O novo conflito entre as polícias Civil e Militar em Santa Catarina exige uma intervenção da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado. Essa é a conclusão de especialistas na área ouvidos pela reportagem. A operação da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) na madrugada do último sábado em São João Batista foi o estopim de mais um capítulo do desentendimento. Naquele dia, os policiais civis montaram campana e conseguiram impedir o arrombamento de caixas eletrônicos na cidade, deixando três suspeitos mortos.
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No entanto, policiais militares criticaram a ação pois não foram avisados. Na justificativa deles, a falta de comunicação colocou em risco os agentes da Deic e os próprios PMs, pois durante a troca de tiros era difícil distinguir os policiais dos bandidos. Desde então, integrantes das duas corporações começaram a trocar farpas sobre o ocorrido.
Para o especialista em segurança pública e professor da PUC Minas, Luiz Flávio Sapori, a única maneira de minimizar os ânimos é a partir de uma intervenção da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Ele, inclusive, diz que o governador do Estado deveria chamar os dois comandos e determinar a integração para que esses conflitos sejam resolvidos:
— O governador tem que assumir junto com o secretário de segurança para fortalecer a autoridade e determinar que esses conflitos não se repitam. Precisa da intervenção de um autoridade política.
A longo prazo, o especialista recomenda que seja adotado o modelo de polícia do ciclo completo, em que a mesma corporação faz os trabalhos ostensivos e investigativos. Se não for dessa forma, diz Sapori, dificilmente haverá uma união de esforços entre as polícias Civil e Militar.
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— Não acredito mais na integração porque o nosso sistema policial divide o ostensivo na PM e a investigação na Civil. Isso significa competição entre eles por espaços e recursos públicos. As tentativas de integração no Brasil não duraram mais do que cinco anos — justificou.
O especialista em segurança Eugênio Moretzsohn cita o exemplo dos Estados Unidos, onde o candidato à carreira policial ingressa na Police Academy e ao longo do curso, a vocação, o perfil e os resultados acadêmicos do candidato irão definir qual modelo de polícia ele irá exercer. Inicialmente, após formados, todos fazem um estágio de policiamento ostensivo, explica. Depois disso é que será feita a separação entre os que vão se destinar às unidades especiais, ostensivo, choque, investigação e inteligência.
— Enquanto isso não ocorre, montar forças-tarefas conjuntas, em operações chamadas interagências, serviria como paliativo. A própria viatura deslocada para atender a determinadas ocorrências já deveria levar, a bordo, um policial civil para as primeiras diligências na esfera de sua atuação — sugere.
Moretzsohn ressalta que em Santa Catarina há um diretoria de Integração dentro da SSP. Ele afirma que a equipe é qualificada e espera “não ser necessário haver derramamento de sangue para a máquina girar na direção dessa integração em todos os níveis (estratégico, tático e operacional)”.
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Ação da Deic e de tenente tiveram erros, avaliam especialistas
O criminologista e professor da Univali, Alceu de Oliveira Pinto Junior, classifica como “absurda” a justificativa da Deic de não ter informado a PM sobre o trabalho em São João Batista. Argumenta que deve haver confiança entre as duas corporações:
— Se não podemos confiar em alguma das polícias, vamos confiar em quem? Se tem problema de vazamento, isso deve ser investigado e reprimido independentemente de quem seja o responsável pelo vazamento. A hipótese, inclusive, é que o vazamento possa ocorrer dentro da própria corporação que está atuando.
Para Moretzsohn, “houve grave risco de confronto, especialmente pelo fato de a ação ter sido noturna”. Ele diz que a ação poderia ter resultado num “fogo amigo”. Apesar de entenderem a tese da PM, os dois especialistas não concordam com a ação do tenente que foi até a coletiva da Deic.
— O Policial Militar não deveria ter ido à Deic para tirar satisfações ou participar de entrevista que não foi convidado. Existe uma cadeia de comando e é por ela que deveria ter apontado suas insatisfações — pontua Alceu.
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Já Moretzsohn diz que o policial tinha razão em estar descontente, mas poderia ter agido de outra forma:
— Ele não deveria tomar o fato como uma causa própria, e sim formalizar um documento bem escrito, ao longo do qual expressaria o risco que todos os envolvidos correram no episódio. É um problema institucional, bem acima da capacidade dele.
A assessoria de imprensa da SSP foi procurada pela reportagem mas até as 15h45min desta quarta-feira não havia respondido o contato.