Quando teve seu primeiro poema publicado, lá no começo dos anos 2000, o catarinense Marcelo Labes talvez não imaginasse que se tornaria um dos principais escritores do Sul do Brasil. Com os “acasos” da vida, a literatura foi ganhando papel central em sua trajetória. Natural de Blumenau, o escritor acaba de lançar a mais fresca obra: “Deus não dirige o destino dos povos”.
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O terceiro romance do autor, possibilitado por meio de um financiamento coletivo, é mais uma das narrativas sobre as marginalizações da infância que viveu. Primo próximo de “Enclave” e “Paraízo-Paraguay”, “Deus não dirige o destino dos povos” também se passa no Sul do Brasil.
A história da perseguição dos “comunistas de Blumenau”, em época do golpe militar de 1964, e depois a gigantesca greve operária ocorrida na cidade, em 1989, são os temas centrais da investigação do jornalista Tomáz, personagem principal da obra.
Autor de “Falações”, “Paraízo-Paraguay”, “Três porcos”, “Amor de bicho” e mais alguns, Labes se acostumou a colecionar premiações estaduais e nacionais ao longo do caminho.
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A primeira grande conquista do autor catarinense foi estar entre os finalistas do renomado Prêmio Jabuti, em 2019, com o livro de poemas “Enclave”. Depois, vieram reconhecimentos com seu romance de estreia, “Paraízo-Paraguay”, com o segundo lugar do prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2019, e vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, em 2020, um dos mais importantes do país.
O segundo livro em prosas, “Três porcos”, outro romance histórico, venceu o prêmio que Paraízo havia chegado perto: Melhor Romance do Prêmio Literário da Biblioteca Nacional, em 2021. Com o dinheiro dos prêmios, comprou o apartamento onde vive, em Florianópolis.
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Em Santa Catarina, Deus não dirige o destino dos povos foi lançado oficialmente pelo escritor no início de junho, no Sebo Elemental, Centro de Florianópolis. Antes disso, o escritor lançou a obra em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
O livro está disponível para venda no site da Editora Caiaponte e da Amazon.
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Deus dirige ou não dirige o destino dos povos?
Relendo o manifesto integralista de 1932, que começa exatamente com “Deus dirige o destino dos povos”, Marcelo Labes diz ter achado o nome para a obra. Observando o que acontece a partir do manifesto, passando pela criação e pelo fim do Estado Novo, com Vargas, e pelo final da 2° Guerra Mundial, em 1945, percebeu que “não é Deus quem dirige o destino dos povos, e sim umas poucas pessoas”.
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— E no caso, uma das coisas que eu sustento no romance, é que o integralismo não morre no Estado Novo, como se se apregoou, né? Ele não morre em 45, ele não morre quando o Plínio (Salgado) funda o PRP, não morre com a morte do Plínio, ele não morre nunca. Ele tá aqui ainda.

— Se morre muito no Brasil e se morre muito à toa no Brasil. A gente tem muitas mortes evitáveis, mas muitas delas são mortes ideológicas assim, onde tu vê que existe influência político-partidário em decisões que a gente talvez tenha se acostumado com elas. Parece não haver mais o questionamento de algumas coisas. O “Deus não dirige” é mais direcionado. É também uma tentativa de explicar que aquilo que começa lá na década de 30 (movimento integralista) vai culminar nisso de Bolsonaro, de 2018. São interligados — conclui o autor.
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Financiamento coletivo e Caiaponte Edições
Como uma maneira de viver longe dos editais – que quase não existem ou que desenvolveram tantos documentos que o artista se perde – Marcelo Labes viu no financiamento coletivo uma oportunidade de tornar seus livros realidade.
A primeira experiência foi com “Trapaça”, publicado em 2016. Com o financiamento, a campanha não somente arrecadaria o dinheiro, como o público daria seu aval para a publicação. Se não alcançasse a meta, perceberia que não era o momento de ter um livro novo no mercado.
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O modelo foi repetido com “Deus não dirige o destino dos povos”, que também atingiu a meta estipulada pelo autor e teve 242 pessoas financiando os R$ 20 mil necessários para todo o processo de criação e divulgação. Sua própria editora, a Caiaponte Edições, que possui mais de 15 publicações – inclusive de outros escritores do cenário literário catarinense e nacional – foi palco para a obra.
