Para o Cemitério Municipal de Joinville, João José Perini morreu em 15 de agosto de 2002. Para o Estado, ele permaneceu vivo e recebendo pensão até agosto de 2012, quando o cadastro dele no Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina (Iprev) não foi mais renovado.
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Há três semanas, o Iprev apura um esquema de fraude na pensão de João José que causou aos cofres públicos um rombo de pelo menos R$ 441 mil. Por meio de uma denúncia, o instituto descobriu que o salário do pensionista de Joinville, de valor inicial aproximado de R$ 3 mil, foi sacado ao longo de uma década, mesmo após a morte dele. Isso porque alguém conseguiu se passar por João José neste tempo todo, assinando o recadastramento anualmente na agência do Iprev de Joinville. Segundo o instituto, nos últimos meses, o valor da pensão chegou a R$ 7 mil mensais.
Quem for responsabilizado pela fraude terá de quitar uma dívida com o Estado que, em valores atualizados, chega a R$ 1 milhão, segundo projeção do Iprev, que ainda está calculando o prejuízo total. Sem contar uma eventual responsabilidade criminal, que ficará a cargo das investigações da Polícia Civil.
João José passou a ser pensionista após a morte da mulher dele, a servidora pública estadual Ruth Irene Schmidt Perini, em setembro de 1996. Segundo o presidente do Iprev, Adriano Zanotto, o cônjuge é o último familiar a ter direito ao benefício – exceto se o beneficiário tiver um filho inválido. Portanto, neste caso, o pagamento da pensão deveria ser encerrado em agosto de 2002. Como a morte não foi comunicada, o dinheiro continuou a ser depositado na conta de João José. O saque era feito mensalmente por meio de um cartão do pensionista no antigo Besc, hoje Banco do Brasil.
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A investigação interna do Iprev, que começou em 29 de outubro, constatou que os documentos de atualização anual do cadastro estão assinados no nome de João José, mas as rubricas não são iguais à que aparece na carteira de identidade. Essa diferença foi percebida agora, quando a fraude veio à tona. Zanotto, que é advogado, disse não ter conhecimento de uma fraude semelhante. E confessa que ficou surpreso com o longo período de tempo que a irregularidade durou.
– Mas nenhum crime é perfeito. Alguém, durante esse período, sabendo do falecimento dele e da ausência de comunicação, recebeu indevidamente os valores. Agora, nós vamos cobrar – destacou o presidente.
O Iprev também descobriu que a certidão de casamento de João José e Ruth foi apresentada em todos os recadastramentos dos dez anos que durou a fraude para comprovar que o pensionista não havia constituído nova família. Se ele tivesse casado novamente, perderia o direito de receber a pensão.
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O levantamento feito pelo instituto foi encaminhado ao delegado regional da Polícia Civil de Joinville, Dirceu Silveira Júnior. Uma sindicância interna também foi aberta para apurar se houve participação de algum servidor no esquema.
Óbito registrado dez anos depois
Em 2012, mesmo ano em que o cadastro de pensão não foi mais renovado, um pedido de óbito tardio de João José foi protocolado na 2ª Vara da Fazenda por Rita de Cássia Perini, uma das filhas dele. O pedido foi analisado e deferido no dia 4 de outubro de 2013 pelo juiz Roberto Lepper. A filha precisou procurar o Poder Judiciário para fazer o pedido de óbito tardio do pai porque a certidão normal só pode ser registrada em cartório até três meses após a morte. Passado o prazo, deve-se fazer este procedimento judicial.
Conforme o registro de óbito após prazo legal, João José Perini morreu aos 72 anos, no Hospital Municipal São José, e foi sepultado no Cemitério Municipal de Joinville. De acordo com o processo, ele deixou bens a inventariar e duas filhas: Rita de Cassia Perini e Liliane Perini Born.
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O processo esclarece ainda os motivos pelos quais a filha fez o pedido de óbito tardio. Em uma petição, Rita informa que no dia da morte do pai, o cunhado dela, Walter Born, ficou responsável pela certidão de óbito, enquanto ela cuidava de burocracias no hospital e no cemitério. Em outubro de 2011, quando Walter morreu, o cemitério teria solicitado a certidão de óbito de João José para que o cunhado pudesse ser enterrado no jazigo da família. Foi naquele momento que Rita diz ter descoberto que o documento não havia sido registrado em cartório por Walter.
– À requerente, que é filha do sr. João José Perini, em outubro de 2011, quando foi resolver a questão do funeral de seu cunhado, o sr. Walter Born, ao Cemitério Municipal de Joinville, para enterrá-lo no jazigo da família, foi solicitado pelo referido cemitério a certidão de óbito do sr. João José Perini, momento que foi constatado que a mesma não existe – relata o processo.
Iprev quer o dinheiro de volta
O presidente do Iprev, Adriano Zanotto, pretende, com o apoio da polícia, identificar a autoria da fraude e recuperar o dinheiro do instituto. Zanotto também solicitou uma cópia do processo onde está o registro de óbito tardio do pensionista para análise.
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– Precisamos pegar o dinheiro de volta e evitar nova fraude desse tipo – destacou.
A implementação de um sistema totalmente informatizado já estava em fase de licitação antes da descoberta da fraude. De acordo com Zanotto, o novo sistema prevê mudanças no modo de recadastramento de beneficiários e pensionistas que, possivelmente, não será mais por meio de assinatura e sim por biometria (captação de imagem da impressão digital).
Segundo Zanotto, atualmente, a maioria dos casos deste tipo só é descoberta por meio de denúncia.
Investigação da Polícia Civil
O levantamento feito pelo Iprev chegou às mãos do delegado regional da Polícia Civil, Dirceu Silveira Júnior, na tarde desta segunda-feira. O delegado vai repassar o caso à 3ª Delegacia de Polícia, que atende à região Norte de Joinville.
Segundo Dirceu, a 3ª DP verificará a existência de violação ao código penal. Se for constatado algum tipo de crime, será aberto um inquérito para apurar as responsabilidades. Numa avaliação inicial do caso, Dirceu afirma que pode haver crime de falsidade ideológica e fraude.
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Segundo Dirceu, um boletim de ocorrência relacionado ao caso também foi aberto na 2ª Delegacia de Polícia, no bairro Fátima, por um terceiro que se diz parente de pessoas que supostamente estariam envolvidas no caso.
O vídeo gravado pelo denunciante também foi entregue na 2ª Delegacia Polícia (DP). A partir de agora, todo o material do caso será encaminhado à 3ª DP.
‘Se teve recadastramento, foi falha de quem fez’, diz uma das filhas de João José Perini