Especialistas estão reunidos em Florianópolis, no Fórum Internacional de Mobilidade Urbana, desde terça-feira para discutir a mobilidade nos grandes centros urbanos. O evento segue nesta quarta no Teatro Pedro Ivo Campos, na SC-401. Entre os convidados está o especialistas Rodney Tolley, consultor e pesquisador de transporte sustentável.
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O estudioso inglês, que integra a Walk 31, uma organização que defende o hábito da caminhada, acompanhou o DC em três pontos críticos de congestionamento na Ilha de Santa Catarina: Lagoa da Conceição, pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos e acesso ao Aeroporto Hercílio Luz, e apontou algumas soluções.
PONTES COLOMBO SALLES E PEDRO IVO CAMPOS

Nas pontes de acesso à Ilha de Santa Catarina hoje, passam cerca de 170 mil veículos por dia. A movimentação é mais que oito vezes superior à revelada na Hercílio Luz da década de 1970, quando aproximadamente 20 mil automóveis faziam a travessia diariamente. Para o pesquisador Rodney Tolley, o trânsito de carros não vai parar de crescer nas pontes e em toda a cidade, caso se continue investindo em transportes individuais.
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– A curto prazo, a construção de mais uma ponte pareceria a solução mas, em menos de 20 anos, o tráfego pararia novamente. Com o incentivo a carros, surgem mais veículos que precisam de espaço nas ruas e nos estacionamentos. Nunca se pode satisfazer por completo o espaço para carros.
Tolley ficou indignado diante dos congestionamentos das seis horas nas pontes de Florianópolis e foi irônico ao ver o slogan “Projeto de Desenvolvimento”, no monumento instalado entre a Colombo Salles e a Pedro Ivo Campos. Segundo ele, para haver desenvolvimento, não se pode perder tanto tempo no transporte e nem se pode perder tanto dinheiro em transporte individual.
– As cidades em desenvolvimento apostam em meios de locomoção que não poluem e, principalmente, que são eficientes.
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O pesquisador sugere que, após a reforma da Hercílio Luz, a estrutura deve ser usada apenas por ciclistas e pedestres. Ele considera que as pessoas devem ser forçadas a deixar os carros em casa. Uma das medidas para isso seria estabelecer faixas exclusivas para ônibus, o que agilizaria os meios públicos de transporte.
Contraponto da Prefeitura
A Diretora de Planejamento do Instituto de Planejamento de Florianópolis (Ipuf), Vera Lúcia Gonçalves da Silva, destaca que já houve uma tentativa de implantar a faixa exclusiva de ônibus em abril de 2009 na Colombo Salles. Mas o sistema de exclusividade para os coletivos foi abandonado por pressão dos motoristas de carro já que, com a medida, os congestionamentos aumentaram.
Mesmo assim, para o estudioso inglês, as faixas exclusivas para ônibus deveriam não apenas ter sido implantadas nas pontes, mas em toda a cidade, com pesada fiscalização da polícia rodoviária para garantir que sejam respeitadas.
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– Se os motoristas de carro vão reclamar? Eles sempre reclamam, brinca Tolley.
TREVO DA SETA E ACEESO AO AEROPORTO

Pelo desenvolvimento acentuado dos últimos anos, o acesso ao Sul da Ilha é mais um dos pontos com grande concentração de veículos. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, cerca de 18 mil carros passam pela rodovia SC-405, enquanto há seis anos, o volume era de aproximadamente seis mil carros por dia. Todo esse fluxo prejudica a movimentação dos moradores, dos turistas e o acesso ao Aeroporto Hercílio Luz.
A prefeitura prevê uma série de obras na região para aliviar o problema. O lançamento da licitação para a duplicação da Avenida Diomício de Freitas, que dá acesso ao aeroporto, está prevista para maio. No mesmo mês, terão início as obras para a terceira faixa da rodovia SC-405, que leva ao Bairro Rio Tavares.
Já o Elevado do Trevo da Seta, entre os bairros Costeira do Pirajubaé e Rio Tavares, que já está liberado para o tráfego, mas que ainda tem suas obras no entorno em fase de conclusão, deve ser inaugurado oficialmente no mês que vem.
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Tolley prevê o fracasso dessas obras em relação ao desafogamento do trânsito. Segundo ele, logo os novos espaços construídos não comportarão a quantidade de carros novamente, assim como o estacionamento do aeroporto, com 539 vagas, embora “enorme”, já se mostra insuficiente.
– Investir na estrutura para carros é incentivar as pessoas a continuarem usando esses veículos e contribuir para se aumentar a frota. Aumentar vias e estacionamentos, em uma cidade com congestionamentos, é como alguém com obesidade apenas afrouxar o cinto em vez de tentar emagrecer.
Contraponto da Prefeitura
A diretora de planejamento do Ipuf concorda que devem ser priorizados os meios de transporte não motorizados e os coletivos. Ela destaca que a prefeitura tem investido em projetos intermodais, ou seja, de integração de transportes que deverão ser apresentados à comunidade até agosto. Para a região do aeroporto, ela defende um estudo detalhado sobre os pontos de origem e destino mais comuns dos passageiros e acredita que a melhor opção seria apostar no aumento das linhas de ônibus.
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LAGOA DA CONCEIÇÃO