— É o que se chama de editora independente, né? Eu escrevo e eu publico. Claro, apesar de eu ser meu editor, eu tenho vários leitores beta, pessoas de calibre que leem os meus livros antes de eles saírem. Não é algo que eu só escrevi, fechei o arquivo e mandei pra gráfica. Tem um monte de debate, de briga, de encrenca. O “Deus não dirige”, por ser uma temática política mais localizada, falar de integralismo e tal, ele demorou mais para chegar lá, sabe? Eu inclusive senti que talvez, para mim, seja um modelo que já se esgotou. Preciso ver de qual é.
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Marcelo Labes até aqui
Antes de se tornar o escritor premiado que virou, Marcelo passou por todos os cenários e teve uma carreira de altos e baixos. Em 2008, data da publicação de seu primeiro livro de poemas, Labes era bolsista de audiovisual na Furb, carregando televisão para cima e para baixo.
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Entre trabalhos em vídeo locadoras, 9 anos de assistência administrativa no serviço público de Blumenau e escritas pro projeto “Overmundo”, da Petrobrás, e para o projeto “O Livreiro”, da Globo, o escritor foi desenvolvendo a própria linguagem e ganhando espaço no mundo da literatura.
Com “Enclave”, finalista do Jabuti de 2019, ganhou certo reconhecimento. No entanto, diz ter acreditado na vida de escritor somente com “Paraízo-Paraguay” e com a mudança para os romances.
— Até então era uma correria para conseguir virar o mês. Porque eu já pagava as contas com literatura, né? Mas era sempre no sufoco.
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Labes diz, inclusive, já estar com outra obra em processo de criação, sobre sua formação educacional em um colégio luterano no Rio Grande do Sul.
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— Depois de tantos anos, 22 que eu saí, tá na hora de acertar umas contas (risos). Acho que já passou o tempo necessário, eu tenho coleções de coisas para dizer — disse o escritor sobre “Evangélica”, romance que vai tratar da sexualidade masculina no início da adolescência e que deve dialogar com outro livro seu, o “Três Porcos”.
— Meu psicólogo diz que eu tenho muita sorte de conseguir resolver coisas escrevendo, porque tem gente que escreve tentando resolver, mas não consegue. Às vezes porque não tem coragem de olhar para o problema. Mas daí como eu passo muito tempo olhando para o problema, e pouco tempo escrevendo, acaba que que eu chego lá. Consigo olhar ele por vários ângulos, até porque é uma demanda da narrativa, né?
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Marcelo, por que o personagem principal do livro é um jornalista?
— A gente vive uma crise no jornalismo em Santa Catarina há bastante tempo. Diante da dificuldade que o jornal (impresso) tem diante das mídias eletrônicas, queria colocar um cara que vivesse nisso, no meio dessa crise. Daí o Tomaz, ele trabalha num jornaleco assim, um jornal que é editado no centro, aqueles que tem mais anúncios do que qualquer coisa. Mas ele, ao mesmo tempo, conhece jornalistas de calibre, como o Lucas Figueiredo e outros nomes que aparecem durante o texto. Ele quer ser um desses caras, ele quer ser investigador sabe, quer ser um cara que publica livros. E de repente calha de ele topar com uns documentos que trata da história do livro, e ele não poderia ser outra coisa, ele não poderia ser um acadêmico por exemplo. Porque um acadêmico ia teorizar sobre aquilo. E aí o Tomaz vai lendo e tentando encaixar aqueles fatos todos, para aquilo fazer sentido né, ele tem documentos soltos, tem papéis, tem anotações…. e é por isso que ele é um jornalista. Primeiro porque ele é resistência no meio de um enorme poço de nada que virou o jornalismo investigativo. E ao mesmo tempo ele precisava ter essa sagacidade da pesquisa, de um cara que ‘nossa, então eu tenho isso na mão e com isso eu vou conseguir escrever um livro e ser famoso’. É meio que essa a pira dele.
Você consegue perceber alguma diferença desse livro para suas obras anteriores? No processo de concepção, criação….
