Desde o nascimento: está tudo registrado! Em poucos segundos, a nova integrante é apresentada ao grupo da família. Viva a tecnologia. O problema é quando quem deveria estar no controle, passa a ser controlado. 

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– Me dá uma ansiedade bem grande, quando eu sei que tô num lugar que não tem internet, não tem sinal. Eu fico nervosa, bem nervosa – diz Lívia Souza. 

– Toda a vez que a gente vai comer no café da manhã, almoço, ela quer que eu dê celular – fala Karoline Souto Maior. 

– Desde o momento que eu acordo até a hora que eu durmo, eu tô com o celular na mão – conta Ana Cleibe.

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O excesso de tecnologias já era um problema antes da pandemia. Tanto que em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) acrescentou uma nova doença na lista da Classificação Internacional de Doenças (CID): o gaming disorder, ou o transtorno dos jogos eletrônicos, na tradução livre para o português.

Em 2019, uma pesquisa do Ibope apontou que mais da metade dos brasileiros (52%) não consegue ficar um dia inteiro longe do celular. Aí, veio a pandemia e o isolamento social levou as conversas para as telas. O tempo dos brasileiros diante das tecnologias aumentou 63% nos últimos dois anos, de acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Não demorou para que os casos de dependência digital aumentassem.

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Karoline Souto Maior e os filhos Maria e Miguel (Foto: Jean Mazzonetto, NSC TV, Reprodução)

É difícil fugir. Hoje muita coisa foi facilitada pela tecnologia. Dá para fazer compras, movimentar a conta bancária, falar com amigos e parentes que estão distantes e até trabalhar com o celular na palma da mão. Usar a tecnologia para isso é a dependência digital normal, como dizem os psiquiatras.

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O que indica se a pessoa chegou ao nível de dependência digital patológica são os transtornos associados ao uso, como ansiedade e depressão. Ou os sintomas que aparecem quando a tecnologia não está disponível. 

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– Quando não pode usar a tecnologia por algum motivo, por estar fora de área, ou porque a tecnologia não está funcionando no momento, ela tem literalmente sintomas físicos. Angústia, ansiedade, nervosismo, sintomas de abstinência realmente. Esse sim requer um tratamento psiquiátrico, até com uso de medicação – pondera Anna Lúcia Spear King, doutora em saúde mental pelo instituto de psiquiatria da UFRJ. 

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A Marina nem tem um celular só pra ela. Mexe raramente no aparelho da mãe, quando autorizada. Mas essa geração parece que já nasce sabendo usar essas tecnologias, né? Só não nasce sabendo equilibrar o uso delas. Na casa da Maria, essa relação é conturbada. 

– Eu olho o Instagram, o Tiktok. Eu leio algumas coisas, eu vejo uns stories – diz Marina Muller, sete anos. 

Quando a mãe saía para trabalhar, no primeiro ano de vida da Maria, o recurso para acalmar a pequena eram as telas. 

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– E acho que isso acabou gerando um problema emocional na Maria. Ela tem dificuldade pra controlar as 

emoções, porque ela não sabe lidar, ela não aprendeu a lidar – argumenta 

Karoline Araújo Souto Maior, mãe da Maria e do Miguel.

Até nas refeições, o celular está 

presente.

– Toda a vez que a gente vai comer no café da manhã, almoço, ela quer que eu dê O celular. E isso é um problema, porque se a gente cede, acaba reforçando esse comportamento. Não sei mais o que fazer – confessa Karoline.

A psicanalista Maria Fernanda Bedushi explica que o bebê aprende a se comunicar e a se humanizar através do contato com as pessoas. É tudo pelo exemplo. Quando a tela substitui a presença do adulto, a criança pode apresentar desde dificuldades de relacionamento até transtornos de desenvolvimento.

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– A gente tem recebido muitas crianças com sintoma de autismo e a gente vai investigando e vê que é um falso autismo. São crianças chegam com dificuldade de linguagem, vínculo, se comportam com um atraso muito grande no desenvolvimento. E a gente vê que o atraso vem através dessa falta de vínculo humano, onde a criança faz o vínculo com a tela – comenta a psicanalista.

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O impacto das telas nos bebês é tão grande que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que até os dois anos de idade não haja contato algum com televisão, tablet ou celular. Entre dois e cinco anos, o recomendável é que não exceda uma hora por dia. Entre seis e 10 anos, até duas horas diárias. A partir daí, até 18 anos, no máximo três horas por dia. E para todas as faixas etárias, a recomendação é nada de telas durante as refeições e desconectar de uma a duas horas antes de dormir. 

