Há mais de 20 anos, assim que chegou na cidade, Zilma Florêncio começou a participar do Carnaval em Joinville. Ela também trouxe para a festa o marido e o filho, que no dia 25 de fevereiro estariam com ela na avenida Beira Rio, representando a Escola Príncipes do Samba, 12 vezes campeã da competição joinvilense. Mas o desfile das escolas, que até o dia 1º deste mês estava confirmado, não será realizado.
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A decisão da Prefeitura de cancelar os recursos para bancar a estrutura do evento ocorreu a partir de recomendação do Ministério Público de Contas de Santa Catarina (MPC-SC), feita também para outras 15 cidades catarinenses, incluindo São Francisco do Sul. O cancelamento ocorreu faltando apenas 23 dias para a folia, quando muitas escolas e blocos já estavam em etapas avançadas dos preparativos – em 2016, a festa também foi cancelada pelo município, mas em novembro.
– A Prefeitura divulgou sem falar com as escolas, foi bem arrasador – conta Zilma.
– Ficamos chateados. Mas, de uma forma ou de outra, vamos fazer o Carnaval – complementa Nara Ferreira, presidente da Príncipes do Samba.
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O filho de Zilma, Haryan Florencio Schutz, de 14 anos, toca na bateria da escola. Ele acompanhava a mãe na tarde do dia 2 de fevereiro, quando “A Notícia” visitava o barracão da escola para uma reportagem sobre os preparativos para a folia. Aos dez anos de idade, ele já desfilava e este seria o segundo ano tocando tamborim. Hayran também recebeu a notícia com tristeza. Mas, pelo menos, parte da animação poderá voltar no próximo dia 24, sexta-feira, quando a escola promove um grito de Carnaval, na Sociedade Kenia Club, zona Sul de Joinville.
Além do grito de Carnaval, a Príncipes do Samba tem outro evento marcado. No dia 25, sábado, às 18 horas, junto com a Acadêmicos do Serrinha, Unidos pela Diversidade, Unidos do Caldeirão, Dragões do Samba e blocos de rua, a escola participa da folia realizada pelo Mercado Público com promoção da RBS SC. De acordo com Marta Pires Nunes, presidente da Liga das Entidades Carnavalescas de Joinville (Lecaj), haverá barracas das escolas e blocos e apresentação do samba enredo, com bateria, mestre sala e porta bandeira, corte e passistas.
– A ideia é fazer alguma coisa nessa data, depois do empenho de cada escola que está há um ano se preparando. Não vai ser um desfile mas ter uma apresentação pra quem curte o Carnaval – disse a presidente, que na segunda-feira participa de uma reunião para acertar mais detalhes.
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Já a escola Fusão do Samba participará de um outro evento na mesma data, com trio elétrico, no Bar Dock, no Bucarein, a partir das 18 horas. A Escola Unidos do Caldeirão confirmou presença ainda no Carnaval de Garuva, promovido por um empresário da cidade no dia 18. Segundo Jucelio Manoel Narciza, presidente da escola, um desfile também deve ser feito no dia 26 de fevereiro, às 17 horas, na sede da escola, seguido de uma roda de samba com os grupos Levada dos Mulekes e Fato Raro.
Futuro
Marta explica que, para 2018, a Lecaj vai passar por uma reestruturação e a nova diretoria dará os encaminhamentos para o Carnaval do ano que vem. Ela lamenta que as escolas e a liga não consigam captar recursos da iniciativa privada em Joinville.
– Há dificuldade em envolver a comunidade e o empresariado. Temos que buscar outras alternativas, porque está cada vez mais difícil. A gente entende que o Carnaval não é algo setorial, é uma cultura popular. Movimenta a economia da cidade. Os empresários ganham, a cidade ganha. Ainda não conseguimos levar esse espírito para o nosso empresariado – afirma.
Para socióloga, cultura perde
Antes do cancelamento da verba para o desfile, Zilma Florêncio (foto acima), que mora em Araquari, deslocava-se todos os dias para Joinville para ajudar nos preparativos da festa. Neste ano ela iria para a avenida como destaque da escola, com uma fantasia alusiva à Cidade das Flores. Natural de Itajaí e criada em um orfanato em Rio do Sul, Zilma é considerada “os braços direito e esquerdo” da escola, como diz o carnavalesco Jean Smekatz.
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Neste ano, o enredo é uma homenagem aos 30 anos da Príncipes do Samba – antiga Amigos do Kênia -, completados no ano passado. Entre as atrações, os títulos de Cidade das Bicicletas, das Flores e até da Chuva estariam representados na avenida Beira Rio.
É lá no barracão da Príncipes do Samba, onde a escola promove eventos, monta as fantasias e ensaia o samba enredo. Até a notícia do cancelamento do desfile, ocorriam três dias de ensaio por semana, incluindo o domingo, quando acontecia o “almoçaio”. A expectativa era colocar na avenida mais de 300 pessoas.
Para a socióloga e historiadora Valdete Daufemback, o cancelamento do desfile empobrece a cultura de Joinville. Valdete é professora e estudou o Carnaval joinvilense no curso de história.
– Foi um lance de muita agressividade contra as pessoas que se organizam e gostam de Carnaval. Quando o direito do lazer é retirado, a população está sujeita ao descontentamento. Significa deixar as pessoas mais tristes, empobrecer a cultura, tirar uma diversidade cultural. Essa diversidade que faz a beleza de um povo foi boicotada – afirma Valdete.
