Quatro escritores, com histórias e vivências diferentes, toparam compartilhar com o Donna sua visão especial sobre o Natal. Os textos de Mário Pereira, Lélia Pereira Nunes, Júlio de Queiroz e Mário Prata são um presente.

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A objetividade é a marca de Júlio de Queiroz. O ex-monge beneditino e autor de “cerca” de 18 livros (ele não sabe ao certo) aceitou o convite na mesma hora. Dois dias depois enviou não um, mas dois textos com uma mensagem de que poderíamos aprovar o que quiséssemos. Por isso, o autor é o único que tem dois contos no site.

Foi bom termo-nos encontrado aqui, na fonte pública, onde todas as mulheres da cidade vêm diariamente. Assim, podemos conversar sem chamar a atenção dos outros.

Nossa cidade é pequenina. Assim, soubemos todos que você estava vindo de Jerusalém, depois que seus pais morreram, deixando você mocinha e órfã. De acordo com a lei e os costumes, você ficou aos cuidados de um parente. E só poderia vir morar com ele, se a ele prometida em casamento.

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Aqui todos nos conhecemos. Esse seu parente, José, é carpinteiro. E, por isso, pobre, muito pobre.

Pense nisso antes de consentir nesse casamento, para não se arrepender depois, por toda a vida. Se aceitar, você terá uma vida muito trabalhosa: será trabalhar de dia para comer à noite. Sei bem do que lhe estou falando. Quando meu marido morreu, deixou-me uma loja. Mas como uma mulher não pode negociar com homens que não sejam seus parentes, tive que arrendar a loja. Recebo todo mês o dinheiro do arrendamento. Ainda assim, tenho que fiar e tecer para fora. Pagam uma ninharia…

Como você já sabe, seu prometido marido já não é jovem. Longe disso, é muito idoso. Toda mulher precisa de um marido que o seja de modo completo. Você sabe do que estou falando, não é? Na idade dele, é quase certo que não consiga ter um filho. Então, as mulheres murmurarão que você é estéril. Os homens a desprezarão. Se você enviuvar cedo – o que é quase certo -, que pai há de querer você como nora, pobre, desgastada pelo trabalho e amaldiçoada com a esterilidade?

Caso lhe dê um filho, é quase certo que ele não viverá para educá-lo na lei e nos nossos costumes. O menino crescerá sem a guia paterna de mão forte, capaz de norteá-lo e, por que não, também castigá-lo quando for preciso? Com crianças, sempre é.

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Sozinho, sem você poder acompanhá-lo, ele crescerá do jeito que lhe agradar e acabará se misturando com as companhias que preferir. Que tipo de gente, minha filha? Sairá pelo país afora, sem profissão, sem sequer uma pedra onde descansar a cabeça, trazendo-lhe muitas preocupações. Acabará atraído para Jerusalém: cidade do templo, mas também de tabernas e de gente de todo tipo.

Que pai de família haverá de querer um rapaz desses para marido de sua filha? Como ele poderá cuidar de você e de sua velhice, minha filha?

Você é jovem e muito bonita. Juventude e beleza são duas riquezas importantes. Mas as duas se acabam muito rapidamente. Nossa cidade tem negociantes estabelecidos, solteiros, capazes de dar felicidade a uma moça como você, bonita e virtuosa.

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Bem sei que nós duas não nos conhecemos e que você possa achar que estou me intrometendo sem autorização na sua vida. Somos, as duas, mulheres. É por saber o que os anos trazem a todas as mulheres que lhe estou falando deste modo. Considere-me como uma parenta sua, como se fosse uma tia, mais velha, que quer ver você feliz.

A mocinha, Maria, sorriu-lhe mansamente de volta. Puxou a bilha que, debaixo de uma das bicas da fonte pública, já transbordava. Colocou-a num dos ombros e começou a subir a encosta fácil que a separava da oficina de seu prometido marido.

Trouxe à lembrança a aparição de poucas semanas antes, e a mensagem que dela havia recebido. Também se lembrou de como havia reagido, dizendo-lhe as palavras brotadas da surpresa: “Faça-se em mim segundo a vontade do Senhor”.

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A tardinha fazia-se quase noite, trazendo a escuridão que iria cobrir Nazaré. Na Galileia.