– Para a criança se desenvolver bem, elas precisam de todos os sentidos estimulados, e quando elas estão nas telas, elas têm apenas a visão e a audição. Isso altera muito o desenvolvimento delas, tanto na fala, quanto na linguagem e o desenvolvimento psiconeuromotor. Elas têm um atraso muito significativo. De zero a dois anos, a criança precisa brincar. E ela precisa brincar com objetos que são palpáveis, para ela poder aprender a brincar, aprender a fantasiar – explica Lorieti da Cunha, pediatra e membro Sociedade Catarinense de Pediatria (SCP).

Reflexos no comportamento das crianças

Além dos atrasos no desenvolvimento, o uso excessivo de telas tem outro reflexo no comportamento. Quando estamos vendo uma rede social, conseguimos pausar aquilo que nos interessa, fazer durar mais tempo. Ou podemos passar rápido aquilo que não queremos ver. Está tudo na ponta dos nossos dedos. Mas na vida real, não é assim. Muita coisa a gente não controla. Aí, falta experiência em praticar a paciência e em saber esperar.

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Os efeitos também podem ser físicos. Obesidade, problemas de visão e distúrbios do sono estão na lista de sintomas percebidos pelos pediatras, quando há contato excessivo com as telas na infância. Mas e se a criança não aceitar desligar as telas? 

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– Se não cede é um trabalho maior. Quando ela tá muito agitada, tem que ser do jeito dela. aí é difícil controlar – diz Karoline Araújo Souto Maior, mãe da Maria.

A pediatra Lorieti da Cunha reconhece que esses momentos são difíceis, e reforça:  

– Quando a criança gosta sempre do mesmo desenho e assiste, o que a gente sugere é que possa comprar o bonequinho. É sempre bem mais estimulante para a criança que ela tenha o bonequinho, que possa fantasiar com ele, brincar com ele, com a ajuda dos irmãos, do pai, da mãe, uma coisa palpável. E com as crianças maiores, a gente precisa sustentar: não é hora. O limite de hoje já deu. Amanhã continua.

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A psicanalista Maria Fernanda Bedushi sustenta que os pais devem sempre tentar dizer que a tela deve entrar no final do dia: 

– Primeiro fez as atividades: foi pra escola, interagiu, fez esportes. Então, no final do dia, quando já está tudo resolvido, então pode ter um pouco de equilíbrio pra isso. Tentar equilibrar.

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Especialistas propõem atividades alternativas para diminuir o tempo de exposição às telas (Foto: Freepik)

Como ter uma relação saudável com as tecnologias

Perto dos 70 anos, dona Ana descobriu um mundo novo, que cabe na palma da mão. 

– Sou viciada no celular. Desde o momento que acordo até a hora que durmo, eu tô com o celular na mão. Ele chega a caí quando pego no sono. Ele tá até todo trincado, de tanto que fico nele. Vejo notícia de política, de compras, de vendas. Tudo que tem no celular. Eu fico direto – diz a senhora de 74 anos. 

Ela fala com as irmãs que moram longe e sabe o que está acontecendo no outro lado do mundo. Só que com tantas abas abertas, está difícil controlar a ansiedade: 

– Eu me sinto feliz, mas ao mesmo tempo sou muito ansiosa. Estou fazendo tratamento, tomo remédio. Quando eu tô no celular e não vejo a resposta logo me dá um desespero, porque quero ver urgente o resultado.

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Aos 74 anos, dona Ana descobriu um novo mundo, que cabe na palma da mão (Foto: Jean Mazzonetto, NSC TV, Reprodução)

A felicidade que a dona Ana sente tem explicação. 

– A dependência digital libera endorfina, serotonina, adrenalina, substâncias que dão prazer. Então, a tendência é que a pessoa, quando fica muito tempo sem fazer nada e vai para o computador e começa a perceber que nesse mundo digital ela sente tanto prazer, é porque no cérebro está liberando endorfina, dopamina. Então, ela sai da frente do computador e vai fazer qualquer outra atividade e não se sente tão bem, aí ela aprende que naquele jogo ela vai encontrar aquele prazer. Então, sem querer ela se vicia naquilo – explica Anna Lúcia Spear King, doutora em saúde mental pelo instituto de psiquiatria da UFRJ.

É aí que a pessoa perde o controle e passa a ser controlada pela tecnologia. Uma pesquisa feita pelo Ibope em 2019 apontou que 16% dos internautas consideram que o uso do celular afeta o relacionamento com a família. Mesma quantidade considera que prejudica o desenvolvimento no trabalho. E 9% percebem problemas na saúde por causa do uso excessivo do aparelho. 

Mas ninguém quer desgrudar dele. A locutora Lívia Souza vive esse dilema. Passa o dia todo no telefone: a trabalho e a lazer. 

