Quando o sinal do recreio tocava, logo uma fila agitada se formava em frente à porta. Eram cerca de quinze crianças por dia. Elas não estavam em frente à cantina para lanchar, mas em frente à sala de orientação, por terem brigado ou ofendido os colegas de turma durante o intervalo. Essa foi a dura rotina em uma escola de Joinville até a prática de bullying entre crianças e adolescentes se tornar insustentável.

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Entre as crianças, são mais comuns os tapas e empurrões. Já entre os adolescentes, a violência mais praticada é a psicológica, por meio dos apelidos e opressões, com o objetivo de magoar. Em situações mais graves registradas no município, houve relatos de casos de automutilação e tentativa de suicídio, principalmente entre as meninas. As vítimas têm medo de denunciar o agressor e por isso guardam o sentimento, sofrendo em silêncio.

Para mudar essa realidade, desde 2014, foi instituído um trabalho intenso na Escola Amador Aguiar, no bairro Ulysses Guimarães, zona Sul de Joinville. Os professores passaram a abordar o tema de forma interdisciplinar, com leitura de textos, debates, palestras e música.

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– Observamos muito os alunos. Então qualquer mudança de comportamento é detectada. Essa é uma preocupação, porque vemos uma inversão de valores na sociedade: eles acham que é mais feio contar o que o colega fez do que o ato do colega. Acham que é pior que os colegas saibam que ele contou. O ato em si não é considerado tão grave. E isso tem preocupado bastante – afirma a orientadora da escola, Angela Rosa de Lima.

A estratégia da equipe pedagógica tem sido a do diálogo. Conforme a orientadora, o agressor precisa se sentir no lugar da vítima, entender o quanto a magoou. Isso tem sido mais efetivo do que a tradicional “bronca”.

No Colégio Bom Jesus/Ielusc, o método é semelhante. Além dos debates, filmes e palestras, os alunos desenvolvem psicodramas – um tipo de terapia em que as pessoas escolhem papéis para interpretar. Durante a dramatização, os alunos experimentam o sentimento de estar no lugar do agressor ou da vítima.

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Nesta instituição, o projeto de combate ao bullying acontece há mais de seis anos e foi reestruturado em 2014 para atender a todas as crianças, do 4º ao 9º ano. O trabalho envolveu a professora de filosofia, a psicóloga e o orientador educacional. Contudo, foram os alunos quem sugeriram as estratégias do projeto. Uma delas é a caixinha de denúncia anônima de casos de bullying.

Conforme a psicóloga Sara Elisa Silveira, que atua no combate ao bullying no Bom Jesus, é importante oferecer suporte emocional à vítima, conscientizar o agressor, mas, principalmente, a plateia precisa saber o quanto é errado incitar essa violência – que muitas vezes é justificada como brincadeira -, além de destacar a importância de denunciar.

– A dinâmica do bullying é assim: se a plateia se posiciona, o agressor deixa de ter força e acaba não conseguindo mais praticar. Porque o interessante para o agressor é o público, porque o que ele quer é poder. Mas essa é uma dinâmica muito sutil. Por isso, trabalhamos muito com emoção, com o sentimento de se colocar no lugar da vítima – diz Sara Elisa.

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Articulação de combate

Nas escolas municipais o programa O Caráter Conta é praticado desde 2004. O método norte-americano ensina valores como responsabilidade, sinceridade, cidadania, zelo, respeito e senso de justiça entre os jovens. Neste ano, os profissionais do município tiveram um treinamento com a equipe da Virginia State University. O programa deve abranger todas as 84 escolas e 65 centros de educação infantil. Além disso, em novembro de 2015, o governo brasileiro sancionou a lei 13.185, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática.

Apesar de essa articulação combativa ser recente, o bullying é apenas uma nova palavra para práticas que acontecem há muitos anos, entre crianças, jovens e adultos. Por algum motivo, muitas pessoas já sofreram intimidação, humilhação ou discriminação. A estrutura desse tipo de violência é similiar à das outras: uma relação opressora, em que há um agressor em situação de abuso de poder, uma vítima com medo de retaliação e uma plateia que pode legitimar o ato ou interrompê-lo.

Que cidadãos estamos formando?

O orientador educacional do Bom Jesus, Jeison Boegershausen, destaca a importância de não banalizar esse tipo de violência. O bullying não é uma prática recente e nem uma violência isolada. É caracterizado essencialmente, pela sistematicidade da intimidação, como provocar o isolamento de alguém, insultar, bater, perseguir ou assediar. Atitudes que não são vistas como naturais, mas algo aprendido culturalmente.

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Conforme a orientadora Angela Rosa de Lima, há dois fatores principais que motivam os agressores: o ambiente familiar e a personalidade, em menor escala. Nas duas escolas citadas na matéria, por exemplo, foram registrados casos de pais e mães que praticaram bullying contra os filhos. Segundo relatos, as crianças eram chamadas de burras e desestimuladas por terem dificuldade de aprendizado ou notas baixas.

Portanto, a criança aprendeu a chamar alguém de burro quando não se tem um bom resultado em casa. Já a questão da personalidade seria a falta de empatia, de não saber se colocar no lugar do outro.

Para Angela, a questão que se coloca às escolas é: que cidadãos queremos formar? Portanto, têm se tornado cada vez mais presentes nas salas de aula temas como tolerância, respeito e cidadania, para além do conteúdo da matriz curricular.

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– Pensamos que se trabalharmos esses valores básicos, vamos formar cidadãos melhores. O nosso bairro tem um estigma e queremos mudar isso, formando cidadãos exemplares. Estamos plantando sementinhas – diz.