A escritora e historiadora blumenauense Urda Alice Klueger, membro da Academia Catarinense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) registrou um manifesto para solicitar seu desligamento do Instituto Histórico, da qual faz parte há 29 anos.

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Segundo Urda, a entidade em sua atual gestão 'compõem-se de reuniões de homens brancos, muitos deles de viés fascista, onde não se vê o amanhã'. A escritora militante de movimentos sociais aponta sua preocupação com a falta de diálogo com a sociedade e destaca o distanciamento principalmente com a juventude. 'Há que haver um espaço aberto para todos, para as mulheres, para os negros, para os caboclos, para os indígenas, para os LGBTs e a outras fatias da sociedade porventura existentes. Tal não há, no entanto, e se mantém o Instituto Histórico e Geográfico impassível diante de um futuro que já chegou, e quando não se dialoga com o futuro, está-se fadado a morrer', escreveu Urda.

A reportagem entrou em contato com o atual presidente do Instituto, Augusto César Zeferino, mas até o momento da publicação desta matéria não obteve resposta com um contraponto para os apontamentos feitos pela historiadora.

Leia o manifesto na íntegra:

Saibam todos que, nesta data, coloquei no correio carta registrada dirigida à presidência do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, pedindo o meu desligamento do mesmo.

Pertencia a ele desde 22 de novembro de 1991, quando para ele fui indicada pelo queridíssimo embaixador Licurgo Costa, quase centenário então, coisa que naquele momento me encheu de prazer e de admiração e esse pertencimento muitas vezes fez com que o citasse com grande alegria. Este tempo de três décadas que desde então transcorreu, no entanto, foi aos poucos fazendo com que eu olhasse para o referido Instituto com olhos de maior clareza, até chegar a esta data, quando já me é muito incômodo pertencer a tal entidade sem me sentir bastante ferida por ali estar.

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Vejamos o que acontece: o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, mesmo sendo uma entidade mais que centenária neste Estado, bem como outras agremiações que por aqui existem, com mui raras exceções, compõem-se de reuniões de homens brancos, muitos deles de viés fascista, onde não se vê o amanhã. É uma sociedade solidária que vive das glórias do passado, tendo pouquíssimos elos entre o passado e o presente e onde quase nada se vislumbra em direção ao futuro. A cada ano faz-se uma série de reuniões e/ou atividades com pessoas escolhidas dentro do espírito machista, patriarcal, ultraconservador, não-transversal, apresentando as histórias dos heróis e da elite, onde o povo aparece muito pouco e a mulher aparece quase nada, em reuniões estanques, onde se abordam só determinados períodos da História e muito pouco da Geografia. São os membros do Instituto os donos do conhecimento institucional, nada (ou muito pouco) fazendo para criar caminhos para o futuro através de diálogos com a juventude e inserção nos campos escolares.

Neste momento em que vivemos envoltos em brumas, escapando-se delas e bradando em voz alta pelas ruas a cadela do fascismo, não vi nenhuma iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina no sentido de combater tal barbaridade (como outras entidades já o fizeram), pois para tal doutrina não há meio termo ou tolerância: com fascistas não há diálogo, mas combate. Não se trata de se respeitar pensamentos diversos, mas da própria sobrevivência do que de humano há em nós.

Qual a importância de quem não dialoga com o mundo? Para que serve um Instituto Histórico e Geográfico que se fecha sobre si mesmo e só permite a palavra dos que lhe interessam? Em que momento da História que se perdeu a oportunidade de trazer a construção intelectual política, geográfica e territorial de Santa Catarina para que tais campos dialogassem com a sociedade contemporânea? Que se respeite a sociedade, que seja ele um local de conclaves abertos e não apenas de convidados que vão fazer a fala que o Instituto quer. Há que haver um espaço aberto para todos, para as mulheres, para os negros, para os caboclos, para os indígenas, para os LGBTs e a outras fatias da sociedade porventura existentes. Tal não há, no entanto, e se mantém o Instituto Histórico e Geográfico impassível diante de um futuro que já chegou, e quando não se dialoga com o futuro, está-se fadado a morrer.

Não quero estar para esse triste momento fúnebre, no entanto. Assim, nesta data, tomo a iniciativa de me separar do mesmo.

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Palhoça, 05 de Março de 2020.

Urda Alice Klueger