Eu odeio praia no verão. Eu amo praia em qualquer estação do ano. Explico: não suporto o barulho e a sujeira que vêm com o verão. Sim, sou o verdadeiro chato de galochas. Para mim, praia, e qualquer praia, é um templo sagrado. Lá, prefiro ouvir as palavras sussurradas das ondas ao som que vem de carros e bares, ou de famílias com suas boias e bolsas térmicas.
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Tudo bem, eu entendo que para a maioria das pessoas praia é sinônimo de férias coletivas, curtição, hits na ponta da língua, copos cheios, frango com farofa, celulares à mão. Mas e a harmonia e a paz encontradas tão facilmente ao se sentar em silêncio na areia? E o prazer de uma caminhada ao entardecer sem que seja preciso desviar de copos plásticos, embalagens de picolé e outros mais objetos desconhecidos? Ah, isso fica para as outras estações do ano.
No inverno, a praia deixa transparecer uma beleza tímida, justamente porque transborda um charme solitário à espera de qualquer visitante. Torna-se, aliás, um delicioso lugar para ler um livro. Algo inimaginável no verão, a não ser as poucas – e frustradas – tentativas.
Há também a primavera, que traz consigo o frescor de novos aromas, de um florescer revigorante. E verdes límpidos a escolher, sem óleo nem bitucas. Uma estação tão leve e brilhante que se assemelha às preliminares de amantes sob o luar de uma noite estrelada.
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O verão, no entanto… Sim, faz tempo que ele perdeu a sua magia colorida e os seus amores inesquecíveis. As expectativas comerciais, a ostentação em barcos e beach clubs, as filas do capitalismo e a superficialidade do fast food e dos amores descartáveis tomam conta da temporada, que cairá no esquecimento, logo ali no outono.
Não, o outono não existe. As folhas avermelhadas são a ilusão de uma verdade oblíqua, dissimulada e passageira.
Vive-se assim a era do efêmero, em que não há lugar para o eterno romance entre areia e mar sob o sol da Toscana. O que se vê por aí são apenas gladiadores regozijando-se com aperitivos oferecidos por vendedores igualmente romanos. E pronto. Todos dentro e fora de arenas, pagando por uma hora de uso. Todos dependentes de aplausos e tapinhas nas costas.
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Eu sei, eu sei. Compreendo a dificuldade que muitos têm de apreciar a própria companhia. Encaram isso como solidão e gritam logo por socorro, implorando aos deuses por mais barulho, mais buzinas, mais felicidade. E acaba por se ter a sensação de que sempre falta algo para esta tal felicidade. Afinal de contas, moedas no bolso não compram férias inesquecíveis nem barco branco em mar azul.
Bom, nem o chato aqui nega o desejo de querer mais. Quero um pouco de nada. Quero um punhado de silêncio, uma pitada de brisa do mar, uma colher dos raios do sol ao amanhecer. Quero apreciar o vinho do anoitecer, saborear calmamente a entrada, o prato principal e a sobremesa. Quero a praia toda aos meus pés, só para me sentir pleno e amá-la ainda mais.
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