— Eu acho que eles são muito diferentes para manter um parâmetro entre eles. Cada um foi escrito em uma fase diferente da minha vida e com propósitos diferentes que eu queria transmitir.
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Como foi seu processo de mudança da poesia para o romance, o que despertou essa vontade, essa necessidade, de deixar de escrever em versos para escrever em prosas?
— Acho que o grande responsável foi o Enclave. Porque ele é um livro muito importante para mim, mas ele ainda é um livro de poemas. São poemas com uma tese, que essa tese discute o Sul do Brasil como o enclave de uma Europa que não existe mais. Como se os imigrantes tivessem chegado no século 19 e aqui tivesse se estabelecido aquela coisa que os seus descendentes mantém né, sem nenhuma atualização…. eles pretendem ser parte da Alemanha, mas a Alemanha ninguém conhece. Como é que eu vou discutir que essas pessoas eram algozes de alguém? Elas não eram. Elas mal saiam do próprio bairro, algumas nunca saíram da cidade. E aí eu entendi que eu não daria conta de fazer isso na poesia. Que para isso eu precisava criar personagens, colocar essas histórias em cima de personagens e ir guiando o leitor através dessas vidas. Depois dos romances, as pessoas passaram a me procurar e contar seus relatos pessoais, de abusos, de violência, histórias familiares…. e aí eu pensei que escrever prosa funciona mesmo, e de uma maneira mais efetiva. Eu nunca parei de escrever poesia, eu escrevo poesia até hoje. Até publiquei um livro, “O nome de meu pai”, que foi publicado depois de eu escrever os romances. Tinha a ver com outra coisa também essa mudança, que era alcançar mais pessoas né. E acho que a prosa faz isso. Porque enquanto a poesia tem seu número limitado de leitores, é um número bem pequeno, a prosa eu consigo alcançar bem mais gente. E de fato, isso deu super certo. Minha prosa alcança mais gente hoje do que minha poesia jamais alcançou.
Você costuma se inserir e inserir as pessoas e os acontecimentos da sua vida nas obras, muitas vezes de forma velada. Até onde vai a ficção e a realidade?
— A memória nos engana. Às vezes eu tenho convicção de algumas coisas, e aí eu escrevo, releio e penso: “pô, mas isso não foi bem assim”. Mas essa é a grande questão, não é para ser bem assim. Tem um outro porém que é: é importante para mim que seja do jeito que eu quero ou é importante pra narrativa que seja do jeito que deve ser? É importante pro leitor? Pra quem que é importante? Como deve ser pra ser importante pra quem? É sempre esse dilema assim…. eu sou mais refém desse dilema do que de outra coisa. Se sou eu ou se é ficção, isso importa menos do que como o texto tá ficando.
Você pensa em prêmios quando está escrevendo um livro? No sentido de mudar a estrutura ou a narrativa porque aquele determinado estilo costuma ser mais premiado.
— Quem faz isso está muito errado. Até porque me parece que o grande barato dos jurados é o novo, sabe? O autoral. O gosto das pessoas não é preponderante sobre aquilo que eu acho que eu devo ou não fazer. E menos ainda prêmio. Prêmio é um negócio que a gente se inscreve e talvez role ou talvez não role.

Confira a sinopse da obra
“Neste romance, conhecemos Tomás, um jornalista mediano que se depara com uma caixa na frente da porta de seu apartamento. Ao abri-la, é enviado para uma história que lhe pertence e que ele ignora: dos campos de batalha da Segunda Guerra à perseguição dos “comunistas de Blumenau”, quando do golpe de 1964, e daí à gigantesca greve operária ocorrida naquela cidade em 1989. O que Tomás precisa é vencer o temor de que algo lhe aconteça enquanto recebe ameaças pelo celular e o assédio de Geraldo, um investigador da polícia que tem estado em seu encalço desde que tudo isso começou. Se persistir, talvez consiga relacionar tantas datas, nomes e siglas ao candidato bizarro que concorre às eleições de 2018, ano em que se passa esta história. E, se der sorte, conseguirá entender o maior partido político do Brasil, que resiste nas sombras.“
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