Dois países muito diferentes, mas igualmente ricos em sua tradição folclórica e identidade cultural, a Argélia e o Equador encerram hoje a série que, nas últimas seis semanas, apresentou um pouquinho da cultura dos países que visitarão o Estado durante o Mundial.

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O verbo é esse mesmo, visitar: se a Argélia, assim como a Argentina, a Holanda, a França e as demais nações selecionadas neste projeto vão jogar na Capital, o Equador escolheu a Região Metropolitana para montar seu quartel-general – é o único dos 32 países visitantes a se fixar no Rio Grande do Sul.

Dica para falar com um equatoriano flanando por aqui: pergunte a ele o que há de real na história relatada no mítico viral da internet de 2006 Torres Gemelas (clipe da música homônima citado no Top 5 abaixo), que o cantor Delfín teria dedicado à mulher morta no ataque terrorista aos EUA em 11 de setembro de 2001.

Da Argélia vem outro fenômeno da música universal, bem diferente, porém de popularidade igualmente gigantesca – Khaled. Mas, você vai constatar a seguir, da filosofia à arte contemporânea, do cinema à literatura de caráter político, a diversidade cultural dos dois países é enorme e transcende estereótipos e, até mesmo, restrições geográficas.

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EQUADOR

> Um momento-chave da produção cultural equatoriana se deu com a chegada do Movimento Construtivista ao país, nos anos 1930, pelas mãos do pintor nascido em Paris Manuel Rendón Seminario (1894 – 1982). O Equador foi uma das portas de entrada do movimento na América Latina, assim como o Uruguai de Joaquín Torres García. Entre os discípulos de Rendón Seminario estão Aníbal Villacís, Félix Arauz e Oswaldo Viteri. Vários outros artistas equatorianos são considerados relevantes na história da arte latino-americana do século 20, entre eles Caesar Faini, José Carreño e Leonardo Tejada – todos posteriores à efervescência causada pelos construtivistas.

> Em 2010, três filmes equatorianos chamaram a atenção no circuito internacional. Prometeo Deportado, longa de Fernando Mieles, liderou a onda, falando do tema mais recorrente na cinematografia local nos últimos tempos: a imigração (calcula-se que 3 milhões de pessoas, ou 22% da população, saíram do país para tentar a sorte em outros lugares). Zuquillo Express, de Carl West, e Rabia, de Sebastián Cordero (este com a mão de Guillermo del Toro na produção), são outras duas produções que tratam do mesmo assunto. Cabe ressaltar, no entanto, que a produção equatoriana é ampla, tanto pelos temas abordados quanto pelas propostas estéticas – vide títulos como o road movie A que Distância (de Tania Hermida, 2006), o documentário familiar Com Meu Coração em Yambo (María Restrepo, 2011) e o novíssimo drama juvenil Feriado (Diego Araujo, 2014), exibido no Festival de Berlim deste ano.

> É riquíssimo o folclore equatoriano, particularmente no que diz respeito a danças e ritmos musicais construídos a partir do encontro da cultura de matriz andina-amazônica com a bagagem trazida pelos imigrantes europeus e os escravos africanos. O pasillo, o sanjuanito e o albazo são mais do que manifestações típicas da região – são símbolos nacionais do Equador (o pasillo também é presente na vizinha Colômbia, ressalte-se). E o sanjuanito, que “se baila y se escucha” também no Peru, depende basicamente de instrumentos autóctones do Equador, entre eles as variações locais da quena e da flauta de pã, típicos dos países dos Andes. Mudando o registro, mas seguindo na música: o Equador tem muitas bandas de rock de grande penetração nos países da América hispânica, especialmente a partir dos anos 1990, com o advento da MTV latino-americana e das emissoras de rádio que transmitem para todo o continente. Alguns exemplos: Biorn Borg, Can Can, Guerreros de Cartón e Guardarraya.

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> O Equador tem uma cena importante de arte contemporânea, e não apenas em Quito e Guayaquil, os dois maiores municípios do país. A cidade histórica de Cuenca, povoada desde 500 a.C. (e que hoje tem 329 mil habitantes), por exemplo, sedia uma importante Bienal de artes visuais. Na Bienal do Mercosul, realizada em Porto Alegre, o Equador é habitué: Manuela Ribadeneira trouxe para a oitava edição, em 2011, a instalação Hago Mío Este Territorio; no mesmo ano, artistas do coletivo Ceroinspiración estiveram no Atelier Subterrânea; e o jovem Anthony Arrobo trouxe para a nona, em 2013, a escultura Crime Perfecto. Entre outras ilustres visitas.

TOP 5

(alguns ícones culturais equatorianos)

> A “Rainha da Canção Nacional”: Carlota Jaramillo (1904 – 1987)

> O “Rei do YouTube”: Delfín, cantor de Torres Gemelas cujo imperdível videoclipe de 2006 ganhou fama universal ao referenciar os ataques de 11 de setembro de 2001.

