Às 9h desta quarta, fantasiado de americano – bermuda cargo, mochila, tênis, camiseta da Universidade do Missouri e a pele pálida como cera -, saí do hotel, na Praia de Iracema.
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A história que eu contaria pelo caminho: sou um jornalista cobrindo a semifinal desta quinta, entre Espanha x Itália, e quero ir ao Mercado Central comprar um presente para a namorada (o final é verdade, Ananda). Uma linha reta de três quilômetros pela praia até o Centro.
Logo ao sair do hotel, na Beira-Mar, encontrei três agentes de trânsito de Fortaleza descansando à sombra. Não falavam inglês, mas entenderam o “Mercadow” mais macarrônico que consegui dizer. “Go, go”, diziam, apontando para o lado do Centro.
Em seguida, aproximou-se um grupo de estudantes com cartazes – um deles, em inglês, dizia “colabore com nossa semana cultural”. Parecia alguma tarefa do colégio, mas não sei por que, apesar do cartaz, nenhum entendeu o que perguntei. A não ser, é claro, “mercadow” e “centrow”, que repeti depois de desistir da conversa.
– This way? – perguntei, apontando para o lado errado.
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– No, vai pra lá – respondeu um deles, que acabou ganhando dois pilas.
Três cabras com um distintivo que misturava as bandeiras brasileira e americana na camiseta me aguardavam 100 metros adiante, em frente a um píer. Vendiam um passeio de barco. Quando falei “english?”, correram a chamar um colega.
– Aqui, o gringo quer informação.
– Speak more or less (falo mais ou menos) – já chegou avisando o escalado para falar comigo.
A resposta foi nova: pro mercado, tome o ônibus. Caça e Pesca era o nome da linha, e isso jamais um estrangeiro entenderia, então ele escreveu nas costas do recibo para o barco, me apontou o ponto e até me disse a cor do ônibus. Pena que errada – confundiu red (vermelho) com blue (azul).
– No walk, very calor – aconselhou.
É, mas pegar ônibus seria muito sem graça, e todos sabem que turistas gostam mesmo é de caminhar. Então segui em frente, até um centro de atendimento ao turista, à beira da praia. Ali, Ilza de Oliveira, 19 anos, falava um ótimo inglês. Me explicou como chegar ao Mercado e me encheu de panfletos, livrinhos e outros badulaques turísticos.
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– É como um Y a rua, olha aqui. É só passar o Dragão do Mar – disse, apontando num mapa e me mostrando uma foto do tal Dragão do Mar, um centro cultural.
Sorte não ter me mostrado uma foto do Mercado, porque eu teria desistido. Numa cidade de 287 anos, um mercado público ser um prédio branco, moderno e sem graça é um acinte ao turista. Descobri isso quando passei pelo tal dragão, não antes sem me perder nas ruas estreitas e ser levado pela mão pela funcionária da lojinha do centro cultural até a rua certa – o que me informou em português, sem constrangimento.
Nas ruas de Fortaleza, “turista americano” contou com a gentileza dos moradores para conseguir chegar ao Mercado Central.
Dentro do mercado, a língua universal do comércio fala alto. Quer coco? Diz one coco e entrega uma nota de R$ 2. Comprar uma água foi confuso, mas a meu favor: a vendedora não tinha troco e, como eu dera minhas notas de R$ 2 para os estudantes e no coco, abanei com uma de R$ 20. Ela repetia “trocadinhu! trocadinhu!”, mas lembrem: eu não entendo português, então eu abanava de volta. Mas nada de perder a venda: dona Maria do Carmo fez com o dedo um gesto de moedas. Contei as minhas, tinha R$ 1,85, abanei de novo com os vinte. Ela me deu a água, pegou as moedas e sorriu.
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– Não tenho troco. Vá com Deus.
Fui é para o balcão de informações, perguntar como se faz para ir ao Beach Park ao tradutor oficial do mercado, seu Silvano. É que Bruno, que vendia o passeio, não falava inglês. Seu Silvano também não muito, mas o suficiente, e sempre rindo do improviso.
– Diz para ele que nesta praia do folheto filmaram muitas novelas da Globo – dizia Bruno.
– Many opera soaps – repassava Silvano, invertendo o termo e dando gargalhada.
Eu estava rindo junto, até chegar uma loja de chapéus de couro. Ali, o vendedor falava um pouco de inglês e quase me empurrou um chapéu de Lampião carteira abaixo. Reduziu o preço de R$ 75 para R$ 50, e não desistiu nem quando expliquei que estava atrás de presente para a namorada.
– She likes! – continuava.
Sou americano mas não bobo, e não embarquei na dele. Levei outra coisa (não dá para colocar no jornal, só chego em casa na sexta-feira, e surpresa é surpresa). E saí com a certeza: ser uma cidade turística há décadas não fez muita gente aprender inglês em Fortaleza – mas negociar e tratar bem, isso eles sabem.
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