Durante a última semana, os leitores de Política do Diário Catarinense na internet votaram e escolheram o tema de matéria que iria ao ar no último dia do mês de junho. O tópico que recebeu a maior quantidade de votos (75%) foi o debate sobre a reforma política brasileira e, dentro desta reforma, a possibilidade de financiamento de campanhas eleitorais com dinheiro público.

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Para esclarecer as prioridades e falar sobre o que é possível dentro dessas mudanças, o Diário Catarinense procurou o especialisa Orides Mezzaroba, professor de Direito Eleitoral e Partidário de graduação e pós-graduação em Direito da UFSC. Confira a seguir a entrevista.

Diário Catarinense: Como funciona hoje o financiamento de campanha?

Orides Mezzaroba: Hoje, o financiamento vem de doações de pessoas jurídicas e pessoas físicas. O candidato recebe o dinheiro e presta contas à Justiça Eleitoral, demonstrando que gastou essa doação durante a camapnha. Houve tempos em que era possível, assim como acontece com doações a entidades filantrópicas, de se deduzir este valor do Imposto de Renda. Mas essa possibilidade não existe mais, porque foram identificados casos de fraudes, com recibos falsos.

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DC: No momento atual da política brasileira, seria possível aprovar o uso de dinheiro público em campanhas?

Mezzaroba: É visível nos movimentos sociais e nas manifestações que as pessoas estão desacreditadas dos partidos políticos. No senso comum, seria muito complicado aceitar a doação de dinheiro público para a atual estrutura partidária. Se essa possibilidade for colocada assim em plebiscito, sem se trabalhar a estrutura dos partidos, a margem de regeição será muito grande. Hoje, as pessoas não acreditam mais nos partidos. Acho temerário o plebiscito colocar um tema importantíssimo como o financiamento público de campanha para votação. Se colocar, não será aprovado.

DC: Qual seria o modelo ideal para o Brasil?

Mezzaroba: Em alguns países, como os EUA, o financiamento de campanha é privado. O candidato se mostra viável para ir às eleições se conseguir arrecadar doações. Foi o que aconteceu com o presidente Obama. Há países com a possibilidade de financiamentos público e privado conjuntos. Na Alemanha, o partido política recebe um percentual de recursos de acordo com o número de votos alcançados. Para cada voto, o político recebe um determinado valor. No Brasil, há o fundo partidário, que é distribuído de acordo com a representação na Câmara Federal. O modelo ideal seria o desenvolvimento de um mecanismo que possibilitasse recursos públicos proporcionalmente ao número de votos adquiridos. Isto garantiria a pluralidade e não se aniquila os pequenos partidos. Esta é uma questão que precisa ser resolvida, independentemente da realização ou não de um plebiscito.

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DC: Quais seriam os riscos de se aprovar o financiamento público sem mudanças na formação política atual do Brasil?

Mezzaroba: O Código Eleitoral Brasileiro é anterior à Constituição Nacional. Temos a Lei dos Partidos, que estabelece tempo de rádio e TV, e o Fundo Partidário, que mantém os partidos. Nem um dos dois respeita a ideia de pluraridade, porque as pequenas legendas não conseguem acesso a nenhum dos dois pela pouca representatividade. Neste cenário entra também a discussão que está acontecendo sobre a criação de novos partidos. Hoje, as grandes legendas, com grande número de deputados, ficam com a maior fatia do bolo do fundo partidário, com mais verba e com mais tempo de TV. Mesmo dentro do partido, por mais que haja o fundo de campanha, ele acaba privilegiando alguns poucos candidatos. Ao mesmo tempo, um pequeno partido, que não tem um deputado fedeal, por exemplo, acaba com recursos limitados e sem chances de, um dia, se tornar um grande partido. Ele acaba aniquilado ainda na base. O risco maior é acabar se reforçando este esquema, que não incentiva a representatividade no voto. Eu defendo o financiamento público de campanha, desde que o sistema partidário brasileiro seja repensado.

DC: E como seria garantido o cumprimento desta mudança?

Mezzaroba: O financiamento público de campanha exige um reaparelhamento da Justiça Eleitoral, em especial na questão de definição de quem é que fiscaliza se o recurso foi realmente utilizado na campanha. O mensalão é um exemplo claro desta falta de controle que se tem hoje em dia. O financiamento público não pode ser implatado no sistema como está, que é um sistema falido.

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DC: O senhor acredita que um plebiscito poderia resolver as questões políticas do Brasil?

Mezzaroba: É possível fazer ajustes importantes e fundamentais sem um plebiscito. Um destes ajustes é a questão da titularidade de mantado. Hoje, não se tem bem definido se o mandato pertence ao partido ou ao candidato eleito. É uma questão que poderia, e deveria, ser definida a partir do judiciário, sem plebiscito. Se o mandato é do partido, você tem o partido político controlando o eleito. Mas, para que isso seja claro, é preciso mudar a Constituição. Na Constituição, temos alguns pontos-chave: ela diz que todo o poder emana do povo, mas também diz que é preciso estar filiado a um partido político para ser eleito e, mais pra frente, ela remete à fidelidade partidária. A Constituição não permite candidatura avulsa, logo, define que o mandato é do partido. Mas isto não está claro. É um problema que poderia ser resolvido de imediato, mas se percebe que os políticos não querem esta mudança, e acabam recorrendo ao argumento da ditadura partidária.

DC: Uma boa reforma política poderia estimular aumento da participação do povo?

Mezzaroba: Vamos pegar este ponto, da definição do mandato do eleito ou do partido. Se você define a questão do mandato, a consequência é a possibilidade do financiamento público de campanha. Se há a relação entre Estado e partido, você acaba estimulando as pessoas a irem atrás do partido, porque foi nele que elas votaram. O eleito acaba sendo um mero porta-voz da vontade partidária. A democracia é fortalecida na participação. A grande questão que se coloca hoje é a dissociação entre a minha vontade e a vontade de quem elegi. A representação política tem que ser como um espelho: eu tenho que olhar meu representante político e me sentir representado, ver que ele representa a minha vontade. Não é o financiamento de campanha que vai resolver isso; ele só vai tentar evitar que novos mensalões surjam, vai garantir que o dinheiro de campanha seja usado na campanha. Não vai garantir nada mais, não vai resolver os demais problemas. Acredito que pode haver mudança quando se estimula os partidos pequenos. Nessas questões, o Congresso poderia agir de imediato, porque são questões de princípios da democracia. O que não podemos é correr o risco de tentar mudar tudo com uma reforma imediata e acabarmos sem mudar nada.