A notícia que antecedeu o Natal deixou o fim de ano dos integrantes do Aviação Esporte Clube, time de Joinville, sem perspectiva. Isso porque, no começo de dezembro, a instituição recebeu uma ordem de despejo da empresa que passou a administrar o terreno no bairro Vila Cubatão — ao lado do aeroporto de Joinville — e terá de deixar o espaço que ocupa desde a fundação, há 72 anos. A decisão colocou a existência do time em risco e adiou a pretensão de futuro dos garotos que treinam na escolinha e sonham em um dia alcançar a carreira de jogador de futebol.

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O local, além de abrigar o time amador, que existe há mais de sete décadas e disputa a Liga Joinvilense, desde 2012, também passou a ser sede do Ecuador Futebol 7, um projeto que oferece treinamento a meninos de 7 a 17 anos. Henry Alex Azanza, equatoriano que comanda as aulas, conta que mais de 350 jovens estão matriculados e 60% deles são bolsistas, já que são de famílias carentes, que vivem em periferias da cidade, e não têm condições de pagar a mensalidade. 

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Para o treinador, o espaço, para além da prática esportiva, significa uma possibilidade de vida nova às crianças que nem sempre têm oportunidades de driblar as situações que o cotidiano lhes impõe. 

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— Tiramos muitos meninos da rua. Nós atendemos meninos de locais com mau histórico por conta das facções [criminosas], e eu já perdi meninos meus. Meninos que começam a treinar com dez, 14 anos, tem vários que já estão lá no céu. Tendo esse espaço aqui, sabemos que estarão aqui durante a tarde. Tem garoto que já estava lá dentro da criminalidade e eu resgatei, falei: “Vamos jogar futebol”. Eles querem recrutar para o mal, eu quero recrutar para o bem, jogando futebol, fazendo esporte — enfatiza Henry.

Futebol como ferramenta de transformação

Nascido e criado em Quito, capital do Equador, Henry deixou seu país de origem cedo e foi aventurar-se na Espanha a fim de jogar futebol profissionalmente. Ele chegou a compor a categoria de base do Real Murcia Club de Fútbol e disputou a segunda divisão do campeonato espanhol. A carreira, no entanto, foi encerrada cedo, quando tinha 22 anos. 

Após se aposentar do profissional, veio ao Brasil com a esposa, que é joinvilense, e passou a jogar de forma amadora. Em 2006, começou a atuar como atleta amador pelo Aviação e, após deixar os gramados, montou a escolinha. Desde então, nunca deixou o clube. 

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Yuri Santos Souza e Leonardo Pires Ramos, ambos de 15 anos, moram no Jardim Paraíso e são bolsistas no projeto. Os jovens treinam durante a tarde, três vezes por semana, e já saem da escola direto para o campo. 

A oportunidade oferecida pela instituição, para os garotos, é o mais próximo que podem chegar da realização de um sonho: jogar na Seleção Brasileira. 

—  Futebol significa tudo pra mim, me tirou de todos os caminhos do mal — descreve Yuri. 

— Futebol é uma vida pra mim — complementa Leonardo. 

O treinador entende o desejo dos garotos, inclusive já compartilhou do mesmo sentimento. Para ele, que conhece a história de cada um dos alunos, a indefinição sobre o futuro do Aviação e a dúvida do que será desses meninos sem o esporte lhe partem o coração.  

— Fiquei chateado e muito preocupado. Pensamos em tentar resolver, mas como [os donos do terreno] são pessoas grandes, fortes e poderosas, ficamos assustados. É muito triste e cabreiro, porque onde que vou treinar esses meninos? — questiona. 

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Legado ameaçado

O terreno que é sede do clube fica próximo ao aeroporto de Joinville e, atualmente, pertence à CCR Aeroportos, que administra todo o campo de aviação e o entorno. Nelson de Oliveira Cercal, presidente do time, explica que, anteriormente, o espaço de 25 mil metros quadrados era utilizado pela instituição com permissão de uso, já que o local era da prefeitura. Nesta modalidade, a cada 20 anos a licença precisava ser renovada. 

Em 2015, no entanto, o espaço foi doado para a União, mas, mesmo assim, o Aviação continuou utilizando o campo. Posteriormente, a área foi incluída no leilão do aeroporto e, no primeiro semestre de 2021, a CCR, vencedora da concessão, passou a ser a administradora. 

