Com os termômetros superando os 35ºC em Porto Alegre, a ideia de passar uma tarde em um teatro acarpetado sem ar-condicionado parece o programa menos interessante do mundo. Mas foi justamente isso que fizeram mais de uma centena de pessoas nesta tarde – compareceram ao Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mário Quintana para acompanhar uma discussão sobre soberania digital e vigilância na era da internet, parte do evento Conexões Globais. O grande herói do evento (inclusive figurando em máscaras distribuídas aos participantes) foi o ex-consultor e inteligência da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) Edward Snowden.

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Demi Getschko (pioneiro da internet no Brasil, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), Sérgio Amadeu (sociólogo, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet), Antônio Martins (jornalista) e David Miranda (companheiro de Glenn Greenwald, repórter que revelou Snowden ao mundo, e coordenador de uma petição para trazer o ex-consultor ao Brasil) debateram espionagem e direitos humanos por pouco mais de uma hora.

Confira alguns dos questionamentos feitos durante a discussão para o time de debatedores:

O poder global ainda é aceitável por nós?

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– Por que Snowden, Assange e alguns coletivos muito diminutos abalaram estruturas gigantescas como o Estado americano? – questionou Sérgio Amadeu.

O sociólogo seguiu a tese, afirmando que as denúncias dos célebres whistleblowers tratavam não apenas da questão espionagem, mas da quebra de direitos humanos de cidadãos e Estados. Para Amadeo, a base da espionagem massiva são as grandes corporações que usam os dados de seus usuários (Google, Twitter e Facebook são apenas algumas) e, depois das questões levantadas por Snowden, a legislação que rege a espionagem a cidadãos está sendo formulada com mais transparência. Veja, por exemplo, o Cyber Intelligence Sharing and Protection Act (a Cispa), lei que legalizará a articulação entre empresas e o governo federal dos Estados Unidos para compartilhar informações com a finalidade de prevenir ou organizar a defesa diante de ataques cibernéticos.

O Facebook é um dos colaboradores voluntários, passando informações de seus usuários para o governo. Para o sociólogo, as iniciativas de denúncia são mostra de que não se aceita mais uma polícia do mundo, que o direito da população está acima das razões do Estado. A solução para não ser monitorado à exaustão por essas corporações e rejeitar um pouco da noção de poder global, diz Amadeu, é a criptografia:

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– Vamos dar prejuízo para a NSA, vamos usar criptografia.

O lado bom do capital

Do debate levantado pela questão da espionagem, pode advir tanto um sistema mais igualitário quanto uma vigilância mais profunda. Foi essa a provocação do jornalista e ativista Antônio Martins, que frisou que, mesmo em uma situação na qual se deixa de depender de intermediários (citou o Couchsurfing, site que permite a viajantes se hospedarem na casa de nativos, eliminando os hotéis), a luta de classes permaneceria presente.

Martins frisou a necessidade de projetos coletivos: sugerindo uma plataforma colaborativa para transmitir as partidas da Copa do Mundo e driblar as emissoras de televisão, foi imensamente aplaudido.

– Se nem políticos nem banqueiros nos representam, então a responsabilidade é nossa – disse (para mais aplausos).

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Uma nova vida para Snowden

Visivelmente nervoso e pouquíssimo falante, David Miranda voltou a falar da necessidade de se ter Snowden no centro do debate que despertou:

– Ele pode nos dar muitas informações sobre como driblar os mecanismos de espionagem – disse.

Miranda incentivou os jovens presentes (“o futuro da nação”, disse) a assinarem a petição organizada no site Avaaz para que o Brasil conceda asilo ao ex-consultor da NSA. Tão logo o abaixo-assinado ultrapasse 1 milhão de signatários, será entregue à presidente Dilma.

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Confira ao vivo os debates:

Veja a programação do Diálogos Globais

Onde: Casa de Cultura Mário Quintana (Rua dos Andradas, 736 – Centro)

Entrada franca

Informações: www.conexoesglobais.com.br

Programação

Sexta-feira

14h – Cultura de rede, colaborativa e digital

Webconferencista: Michel Bauwens (P2P Foundation)

Debatedores: Gustavo Anitelli (produtor da banda O Teatro Mágico), Pablo Capilé (Coletivo Fora do Eixo), Teivo Teivainen (Universidade de Helsinki), Eduardo Balán (Argentina), Luísa Helena Stern (G8-Generalizando)

16h – Soberania digital e vigilância na era da internet

Webconferencista: Demi Getschko (Diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR)

Debatedores: David Miranda, Sérgio Amadeu (Universidade Federal do ABC), Antônio Martins (Le Monde Diplomatique Brasil)

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18h – As jornadas de junho e o futuro da democracia no Brasil

Debatedores: Ivana Bentes (UFRJ), Bruno Torturra (Mídia Ninja), Tarso Genro, Gilberto Carvalho, Simão Pedro (Wi-Fi Livre – São Paulo)

Sábado

14h – Três anos de revoltas interconectadas – de Túnis ao Brasil

Debatedores: Laura Citlati Murillo (#Soy132), Ahmet M. Ogut (#OccupyGezi), Rodrigo Nunes (PUC-Rio), Yildiz Termurtukan (Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres)

16h – Tecnopolítica dos #protestosbr e um enfoque global

Webconferencista: Javier Toret (Democracia Real Ya)

Debatedores: Fábio Malini (Universidade Federal do Espírito Santo), Tiago Pimentel (Associação Actantes), Bernardo Gutiérrez (FuturaMedia.net), Raquel Recuero (UCPel)

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18h – Espaço público e sociedade em rede

Debatedores: Claudia Favaro (Comitê Popular da Copa), Tássia Furtado (Massa Crítica), Anderson Girotto (Defesa Pública da Alegria), Briza Brizolla (Movimento Autônomo Utopia e Luta)