Os mais espirituosos costumam dizer que o câmbio foi inventado para humilhar economistas – e tem sido assim durante a pandemia do coronavírus. Em meado de abril, as projeções ainda discutiam a sustentação do dólar cotado a R$ 5. Foi apenas nesta segunda (4) que o boletim Focus do Bando Central (BC), que reúne as projeções das principais instituições financeiras, abandonou a casa dos R$ 4 para o fim de 2020. Na semana passada, analistas e economistas apontavam a impossibilidade matemática de a cotação chegar a R$ 6.
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Nesta quinta (7), o dólar fechou a R$ 5,8360, alta de 2,3%. Está a R$ 0,164 de chegar ao patamar simbólico de R$ 6 -e a R$ 2,02 de bater o recorde de maior alta real (que leva em conta a inflação). O turismo está a R$ 6,09.
A escalada da moeda americana contrariou também as projeções do ministro da Economia, Paulo Guedes. Há apenas dois meses, em 5 de março, os R$ 5 pareciam distantes quando o ministro Guedes disse que o dólar iria a este patamar caso "muita besteira" fosse feita. Àquela época, o dólar estava a R$ 4,65.
"Pode chegar a R$ 5? Ué, se o presidente pedir para sair, se todo o mundo pedir para sair. É um câmbio que flutua, se fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível", disse Guedes na ocasião.
Agora, os R$ 6 são uma possibilidade cada vez mais real.
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"Os R$ 6 são palpáveis, já estão na nossa cara. É bem provável que chegue e pode até ultrapassar", diz José Falcão, analista de investimentos da Easynvest.
O avanço rumo ao novo patamar veio após o Banco Central cortar a taxa básica de juros de 3,75% para 3% ao ano na quarta (6), uma redução maior do que a esperada pelo mercado.
O recorde do dólar, porém, é nominal, ou seja, não leva a inflação em conta. Em 2002, entre o primeiro e o segundo turno das eleições que levaram Lula à Presidência, a moeda dos EUA foi ao recorde de R$ 4,00 durante o pregão – fechou a R$ 3,99. Hoje, corrigido pela inflação brasileira e americana, esse valor equivale a cerca de R$ 7,86.
Mudanças no Governo e crise do coronavírus
A saída de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, do governo de Jair Bolsonaro e suas implicações políticas agravam a turbulência em Brasília, que vive uma crise entre o Executivo e demais Poderes, com a pandemia de coronavírus e a crise econômica em decorrência dos esforços para contê-la como pano de fundo.
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"A soma de inércia econômica com risco político parecem não arrefecer e trazem o dólar mais para perto de R$ 6 do que de valores de outrora", diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
"Nada é impossível no cenário que estamos vivendo. Tudo está contribuindo para o câmbio pressionado. Não descarto a possibilidade de chegar a R$ 6", diz afirma Cristiane Quartaroli, economista do banco Ourinvest.
Nesse cenário, o dólar acumula alta de 45% em 2020, o maior salto desde 2015, ano em que a moeda subiu 49%. Dentre todas as divisas globais, o real é a que mais perde valor em 2020.
Há quem veja, contudo, maior probabilidade de queda do dólar. "Acredito que não chega a R$ 6. Mas não vejo tanta força para chegar lá por enquanto. Claro, se não houver mais nenhuma surpresa", diz Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio da Frente Corretora. Ele aponta que a alta foi muito acentuada e "nem tanto racional".
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"Essa alta é muito grande, não é trivial. Ir para R$ 6 ou para R$ 5,5 é muito rápido e muito fácil, mas apostar em novas altas é um risco. Pode chegar aos R$ 6, mas também pode voltar ao R$ 4", diz Michael Viriato, professor de finanças do Insper.
Ele aponta que, como a alta é expressiva, fica menos provável que o dólar siga esta tendência.
"O Brasil começa a ficar muito barato, o que pode atrair o investidor estrangeiro. Mas, neste momento, com aversão a risco elevada pela pandemia, ele se retrai."
Estrangeiros têm retirado os investimentos do país desde 2019, o que contribui para o dólar em alta. Na Bolsa são R$ 114,8 bilhões a menos de aportes estrangeiros de janeiro de 2019 a esta segunda (4), segundo dados da B3.
Eles também saem da renda fixa, com renovações da mínima histórica de juros que deixa carry trade – prática de investimento em que o ganho está na diferença do câmbio e do juros – menos vantajoso.
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