Por uma hora, os 21 alunos do 9º ano da Escola Municipal Professor Rafael Rech, no bairro Rio Canoas, em Luiz Alves, deixam de lado as mochilas e o espelho de classe para formar um círculo em que todos se veem e interagem entre si. Uma história em quadrinhos conta uma passagem de dois jovens e um dragão que viram amigos. Em post-its, os estudantes escrevem virtudes necessárias para fazer e manter amizades e os colam no desenho de uma árvore seca fixada sobre o quadro. Paciência, cuidado, carinho, gentileza, interesses em comum. Não há ideia proibida: até dinheiro é citado em tom de brincadeira, mas riscado da lista em seguida pelos próprios adolescentes. Apesar da pouca idade, os jovens não têm dificuldade para eleger o que mais faz a diferença na hora de se relacionar e criar vínculos com os colegas.

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As lições fazem parte de uma das 18 aulas do projeto Passaporte: Habilidades para a Vida, que busca trabalhar a educação emocional em escolas do país. A iniciativa é desenvolvida pela Associação pela Saúde Emocional das Crianças (Asec) e é semelhante ao programa Amigos do Zippy, que ensina pequenos de seis e sete anos do ensino fundamental em mais de 30 países a conviverem com a perda e com frustrações e que desde 2009 zerou os casos de tentativas de suicídio e automutilações nos jovens de Luiz Alves. A abordagem, no entanto, é mais ampla com temas como amizade, sentimentos e bullying, e voltada a um público mais velho, a partir dos 11 anos, que estudam entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental, período em que os conflitos são ainda mais intensos.

Luiz Alves foi a primeira cidade do país a implantar em escolas públicas o programa Passaporte, que foi testado por 23 especialistas da Universidade de Quebec, no Canadá, onde já existe há oito anos. No Brasil, o método chegou no ano passado. A escola Professor Rafael Rech, única municipal que tem turmas do 6º ao 9º ano, e as outras três estaduais com estas séries começaram a receber as aulas do projeto no mês passado. Os recursos para o programa vêm do Fundo para a Infância e Adolescência (FIA), da Secretaria de Assistência Social. No total, o programa beneficia aproximadamente 950 jovens.

Liandra Aparecida Pauli e Manoela Natália Rech, ambas de 15 anos, são exemplos de quem já sente os resultados do programa. Amigas há 11 anos, elas participaram do Amigos do Zippy quando pequenas e, hoje no 9º ano, continuam lado a lado na aula do Passaporte. Elas contam que o projeto ajuda em pontos como a convivência e a resolução de problemas entre amigos.

– Eu particularmente consigo reconhecer mais o sentimento dos outros, perceber pela expressão se o outro gosta ou não quando a gente faz alguma coisa. Antes eu ficava mais confusa, agora conseguimos pensar mais no que e em como vamos falar – conta a eloquente Liandra, ao lembrar uma das aulas que abordou o tema amizade.

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Interação espontânea entre os alunos

Na escola de Liandra e Manoela é a diretora Vanessa de Oliveira da Costa quem comanda as aulas do programa Passaporte. Ela conta que ao abordar questões como saber oferecer e pedir ajuda, as primeiras aulas já tiveram como resultado alunos conversando e procurando professores para relatar problemas enfrentados no dia a dia de casa. Os jovens também participam mais das conversas e lições das aulas.

– Na aula normal a gente quer ordem, atenção. Ali a gente deixa claro que não existe certo ou errado, que todos que quiserem podem participar. E eles se sentem mais à vontade para se expressar – conta.

Estratégia é palavra-chave

A secretária de Educação de Luiz Alves, Susana Müller Campigotto, acrescenta que as lições de educação emocional ajudam no combate ao bullying e na prevenção de casos de automutilação de jovens, que passaram a despertar mais atenção de educadores após a febre de um desafio virtual que estimulava essas práticas entre as crianças. Ela reconhece que o programa pode preencher uma lacuna de educação emocional que costuma não ser tão explorada no ensino regular.

A coordenadora do núcleo da Associação pela Saúde Emocional das Crianças (Asec) em Santa Catarina, Rosane Voltolini, defende que na faixa etária dos alunos do Passaporte os jovens já têm uma forma de lidar com os sentimentos, conflitos e situações da vida e que uma característica muito comum é a impulsividade. As aulas ajudam a ampliar o repertório de habilidades e a avaliar o sucesso das escolhas que eles fazem no dia a dia. Para isso, estratégia é quase uma palavra-chave. Tudo para aprender a reagir em cada possível situação de frustração ou conflito.

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– Tem um filtro que eles aprendem a passar e, por isso, o programa reduz criminalidade, índice e tentativas de suicídio, previne casos de automutilação. É eficaz para os jovens que estiverem com problemas instalados quanto para os que não estiverem. É como se fosse um projeto de alfabetização emocional, aprendendo habilidades como identificar sentimentos, encontrar formas de se comunicar o que sente, o valor das amizades, de ajudar os outros, a lidar com injustiças, com mudanças e perdas – detalha.