Nos últimos oito meses, ao falar do programa de monitoramento telefônico e eletrônico responsável pela mais grave crise política e diplomática de seu governo, o presidente Barack Obama repete com variações o raciocínio que apresentou em um esperado discurso na sexta-feira, ao anunciar a reforma do sistema:
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– Em conjunto, estes esforços têm impedido múltiplos ataques e salvado vidas inocentes – não só aqui nos Estados Unidos, mas em todo o globo.
No que toca às ameaças domésticas, a afirmação de Obama acaba de receber um severo desmentido. Um relatório recém-lanaçdo pelo centro de estudos New America Foundation, de Washington, indica que, em 225 casos de indivíduos acusados de ataques terroristas nos EUA depois do 11 de Setembro, o manejo de registros telefônicos pela Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) não teve nenhum “impacto discernível” na prevenção de atos de terrorismo e apenas “o mais marginal dos impactos” no combate a atividades ligadas ao terror, como levantamento de fundos.
O estudo foi coordenado pelo jornalista e analista de terrorismo da rede CNN Peter Bergen, que ostenta em seu currículo uma das únicas entrevistas da imprensa ocidental com Osama bin Laden, da qual resultaram dois livros. Em conjunto com os especialistas David Sterman, Emily Schneider e Bailey Cahall, Bergen afirma no relatório de 32 páginas que as avaliações sobre a utilidade dos registros obtidos por meio de programas de vigilância da NSA são “superestimadas e até imprecisas”. O decisivo para desbaratar as ameaças analisadas, todas levadas a cabo por elementos ligados à rede Al-Qaeda ou grupos assemelhados, foram métodos tradicionais de investigação, como emprego de informantes, pistas fornecidas por comunidades locais e operações cirúrgicas de inteligência.
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Único sucesso envolveu taxista
Há um ponto no qual o governo Obama e o relatório coordenado por Bergen coincidem: o único caso em que as informações da NSA tiveram um papel relevante foi o da transferência de fundos feita por Basaaly Moalin, motorista de táxi em San Diego, para a Al-Shabaab, braço da Al-Qaeda na Somália. O caso de Moalin foi citado pelo diretor da NSA, general Keith Alexander, durante audiência no Senado como exemplo da utilidade dos programas de vigilância. A soma envolvida na operação, no entanto, era de US$ 8,5 mil (cerca de R$ 20 mil pelo câmbio de sexta-feira) – um valor que está longe de justificar o investimento político e material feito pelo governo no sistema -, e a transferência, ocorrida em 2007 e 2008, não estava relacionada a nenhum ataque específico em nenhum lugar do mundo.
O exame do caso do motorista de táxi mostra ainda que a falta de comunicação e coordenação entre as agências governamentais, que veio a público de forma dramática depois do 11 de Setembro, continua a ser uma praga do aparato americano de segurança. Um alto funcionário do FBI, a polícia federal americana, reconheceu em julho durante depoimento no Senado que o bureau só começou a investigar Moalin dois meses depois de ter recebido a informação de que ele fizera ligações para um número associado a um operador da Al-Qaeda.
Blog expõe mentiras de Obama e assessores
O blog Unredacted, mantido pelo centro de estudos National Security Archive, da Universidade George Washington, criticou na sexta-feira o discurso do presidente Barack Obama sobre o sistema de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA). No pronunciamento, o presidente anunciou a primeira reforma do programa em sete anos e fez críticas ao ex-analista Edward Snowden, responsável pelo vazamento de informações sobre a NSA. Segundo o blog, “o que o presidente não disse é que essas reformas de vigilância jamais teriam sido nem mesmo contempladas sem as revelações de Snowden”.
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O blog publicou uma lista das mentiras do presidente, do Congresso e de diretores de inteligência sobre a espionagem governamental. Na relação compilada pelo Unredacted, está a declaração de Obama no programa de entrevistas The Charlie Rose Show, em junho, de que a Corte de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Fisc), tribunal secreto responsável por monitorar o sistema de espionagem americano, é “transparente”. Em outubro, a própria Fisc repreendeu o governo por induzi-la a erro por três vezes em 2011. No mesmo programa, Obama afirmou:
– O que eu posso dizer inequivocamente é que se você é americano, a NSA não pode ouvir suas chamadas telefônicas e a NSA não pode monitorar seus e-mails.
Na realidade, a agência tem flexibilidade para coletar e armazenar por até cinco anos conteúdos de e-mails e outras comunicações de cidadãos americanos como parte de investigação de alvos no Exterior.
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Na sexta-feira, Obama anunciou uma reforma do sistema de vigilância da NSA, prometendo que não haverá espionagem de chefes de Estado e de governo “de nossos amigos próximos e aliados”, a menos que haja “forte razão de segurança nacional”. A NSA deixa de poder investigar qualquer número de telefone relacionado a outro sob investigação – e a qualquer outro número conectado a este segundo telefone. Agora, só poderá ir dois números além do investigado.