*Por Benedict Carey

Durante anos, Claire Bien, pesquisadora associada na Universidade de Yale, se esforçou para lidar com as vozes em sua cabeça, que fofocavam e riam dela, tornando ainda pior o sentimento de que todos conspiravam contra ela. Ela sabia que tinha um distúrbio psicótico, mas, com o passar do tempo, aprendeu a lidar com as vozes e os medos com muita psicoterapia e com a ajuda periódica de medicamentos. Porém, em meados dos anos 1990, ela resolveu tentar algo completamente diferente: combater as vozes abusivas com outras vozes criadas por ela para serem suas aliadas mentais.

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"Eu realmente sentia que escutava meu pai, meus ancestrais e um psiquiatra que me dava bons conselhos", comentou Bien, que publicou um livro sobre suas experiências, intitulado "Hearing Voices, Living Fully" (Ouvindo Vozes, Vivendo Plenamente, em tradução literal).

Segundo ela, "recuperação significa saber que minha mente me pertence e que, mesmo quando não me sinto assim, essa sensação é passageira. Saber disso me permitiu manter um emprego – um bom emprego – e ser produtiva, respeitada e até mesmo admirada pelas pessoas com quem trabalho".

Os pesquisadores de saúde mental contam com inúmeras escalas para indicar a melhora dos sintomas, como o alívio da depressão durante a sessão de terapia ou o controle das alucinações psicóticas por meio de medicação.

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Mas é muito mais difícil prever, ou mesmo descrever, o que acontece em seguida. Como a vida das pessoas muda depois que elas aprendem a lidar com os próprios sintomas? Muitas vezes, os problemas mentais são recorrentes e os tratamentos são apenas parcialmente eficazes. Como é uma recuperação real – se é que é possível falar nesses termos – e como ela pode ser avaliada?

É isso que as pessoas que passam por problemas mentais graves desejam saber, e dois artigos publicados em uma edição recente da revista científica "Psychiatric Services" mostram por que é tão difícil encontrar boas respostas.

Em um deles, o primeiro estudo desse tipo, pesquisadores holandeses testaram uma forma padronizada de medir a qualidade de vida, a Escala de Avaliação de Recuperação, que geralmente é utilizada para avaliar os níveis de autoconfiança, esperança, senso de propósito, capacidade de pedir ajuda e outras características de uma vida plena e estável.

A equipe apresentou o questionário de 24 questões para três grupos de pessoas: o primeiro formado por indivíduos que foram diagnosticados com algum problema psiquiátrico, como esquizofrenia; o segundo por irmãos e irmãs dos integrantes do primeiro grupo que não tivessem o mesmo tipo de diagnóstico; e um grupo de controle formado por pessoas sem histórico de problemas de saúde mental. O questionário não revelou diferenças significativas entre os três grupos.

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Essa escala é amplamente usada, mas "sua utilidade é questionável", concluíram os pesquisadores. Se todas as pessoas revelam ser parecidas, de acordo com a escala, então como podemos usá-la para avaliar a melhora?

O outro artigo, um editorial assinado por Larry Davidson, pesquisador psiquiátrico em Yale, indicou que os resultados do estudo não foram surpreendentes. Afinal, os pesquisadores deixaram de lado as perguntas mais importantes do questionário, que tratavam de como os entrevistados lidam com os sintomas – afirmações como "Enfrentar uma doença mental não é mais o foco da minha vida" ou "Meus sintomas interferem cada vez menos em minha vida".

De acordo com Davidson, ao retirar essas questões, o estudo demonstrou apenas que, quando não há crise mental, "o dia a dia das pessoas com diagnóstico psiquiátrico é como o de qualquer outra pessoa". Entretanto, os autores afirmaram que essas questões foram excluídas porque os grupos de comparação não apresentavam quaisquer sintomas.

De fato, todos parecem concordar: assim como muitas outras, a Escala de Avaliação de Recuperação não passa de uma lista de verificação de sintomas e, no fim das contas, não é muito diferente daquelas usadas para avaliar os efeitos de curto prazo de um medicamento. A área poderia utilizar formas distintas e mais precisas de avaliar como as pessoas se livram de problemas mentais ou aprendem a conviver com um diagnóstico.

