Embora as autoridades e órgãos competentes de Beirute, no Líbano, ainda investiguem as causas da explosão que causou a morte de mais de 100 pessoas na última terça-feira (4), uma das principais suspeitas até o momento é de que o nitrato de amônio tenha sido a substância causadora do ocorrido. 

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Tal substância é a mesma encontrada dentre as que provocaram o incêndio químico em São Francisco do Sul, no Norte de SC, em 2013. 

Conforme o engenheiro químico e presidente do Sindicato dos Químicos de Santa Catarina, Saulo Vitorino, algumas semelhanças podem ser percebidas nos dois episódios, mas ainda é cedo para conclusões. 

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Para que serve o nitrato de amônio

O nitrato de amônio é um produto utilizado na agricultura como fonte de nitrogênio. Mas, em sua forma pura, ele também pode ser utilizado como explosivo. Segundo sites internacionais, em Beirute estavam sendo estocados, nas palavras do presidente libanês, Michel Aoun, 2.750 toneladas do produto. Segundo Michel Aoun, o produto em Beirute seria destinado para produção de fertilizantes.  

– Provavelmente estava como matéria prima para ser diluído e preparado na forma de fertilizante – considera Saulo. 

Coloração da fumaça e outras semelhanças

Explosão em Beirute, no Líbano
Explosão em Beirute, no Líbano (Foto: Anwar AMRO / AFP)

A coloração percebida na fumaça do incêndio químico de São Francisco do Sul se assemelha à vista em Beirute. Segundo Saulo, a cor alaranjada é uma característica típica da queima ou reação química de dióxidos de nitrogênio.

Além disso, ambos os incêndios indicam a presença de óxidos nitrosos, derivados dos compostos nitrogenados. Segundo Saulo, aparentemente o nitrato, em São Francisco, estaria mais diluído em outros compostos. Já em Beirute, até o momento a suspeita é de que havia a presença do mesmo produto, mas que ele estava em sua forma mais pura, o que leva a um risco muito maior do que aparentemente representava a situação registrada em SC. 

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– Mesmo assim, em São Francisco foi necessário evacuar a população e foram mais de 60 horas de produto em combustão – pontua.  

Saulo ainda explica que o cloreto é catalizador na mistura. Dessa forma, ele deve ser controlado para que não esteja acima de 0,02%, já que favorece a reação química. 

Por que não houve explosão em São Francisco?

Segundo Saulo, justamente pelo fato de a substância estar diluída a outros compostos químicos, como cloreto de potássio e fosfato de amônio, a reação não gerou explosão. Isso porque a finalidade dessa mistura era a produção de fertilizantes. 

Ele explica que, geralmente, os fertilizantes precisam ter pelo menos três elementos químicos nutrientes básicos para as plantas, que são nitrogênio, fósforo e potássio. 

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– Esse produto não pode ser aplicado de forma muito pura no solo, ele pode ter outros agregados. No caso de São Francisco, ocorreu uma combustão autossustentada, ou seja, quando ela começa, dificilmente se consegue parar – completa. 

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Conforme o especialista, a reação química autossustentada foi se propagando. Os bombeiros não conseguiam apagar, apenas resfriavam para que não ocorresse uma explosão ou incêndio de maiores proporções. 

– É muito cedo para se concluir qualquer coisa, mas, segundo o que os sites internacionais estão falando, e o que a gente sabe porque acompanhamos de perto o evento em SC, o produto em Beirute aparentemente estava na forma pura, enquanto em São Francisco estava misturado com outros elementos que também servem e são utilizados para fins de adubo – reforça. 

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Na situação registrada no país libanês, também há outras hipóteses a serem consideradas e que podem ter levado à explosão, como por exemplo a combustão de fogos de artifícios.

– Talvez outros materiais explosivos estivessem sendo estocados juntos, por exemplo. E isso não é uma informação, é apenas uma hipótese, porque foi uma explosão muito violenta. No entanto, o próprio nitrato de amônio pode, sim, causar esse tipo de explosão – acredita. 

Segundo ele, o que ocorre em alguns casos é que diferentes produtos químicos são armazenados próximos uns aos outros dentro dos portos. 

– Em Beirute, pode ser também que o incêndio tenha começado em um determinado local, atingido o depósito de amônio, e também outros produtos químicos explosivos. Não se pode afirmar ainda que as pequenas explosões vistas no vídeo são ou não decorrentes do nitrato. 

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Armazenamento e riscos    

O especialista também pontua a importância do armazenamento adequado desse tipo de substância, dada a alta possibilidade de combustão e reações químicas. 

– Primeiramente, jamais deve ser armazenado no centro de uma cidade. Esses produtos devem ser armazenados o mais afastado possível de qualquer aglomeração humana por representar risco de incêndio e explosão – lembra. 

Ele também destaca que é necessário mantê-los distantes de fontes de calor ou ignição. 

– Por exemplo, se esse fertilizante está sendo manipulado por uma pá mecânica de trator, e o veículo possuir um vazamento de óleo, uma pequena mancha de óleo no chão pode desencadear uma reação química como essas – explica. 

Esses motivos justificam a necessidade de haver práticas de armazenamento seguro, as chamadas boas práticas de armazenamento e compatibilidade química. 

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– Por exemplo, a iluminação precisa ser à prova de incêndio, de explosão. Ou seja, uma iluminação mais cara, mais especial. As máquinas devem ter o combustível diferenciado, como o gás natural (GLT), e não o óleo diesel. Uma série de detalhes e preocupações – afirma. 

Riscos à saúde e ao ambiente

A fumaça identificada em ambos os episódios, em Beirute e em São Francisco do Sul, são tóxicas e apresentam riscos. Conforme o engenheiro, trata-se de óxidos nitrogenados que, quando entram em contato com a umidade que existe no sistema respiratório, pode ocasionar a formação de ácidos nitrosos. Esses ácidos comprometem a mucosa e atacam o sistema respiratório. 

Em São Francisco do Sul a população precisou ser evacuada da cidade e havia o risco de a fumaça atingir municípios vizinhos. 

O laudo sobre o incêndio em São Francisco do Sul apontou também os danos ambientais causados na região. Com a ajuda de testes feitos na água, no solo e na vegetação, os técnicos mostraram que dois cursos d’água foram contaminados na região da empresa.

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Em Beirute, jornais locais divulgam que o governo pede para que a população fique em casa e não se exponham na rua em razão da possibilidade de inspiração do ácido nídrico. 

Outros episódios já registrados na história

Saulo relembra dois episódios já registrados ao longo da história e que também envolveram a explosão do mesmo material. Um deles, em 1947, aconteceu nos Estados Unidos. Um navio que levava o produto explodiu e matou mais de 500 pessoas. A situação iniciou com um incêndio. As pessoas foram para a beira do cais para ver o que estava acontecendo. Foi quando houve a explosão. Uma das âncoras do navio, pesando cerca de duas toneladas, foi lançada a quilômetros de distância. 

Outra situação ocorreu em Oklahoma City, também nos Estados Unidos, em 1995. O atentado doméstico foi provocado por um extremista americano que detonou uma bomba feita com duas toneladas da substância. Morreram 168 pessoas e mais de 700 ficaram feridas. 

– É um grau, um potencial altíssimo a explosão com nitrato de amônio – reitera o especialista. 

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