> Um cineasta equatoriano habitué dos grandes festivais de cinema: Sebastián Cordero, que levou Ratas, Ratones, Rateros (1999) a Veneza e Crónicas (2004) a Cannes e Sundance.

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> Uma preciosidade do patrimônio cultural universal: o centro histórico de Quito, eleito pela Unesco Patrimônio da Humanidade, com mais de 50 capelas, igrejas ou conventos.

> Outra: o Muro das Lágrimas, erguido por presos, vários deles políticos, numa das ilhas do arquipélago de Galápagos.

ARGÉLIA

> A produção literária e filosófica pied-noir (das áreas de colonização francesa no norte da África) é enorme, ainda que seja difícil encontrar autores traduzidos para o português. Entre os muitos escritores argelinos de relevo, destaque para Kateb Yacine (1929 – 1989), autor de Nedjma, Malek Bennabi (1905 – 1973), de Les Conditions de la Renaissance, Assia Djebar (que tem 77 anos), de Les Enfants du Nouveau Monde, e Yasmina Khadra (59 anos), de L?Attentat. Hélène Cixous, 77, é filósofa como o colega Bennabi e uma importante teórica do feminismo, como Djebar. É discípula de Freud e Derrida e assina, entre outros, o referencial Le Rire de la Méduse (1975).

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> Cheb Khaled, ou simplesmente Khaled, fez muito sucesso no Brasil quando sua música El Arbi integrou a trilha sonora da novela global O Clone, entre 2001 e 2002. Ele, a cantora Cheikha Rimitti e o cantor Rachid Taha são apontados como os três nomes de maior projeção do raï, música popular folclórica da Argélia e de países vizinhos, especialmente o Marrocos. Rachid Taha é conhecido por aproximar o raï do rock (ele tem uma versão muito popular de Rock the Casbah, do The Clash), enquanto a cantora Souad Massi faz canções com apelo pop, e a banda Raïna Raï, com elementos eletrônicos e dançantes. Tudo com grande popularidade no país, nos vizinhos Tunisía e Marrocos e, em alguns casos, em nações do Oriente Próximo e na França. A tradição musical argelina é mais ou menos assim: dialoga com a música do mundo, mas mantém um pé firme na tradição folclórica local, sobretudo a de influência árabe.

> Albert Camus (1913 – 1960) é provavelmente o argelino mais reconhecido na história da arte – literária, no caso. Sua trajetória de superação (teve infância pobre, quase sucumbiu à tuberculose, lutou na II Guerra, alcançou a consagração na França) espelha a história do próprio país, povoado inicialmente por bereberes do norte-africano, depois dominado por árabes e, a seguir, franceses – sua independência se deu apenas nos anos 1960. O estilista Yves Saint Laurent, o ator Daniel Auteuil, o filósofo Jacques Derrida e o cantor Étienne Daho são alguns nomes de vulto da cultura francesa nascidos na Argélia. São coproduções entre o país do norte da África e nações europeias (especialmente a França, bien sûr) desde filmes históricos, como A Batalha de Argel (do italiano Gillo Pontecorvo, 1966) até contemporâneos como Fora da Lei (do francês Rachid Bouchareb, 2010). Tudo isso para dizer que: ao tentar mapear a produção cultural argelina, é difícil não levar em conta que boa parte desta produção se deu em regime de colaboração com seus colonizadores.

> Na recém-finalizada terceira edição do Olhar de Cinema – Festival de Cinema de Curitiba, três longas da Argélia foram destaque: Revolução Zanj, de Tariq Teguia, Chantier A, de Lucie Dèche, Karim Loualiche e Tarek Sami, e Malditos Feijões, de Narimane Mari (os três de 2013). O diretor do primeiro já ganhou o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza (com Inland, de 2008). É um dos grandes nomes do cinema argelino atual, junto a Mohamed Hamidi (de Né Quelque Part), Yamina Bachir (Rachida) e Abdelkrim Bahloul (Le Soleil Assassiné). Entre os cineastas históricos, destaque para Mohammed Lakhdar-Hamina (Crônicas dos Anos de Fogo, 1975) e Ahmed Rachedi (Ali no País das Maravilhas, 1981).

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TOP 5

(Alguns ícones culturais argelinos)

> Um autor censurado no país e premiado no Exterior: Boualem Sansal, de Le Village de l?Allemand (2008).

> Uma escritora ativista reconhecida internacionalmente pelo trabalho em defesa dos direitos humanos: Ahlam Mosteghanemi (nascida na Tunísia mas naturalizada argelina).

> Um intelectual morto em uma das muitas guerras na Argélia: O escritor Tahar Djaout, vitimado aos 39 anos durante a “Década Negra”, ou a Guerra Civil Argelina (1991 – 2002).

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> Um filme argelino indicado ao Oscar de melhor longa estrangeiro: Dust of Life (1995), do francês descendente de argelinos Rachid Bouchareb.

> Alguns pintores de um país cheio de pintores reconhecidos: Bachir Yellès, M?hamed Issiakhem, Mohammed Racim e Baya.