— De lá pra cá, nós viemos conversando e, há um mês, a nova empresa que assumiu a concessão do aeroporto me procurou, mandou um e-mail pra mim. Primeiramente, pediram um contrato e um pagamento por mês de R$ 96 mil de aluguel e mais R$ 9.600 de condomínio. Aí eu dei um retorno pra eles que eu não aceitava, não tinha como. Estamos fazendo um projeto com as crianças e o clube não tem esse dinheiro para pagar por mês, aí eles mandaram outro e-mail informando que eu tinha só mais 15 dias pra ficar no espaço — relata Nelson. 

O presidente conta que frequenta o Aviação desde que se entende por gente. Ele começou como atleta em 1985 e disputou a Liga Joinvilense de Futebol nas séries A e B. Depois, virou treinador e, há 13 anos, atua como presidente. Cadeira esta, inclusive, que já foi ocupada por seu pai, Osvaldo de Oliveira Cercal, o seu Teté. 

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Seu Teté, um dos fundadores do Aviação Esporte Clube, faleceu em 2020 (Foto: Aviação/Divulgação)

Seu Teté, aliás, foi um dos fundadores do Aviação e membros da família Cercal, como filhos e sobrinhos, já defenderam as cores do clube nos gramados. O idoso morava de frente para o campo, atravessava a rua diariamente e dedicava horas de seus dias para manter o local funcionando. 

Ele faleceu em 2020 e, caso tivesse com vida, Nelson diz que não teria suportado a decisão de despejo. 

— Esse campo aqui foi plantado pezinho por pezinho de gramado. Ele [Seu Teté] e mais quatro funcionários da prefeitura plantaram com uma faquinha cada mudinha de grama, pé por pé. Ele construiu todo esse espaço aqui, tudo que tem aqui foi ele quem fez. Depois que ele plantou [a grama], chegava a noite e, com baldinho e regador, molhava a grama pra crescer. A vida dele era este campo, a paixão dele era isso aqui, e receber uma notícias dessas, simplesmente ignorar 72 anos [de história] e dizer assim, ó: “Tem que sair”. É revoltante e triste — exprime. 

Entre a agonia e a fé

Sem a confirmação de que poderá dar continuidade ao legado do pai, Nelson vive entre a agonia da incerteza e a fé de conseguir um novo espaço. Ele diz que até tentou negociar com a CCR para que o Aviação pudesse ficar no local, pelo menos, mais um ano e meio, até que se organizem novamente. No entanto, não obteve uma resposta. 

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A instituição tem se reunido e pedido ajuda para a prefeitura e outros órgãos para resolver a situação. O secretário municipal de Esportes, Douglas Korbes Steffen, que assumiu a pasta no mês passado, disse ter recebido uma “enxurrada” de pedidos para que o Aviação e outros clubes não fechem. Moradores criaram um abaixo-assinado pela continuidade dos campos de futebol do entorno que, além do Aviação, recebem jogos do Teco-Teco e Minerasil. 

O caso chegou até a ser tema de debate na Câmara de Vereadores, mas até o momento não há uma resolução. O que se sabe é que, de uma hora pra outra, o Aviação pode deixar de ter uma sede. Para Nelson, esta possibilidade ameaça a história de um dos clubes mais tradicionais da cidade. 

— Nós sabemos que o espaço é deles, mas eu acho que deveria ter uma conversa entre ambas as partes, nós, a empresa, a prefeitura, o poder público no geral para nos ajudar a termos um espaço, principalmente para as crianças e também para o clube. O Aviação hoje é filiado na Liga Joinvilense, na Federação Catarinense de Futebol, na CBF… É  um clube que há 72 anos tá aí na luta. A minha preocupação maior é onde essas crianças vão parar. Dói meu coração ver elas correndo aqui e amanhã não ter mais isso. 

CCR pretende utilizar espaço para ampliar aeroporto

Por nota, a CCR Aeroportos informou que as instituições ocupam o espaço a 20 mil metros quadrados no sítio aeroportuário sem autorização. A administradora argumenta que essas atividades interferem no plano de expansão do aeroporto, que já está em curso.

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“Por isso, o aeroporto voltou a solicitar a retirada do local”, diz o texto.

Leia a nota na íntegra

A CCR Aeroportos informa que as referidas associações ocupam, sem autorização, um espaço superior a 20 mil metros quadrados no sítio aeroportuário. As atividades interferem no plano de expansão do aeroporto, que já está em curso. Por isso, o aeroporto voltou a solicitar a retirada do local.

A empresa reforça que mantém compromisso com o desenvolvimento social da região norte de Santa Catarina, por meio de ações de estímulo ao esporte (com o patrocínio ao Joinville Vôlei), à cultura (com apoio ao Saltare Centro de Dança) e ao turismo (com apoio à realização de eventos tradicionais, como o Festival de Dança e a Festa das Flores).

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