ano.
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A defesa de Ed Pereira e a esposa dele, Samantha Santos, afirmou que ambos possuem fontes lícitas de renda, que serão “devidamente comprovadas nos autos, em momento oportuno”.
“A busca e apreensão, com a colheita das provas, ainda não foi finalizada. Muitos documentos que foram apreendidos, e outros que serão oportunamente trazidos, servirão para esclarecer os fatos, e comprovarão a inocência dos nossos clientes. Estamos confiantes que se fará Justiça, ante as infundadas acusações”, pontua o advogado Guilherme Fernandes Cirimbelli.
A defesa do ex-secretário Fábio Braga comunicou, em nota, que não há que se falar em qualquer participação dele em atividades suspeitas ou espúrias.
Afirmou que ele passou a gerir o contrato da Amazon Fort na qual pasta que chefiava em razão de uma reforma administrativa da Câmara e que, por diversas, instou a gestão municipal a realizar processo de licitação para o serviço de coleta, o que foi feito em duas ocasiões. Um primeiro processo, de julho de 2021, teria sido suspenso em razão de acordo de greve. O segundo, do mesmo ano, foi judicializado.
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“Insta lembrar, igualmente, que todas as contratações foram autorizadas pelo comitê gestor da prefeitura municipal, composto por cinco secretários, do qual meu cliente não tem assento. Ainda, importante mencionar que toda a fiscalização do contrato, que era pago por tonelada de resíduos recolhidos, sempre foi fiscalizado por funcionários de carreira da Comcap, bem como são aferidos por balanças certificadas pelo Imetro. Não bastasse, os técnicos do Tribunal de Contas e o próprio Ministério Público de Contas, consideraram os contratos regulares”, escreveu, ao NSC Total.
A defesa de Gustavo Evandro Silveira Albino afirmou, em contato anterior com o NSC Total, que ele deverá ser ouvido pela Polícia Civil, com a qual está disposto a colaborar o máximo possível. Disse ainda que o agora ex-servidor comissionado não tem participação alguma no esquema pelo qual é investigado.
A defesa de René Raul Justino afirmou ter recebido a investigação com tranquilidade, por entender que ele é citado no processo apenas por ser funcionário vinculado à secretaria chefiada por um dos principais investigados (Ed Pereira) e não ter envolvimento com qualquer ato ilícito. Acrescentou que, na altura dos fatos investigados, atuava na Câmara e que, a fim de aguardar o esclarecimento dos fatos, entregou por conta própria um pedido de exoneração do cargo que ocupava na prefeitura de Florianópolis.
O ex-secretário Lucas Barros Arruda, o ex-servidor comissionado Gilliard Osmar dos Santos e a defesa de Bernardo Fernandes Santos não responderam às tentativas de contato da NSC.
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