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As escalas surgiram há décadas, com consumidores de saúde mental, ou "sobreviventes", que acreditavam que avaliações clínicas da melhora dos sintomas, como a Escala de Depressão Hamilton, não eram capazes de avaliar plenamente todas as nuances da recuperação pessoal.

A escala analisada no estudo holandês pede que as pessoas avaliem, em uma escala de 1 a 5, quanto concordam com uma série de afirmações, como: "Se as pessoas me conhecessem, elas gostariam de mim", "Se eu continuar tentando, vou melhorar" e "É importante ter hábitos saudáveis". Os pesquisadores contam com escalas como essa para avaliar os efeitos de longo prazo gerados por uma série de programas de saúde mental, como terapia de grupo para vítimas de estupro na República Democrática do Congo ou programas de sensibilização à psicose, no Wisconsin.

Porém, conforme revela o novo estudo, questões desse tipo se aplicam a qualquer pessoa, diagnosticada ou não; além disso, as respostas podem variar de um dia para o outro, ou mesmo de uma hora para a outra, dependendo do humor do entrevistado naquele momento.

As pessoas que encontram formas de continuar vivendo depois que recebem um diagnóstico psiquiátrico – depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, esquizofrenia etc. – geralmente fazem isso da maneira mais difícil: gradualmente, ajustando-se por meio de uma combinação de rituais pessoais, conexões sociais, demandas profissionais e, quando necessário, medicação. Esses regimes idiossincráticos de autocuidado não podem ser facilmente mensurados pelos testes atualmente disponíveis para os pesquisadores.

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Devido aos óbvios limites da Escala de Avaliação de Recuperação e de outras medidas de qualidade de vida, alguns especialistas buscam outras maneiras de avaliar as mudanças no dia a dia das pessoas, meses ou anos após o diagnóstico de um problema mental.

"A recuperação pessoal tem a ver com a qualidade do senso de identidade e de pertencimento de uma pessoa em relação a uma comunidade, e não apenas com as experiências subjetivas da doença mental em si", escreveu Davidson. O pesquisador argumenta que a área precisa desenvolver ferramentas mais confiáveis para avaliar como é viver com um problema mental durante muito tempo, assim como a cardiologia e outros ramos da medicina utilizam "resultados relatados pelos pacientes" para acompanhar os tratamentos de longa duração.

Gail Hornstein, professora emérita de psicologia no Mount Holyoke College, tem acompanhado um grupo de mais de cem pessoas que participam de reuniões da Hearing Voices Network, uma rede independente de pessoas que ouvem vozes, similar aos Alcoólicos Anônimos, que realiza reuniões em que as pessoas conversam sobre seus problemas mentais e sobre possíveis maneiras de lidar com eles.

A maioria das pessoas que participaram do estudo foi diagnosticada com problemas psiquiátricos, como a esquizofrenia, e afirma que suas experiências no grupo foram positivas e até mesmo transformadoras. Muitas delas, porém, ainda ouvem vozes, algumas das quais dizem coisas positivas, afirmou Hornstein por e-mail. Dessa maneira, avaliar a melhora dos pacientes por meio das perguntas mais comuns – por exemplo, "As vozes desapareceram?" – não é necessariamente útil.

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Em vez disso, Hornstein pergunta se as vozes – como as que Bien ainda escuta ocasionalmente –ou outros aspectos da vida do indivíduo mudaram como resultado da participação nos grupos de apoio.

De acordo com Hornstein, as respostas são variadas. Algumas pessoas podem dizer: "Agora tenho um relacionamento diferente com minhas vozes" ou "Minhas vozes costumavam me aterrorizar, mas agora tenho um relacionamento com elas baseado no respeito mútuo".

"Isso é uma mudança para melhor. Mas o único jeito de chegar a essa resposta é fazer a pergunta certa", concluiu Hornstein.

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