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A socióloga defende que o joinvilense gosta do Carnaval, mas que há uma ideia de lazer privado em Joinville, onde aquilo que é de rua é visto por alguns com maus olhos. Isso só mudará, de acordo com Valdete, se a população se mobilizar.
– Os movimentos sociais estão apagados, nós não estamos mobilizados. Teríamos que ter pessoas dentro das instituições, para ensinar e estimular as pessoas a serem felizes – defende.
MPC afirma que a decisão é do gestor
Responsável pela notificação enviada às prefeituras de Joinville, São Francisco do Sul e outros 13 municípios, a procuradora Cibelly Farias Caleffi explica que não é do Ministério Público de Contas (MPC-SC) a responsabilidade de vedar a aplicação de investimentos públicos.
Segundo o MPC, os gestores não seriam penalizados se houvesse o repasse, mas poderiam ser responsabilizados se posteriormente tivessem restrições de pagamento de servidores ou de aplicações em serviços considerados essenciais.
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– Não se trata de uma vedação, a decisão é do gestor. Apenas ressaltamos que, diante do quadro de crise que a maioria dos municípios brasileiros enfrenta, não é cabível aplicar recursos públicos em festividades, em detrimento do pagamento de servidores ou de aplicações em serviços essenciais como saúde e educação – afirmou a procuradora.
A notificação ressalta que são considerados ?gastos? com Carnaval as contratações diretas com fornecedores, transferências voluntárias, convênios, patrocínios ou qualquer outra forma que implique destinação de recursos públicos para tal finalidade.
Se o gestor entender que os gastos com Carnaval são cabíveis, o MPC determinou que fosse encaminhada a descrição da despesa, realizada ou futura, contendo valor, objeto, forma de repasse e demais informações.
O MPC diz que trata-se de um procedimento pedagógico para o gestor e que a recomendatória já foi feita em outras ocasiões e que poderá fazer o mesmo em futuros eventos que utilizem verba pública.
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Falta de apoio privado e aperto nas contas
O secretário de comunicação da Prefeitura de Joinville, Marco Aurélio Braga, admitiu que a recomendação do Ministério Público de Contas não foi o único motivo para o governo ter recuado e cancelado o repasse para estrutura do evento.
– Tem alguns fatores importantes. A recomendação é mais um prego na questão do Carnaval – disse o secretário, que nos últimos anos representou a Prefeitura na organização do evento.
Ele explica que a partir de abril pode haver atraso no pagamento do salário de servidores. Por este motivo, a Prefeitura poderia ser responsabilizada se seguisse com o repasse de R$ 80 mil que serviria para pagar a estrutura do desfile das escolas e blocos.
– Não posso ser ingênuo. É óbvio que R$ 80 mil não mudam muita coisa. O problema não são só os R$80 mil. O problema é faltar dinheiro e a gente ter que parcelar o pagamento dos servidores. A arrecadação do município tem caído com muita frequência. Também tivemos as chuvas, com a zona sul atingida. O município estava precisando de recursos.
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Sabendo que o MPC pode fazer a mesma recomendatória em outras ocasiões, o secretário disse que a Prefeitura vai atuar dependendo de cada situação.
– O Carnaval de Joinville começou a ser discutido muito tarde. Isso é um erro. A Festa das Flores não tem recurso público, ela tem a licitação da Expoville para a festa. O Festival de Dança não recebe um tostão da Prefeitura, mas tem o Centreventos cedido. Acontece que as escolas de samba são dependentes do dinheiro público. A Prefeitura não vai passar nenhum dinheiro para o Festival. São situações diferentes. Se a liga tivesse um parceiro privado, nós poderíamos fechar a avenida para realização do carnaval.
Para o secretário, o cancelamento é mais uma prova de que a festa precisa ser melhor planejada. Ele saiu em defesa do evento:
– Hoje, vai ficar difícil para qualquer município bancar o carnaval. A gente considera o Carnaval uma ação importante. A gente sabe que o carnaval divide opiniões, mas é uma manifestação cultural. Nos últimos anos, nós vimos que o pessoal adere ao carnaval em Joinville. Talvez seja a festa popular que mais leve gente para as ruas da cidade. Sabemos da importância. O Carnaval é um evento do município e precisa ser incentivado, ser auto sustentável e ter parceiros privados.
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Programação das escolas de Joinville
Sábado, 18 de fevereiro
19h30 – Carnaval em Garuva
Onde: avenida Celso Ramos, próximo ao sinaleiro, no Centro da cidade.
Sexta, 24 de fevereiro
22 horas – Grito de Carnaval
Onde: Sociedade Kênia Clube, rua Botafogo, 255, bairro Itaum. A entrada custa R$ 10. Quem for de fantasia não paga.
Sábado, 25 de fevereiro
18 horas – Carnaval no Mercado
Local: Mercado Público de Joinville
18 horas – Carnaval Fusão do Samba
Local: Bar Dock, rua Cel. Francisco Gomes, 1046 – Bucarein
Domingo, 26 de fevereiro
17 horas – Desfile da Unidos do Caldeirão
Local: sede da Unidos do Caldeirão, rua Florianópolis, 1180, Itaum
*O estudante participa do programa de estágio do Jornal “A Notícia”.