O pastel de berbigão do bar dos Volantes da UFSC, em Florianópolis, está em falta. A tradicional iguaria preparada pelo gerente Silvinho Bonifácio consta no cardápio, mas não está no estoque. Motivo: falta molusco no mercado.
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– Esses dias eu comprei um berbigão do Rio Grande do Sul, mas a qualidade não é boa, tive que colocar fora – diz Silvinho.
Em 2010, por exemplo, o pastelzinho custava R$ 2, mas o preço acompanhou o aumento repassado pelos fornecedores. Neste ano, Silvinho chegou a incrementar o produto, fazendo um pastel maior, para poder vender a R$ 6,50. Agora, pagando R$ 40 pelo quilo de um molusco de qualidade inferior, o lucro encolheu e ameaça o petisco.
O aumento também é observado nos balcões do Mercado Público da Capital. No varejo, o quilo da carne sem concha é vendido também a R$ 40. É a lei do mercado: a oferta dos fornecedores não acompanha a demanda dos comerciantes. Antes, entre 50 a 100 quilos por semana chegavam à região. Agora, a mesma quantidade demora até 15 dias. Outras peixarias conseguem comprar ainda menos, quando dão preferência aos produtores locais: no Box 13 de Manoel Guimarães, compra-se lotes de dois quilos por vez; no 24, o fornecedor vem lá da Praia do Sonho, em Palhoça.
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– Há dois anos, vendíamos por R$ 18 ou R$ 20. Hoje, somos obrigados a dobrar esse preço porque pagamos mais caro – conta Flávio Júnior, da Peixaria Golfinho, que trabalha há 12 anos no Mercado Público.
Analistas estudam causa da redução
O motivo da escassez do molusco em Florianópolis ainda é desconhecido. Sabe-se o período em que começou: fevereiro de 2015, quando os analistas ambientais e produtores da Reserva Extrativista do Pirajubaé, no sul da Ilha de SC, perceberam uma mortandade de 80% em apenas 20 dias. Desde então, a população da espécie não se recuperou. Fenômeno que também foi relatado em locais de extração informais, na Tapera ou no Maciambu (Palhoça).
– Ainda não conseguimos identificar as causas. Chegamos a encontrar um protozoário, que está sendo analisado, mas é cedo para afirmar se foi uma enfermidade, um fenômeno externo ou a soma de vários fatores – explica a professora Aimê Rachel Magenta Magalhães, do Departamento de Aquicultura da UFSC.
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Aimê coordena uma investigação em conjunto com Instituto Chico Mendes (ICMBio), gestor da reserva extrativista, e Secretaria Municipal de Pesca, Maricultura e Aquicultura para descobrir as causas da mortandade e garantir a recuperação da população de berbigão na Capital. Uma das propostas é tentar consolidar um sistema de cultivo concomitante ao de extração, para que as espécies nativas consigam se reproduzir a tempo.
– Enfrentamos dificuldades, já que as espécies cultivadas, que não se reproduzem, também são muito sensíveis às variações de temperatura entre o inverno e o verão – explicou o secretário da Pesca, William Costa Nunes.
A escassez do molusco também ameaça a tradicional festa do Berbigão do Boca. O famoso evento de Carnaval que ocorre no Centro de Florianópolis sofrerá com a alta do preço, já que a organização distribui 100 litros de caldo de berbigão de graça para a população. O prato leva 40 quilos do produto, fora o concurso gastronômico, em que cada chefe é responsável pelos seus próprios ingredientes.
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– No ano passado, muitos cozinheiros já importaram berbigão de outros Estados. Já a gente sentiu que o preço subiu bastante, mas conseguimos comprar daqui de Florianópolis. Para se ter uma ideia, em 2004 o quilo custava R$ 5. Agora vamos ver como vai ficar – disse o diretor financeiro da festa, Leonardo Garofallis, o Nado.
Famílias abandonam extrativismo na região
Quem mais sofre com a falta do molusco não é o consumidor que aprecia um pastel recheado ou um caldinho de berbigão, mas o catador. Muitas das famílias que trabalham na reserva do Pirajubaé acabam recorrendo à pesca de outras espécies como o peixe parati e o camarão, nativos do local, ou até mesmo a trabalhos informais, como faxina. Para auxiliar o grupo, a administração municipal chegou a enviar à Câmara proposta de orçamento para 2017 com auxílios aos maricultores para casos como escassez, perda de materiais e reconstruções de ranchos.
– Eles são duplamente marginalizados. Dependem da atividade, mas não podem recorrer a um trabalho formal, com carteira assinada, sob o risco de perder a licença – explica a analista ambiental do ICMBio, Laci Santin.
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A especialista diz que não há números precisos sobre a queda na produção. A Univali monitorava o volume da biomassa de berbigões, mas antes da mortandade de 2015 o convênio havia terminado. Agora os pesquisadores retomarão a análise de forma voluntária a partir de dezembro. Mas alguns números conseguem passar uma noção do cenário: antes de 2015, a produção normal envolvia 23 extrativistas cadastrados que catavam de 200 a 300 quilos de berbigão diariamente. Hoje, são 15 cadastrados, mas no máximo quatro trabalham para extrair a mesma quantidade por semana. O que era considerada uma mortandade normal de 20%, inverteu-se para 80%.
– O esforço de pesca é muito grande para um retorno muito baixo. É lamentável, pois não é apenas uma atividade econômica, mas cultural – diz Santin.