Na região da Lagoa da Conceição, outro nó no trânsito, principalmente no verão, quando turistas visitam o local, elevando o fluxo de carros para cerca de 30 mil por dia. O pesquisador inglês, Tolley, ao visitar a Lagoa, deparou-se com o principal entrave para a mobilidade: as ruas estreitas, impostas pela própria estrutura física de dunas e da própria lagoa.
Para ele, a saída é dividir o espaço já asfaltado com faixas para pedestres e ciclistas, porque “é o caminho para carros que deve ser gradativamente reduzido”. O estudioso considera que até o congestionamento da região pode facilitar o uso de bicicletas, já que a baixa velocidade dos veículos reduz o risco dos ciclistas. Mesmo assim, ele atesta a necessidade de uma estrutura básica e afirma que a construção de ciclovias e vestiários em pontos da cidade e nas empresas incentivaria as pessoas a pedalarem.
Contraponto da Prefeitura
Vera, do Ipuf, explica que, na Lagoa, o foco está na implantação da ciclovia na Rua Osni Ortiga que apenas aguarda a aprovação da Fundação do Meio Ambiente (Fatma). A intenção é estender o projeto para a Avenida das Rendeiras, Centrinho e outros pontos da Lagoa da Conceição.
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A diretora destaca o esforço da prefeitura em investir na mobilidade urbana. Ela explica que está sob análise na prefeitura a restrição do acesso ao Centro da cidade a ciclistas e pedestres. Entre os exemplos que já deram certo, ela cita o bairro dos Ingleses, que tem espaço para caminhar e pedalar. Vera menciona, também, as 240 árvores plantadas na Beira-mar Norte até mês passado, como um incentivo aos pedestres, e a criação da Pró-Bici, uma comissão para garantir a segurança dos ciclistas e aprimorar a infraestrutura cicloviária. A diretora de planejamento admite que essas medidas são recentes, mas atribui os poucos planos concretizados de mobilidade à falta de consciência da população.
– A ciclofaixa da Agronômica (localizada nas ruas Heitor Blum, Rui Barbosa e Frei Caneca), por exemplo, foi extremamente criticada ao ser feita, em 2008, por reduzir o espaço dos carros. Para que haja uma melhora prática da locomoção na cidade, então, é necessário o apoio das pessoas e a vontade de se aceitar as propostas, conclui.
Tolley concorda que existe uma “cultura dos carros”, que determinando que só “fracassados” andam de bicicleta ou a pé. Por outro lado, ele também sabe das dificuldades de cada lugar para se deixar o carro em casa. Mas ele acredita que é possível e é ainda mais fácil ir para o trabalho a pé, de bicicleta ou de ônibus quando se tem sol e vista para o mar.
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A ideia da rede Cities for Mobility que promove, junto com o Ministério das Cidades e o Governo do Estado de Santa Catarina, o Fórum Internacional de Mobilidade Urbana, é que as alternativas de planejamento e locomoção já implantadas possam ser transferidas para outras realidades. Patrick Daude, representante alemão da rede e palestrante no fórum, explica que são 82 países conveniados que trazem suas experiências. O estudioso Guillermo Peñalosa, por exemplo, instaurou, em Bogotá, na Colômbia, o programa Carro Livre aos domingos, que fecha as principais vias centrais da cidade para os veículos motorizados, levando mais de 1 milhão de pessoas às ruas para caminhar, correr e pedalar. Para ele, em todas as cidades, o carro deve ser colocado em último plano.
Rodney Tolley, destaca Nova York, que soube investir em ciclovias e em meios de transporte coletivos. Vancouver também é citada como um exemplo de cidade com número crescente de ciclistas, apesar do frio intenso. Mas para trajetos curtos, o meio de locomoção em que Tolley mais aposta, pelo baixo custo, praticidade e por poder ser implantado em qualquer parte do mundo é a caminhada.
– Ela não exige uniforme e ainda ajuda a resolver esse atual tsunami de problemas de saúde, como diabetes, hipertensão e obesidade – explica.
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Para ele, não é caro o investimento dessa modalidade. Apenas requer que as prefeituras arborizem as vias, construam praças e cafés e façam um trabalho de conscientização da população.
– As pessoas são incentivadas a caminhar quando o trajeto é prazeroso e quando existem espaços para descansar e fazer o que, normalmente, mais gostam: observar outras pessoas.
Tolley lembra que o replanejamento das cidades, priorizando meios de transporte que não sejam o carro, exige medidas a longo prazo, já que se trata de reverter o processo de incentivo automobilístico “dos últimos cem anos”.
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– É como mudar o rumo de um transatlântico, demora, mas é possível.