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– Me dá uma ansiedade bem grande quando sei que tô num lugar que não tem internet, que não tem sinal. Fico nervosa, bem nervosa – diz Lívia.

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Locutora Lívia Souza (Foto: Jean Mazzonetto, NSC TV, Reprodução)

Ela também se incomoda com a falta de foco quando está com o celular em mãos: 

– Às vezes, vou entrar no banco, no site do banco, vejo ali o ícone do Instagram, entro, fico rolando o feed, e me perco, assim. Quando vejo, a hora passou. O sentimento que sei dizer é que depois que passa, fico frustrada, porque perdi uma hora, quarenta minutos da minha vida fazendo nada – comenta.

Os impactos do uso excessivo da tecnologia em cada fase da vida

Em cada fase da vida, o uso excessivo das tecnologias tem um impacto diferente. Se na infância o que mais chama a atenção dos médicos é atraso no desenvolvimento, entre os adultos a ansiedade e o estresse são potencializados. E entre os adolescentes, ficar tempo demais nas telas tem sido associado a depressão.

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– Na adolescência, mais depressão, porque já é um período difícil, em que precisa mais do outro, dos pais, pra interagir. Às vezes, fica muito voltado para as tecnologias e para os jogos, né? – comenta a psicanalista Maria Fernanda Beduschi.

Na casa da Luíza, as regras valem para todos. Na hora de comer, o celular fica longe. Mexer no celular tem tempo definido. A Marina, sete anos, não tem. A Luíza ganhou um aparelho aos 13 anos, só porque a aula durante a pandemia era on-line. 

– Tínhamos um computador em casa. Eu estava trabalhando em home office, precisei. Aí, nós queríamos comprar um computador. Mas vendo que ela já era adolescente, todos as colegas dela já tinham, menos ela. Então, optamos pelo celular – afirma Josiane Antônio Muller, mãe da Luíza e da Marina.

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Josiane Antônio Muller e as filhas Luíza e Marina (Foto: Jean Mazzonetto, NSC TV, Reprodução)

Agora, a Luiza ainda depende do aparelho para fazer as tarefas, mas é concentração total na hora dos estudos. 

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– Tenho consciência, né?, que se eu sair do aplicativo no momento do estudo, vou perder o foco e posso acabar me prejudicando por causa disso. Então, eu foco ali pra continuar a atividade – comenta a estudante Luiza Muller. 

Maria é professora de marketing digital, entende tudo de tecnologias, mas sabe o que ela faz para aproveitar melhor os momentos de lazer? Fica off-line. 

– No meu lado pessoal, sinceramente tento muito desconectar. Então, por exemplo, quando é uma semana mais tranquila, que consigo tirar o domingo, fico o dia todo sem pegar o celular. Não pego o celular, para ter esses momentos de detox digital para a minha saúde mental – pondera Maria Avis.

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Luiza ganhou celular na pandemia e ainda depende do aparelho para fazer as tarefas (Foto: Jean Mazzonetto, NSC TV, Reprodução)

Maria diz que depois de muito se monitorar e desafiar, perdeu o costume de acordar e pegar o celular, por exemplo. 

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– Acordo e deixo o celular longe, justamente para ter um desafio. Vou fazer minhas atividades e tal, e na hora do almoço tento não ficar no celular. À noite, na hora de dormir, também – completa a professora de marketing digital. 

Haja malabarismo para encontrar esse equilíbrio. 

– A gente precisa oferecer para as crianças e para os adolescentes outras opções que não sejam somente as telas. Tentar ficar mais unido em relação à família. A gente precisa ser o exemplo para eles. Na hora das refeições, não usar tecnologias. Antes de dormir, também. Estimulá-los a lerem, fazer atividades físicas, de socialização. Em família, no meio ambiente, ao ar livre. A gente precisa de outras opções para ter menos tempo disponível para as telas – propõe a pediatra Lorieti da Cunha, membro da Sociedade Catarinense de Pediatria.

Dicas dos especialistas para evitar a dependência digital:

  • Se a criança gosta muito de um personagem que aparece nas telas, dê um boneco para ela daquele personagem. Com um brinquedo palpável e a imaginação, ela pode brincar em momentos que, antes, estaria em frente às telas. 
  • As telas devem ser vistas como momento de lazer. Então, vem depois que as tarefas foram cumpridas. 
  • Escolha um dia da semana para fazer um detox, ficar sem as telas.  
  • Na hora da refeição, o foco é no alimento e em quem está perto de você. As telas podem ficar desligadas.
  • Estabeleça limites de tempo: para você e os filhos. Você é quem está no controle, não a tela.
  • Desligar, pelo menos, uma hora antes de dormir.

*Reportagem de Patrícia Silveira, da NSC TV

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