A largada foi dada e a corrida eleitoral começa oficialmente neste domingo, dia 27, com a liberação das campanhas na internet. Candidatos a prefeito, vice e a vereadores dos 5.570 municípios brasileiros poderão usar a web para apresentar propostas e se aproximar dos eleitores, em busca do voto na disputa eleitoral deste ano.
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Com as restrições sociais impostas pela pandemia do novo coronavírus, a campanha eleitoral deste ano vai reforçar ainda mais a presença dos candidatos no mundo digital. E, infelizmente, certamente haverá quem tentará aproveitar o universo da internet para produzir e compartilhar notícias falsas e desinformação. Especialista na área, o jornalista Sérgio Lüdtke conversou com a reportagem para falar sobre esse momento.
– As pessoas recebem a informação e se elas acham interessante elas passam adiante. Muitas vezes até achando que estão fazendo o bem. Elas não foram preparadas para isso – diz sobre o comportamento das pessoas nas redes sociais.
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Entre as muitas experiências no jornalismo, Lüdtke é um dos líderes do Projeto Comprova, uma coalizão de diversos meios de comunicação para verificar conteúdo falso na web. Ele falou sobre o que podemos esperar da campanha, deu dicas sobre como agir ao se deparar com alguma informação suspeita e alertou para a necessidade de um esforço em conjunto para superarmos a batalha contra a desinformação:
– As pessoas têm que sentir essa responsabilidade, que elas têm parte na desinformação.
Confira na entrevista a seguir:
Com as diversas restrições sociais impostas pela pandemia, a campanha eleitoral deste ano deve reforçar ainda mais a presença dos candidatos no mundo digital. Você acredita que o eleitor está preparado para fiscalizar e denunciar possíveis abusos e irregularidades?
Não. Acho que o eleitor está longe de estar preparado. A gente vê a politização da internet no Brasil desde 2013, naqueles movimentos todos que tomaram as ruas em junho, defendendo diversas causas, diversas bandeiras. Eles migraram para a internet. Na internet, eles foram ganhando adeptos, foram conseguindo seguidores, esses grupos foram montando suas próprias bolhas. Depois a gente teve a Lava-Jato, que trouxe um ingrediente moral para as discussões políticas na internet.
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Tivemos um impeachment (da ex-presidente Dilma Rousseff) que dividiu mesmo, uma polarização mais forte. Então, esses grupos todos foram de alguma foram se vinculando a grupos políticos muito polarizados, e gente tem um ingrediente importante para isso, que não é de agora, que é o fim do financiamento das campanhas eleitorais por empresas. Isso que devia ser algo para a gente louvar e deu importância para todos os grupos que estavam organizados, mas na internet haviam muitos. Então, essa segmentação toda que essas bandeiras, essas causas acabaram representando foi um prato cheio para a política. Tanto que é que a gente terminou a eleição, a polarização continuou e essa polarização sequestrou inclusive os temas da pandemia deste ano.
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A gente tem uma discussão que deveria ser sobre saúde que está absolutamente vinculada à política. E as pessoas continuam, por mais que se fale em desinformação, por mais que se chame a atenção delas, elas continuam compartilhando coisas que elas acreditam, porque, obviamente nem todo mundo faz isso por quer causar algum tipo de dano ou manipular o ambiente de informação, mas muita gente não tem conhecimento. É impossível que a gente tenha conhecimento sobre tudo. E muitas vezes se agarram em alguma esperança, alguma crença que já tenham com antecedência e vão aceitando muito facilmente essas narrativas.
As narrativas falsas sempre se baseiam num ponto de verdade, sempre tem um ponto de verdade. Elas têm que ser verossímil, para as pessoas acreditarem. E a verdade é que as pessoas se deixam enganar, se deixam enganar na pandemia, se deixaram enganar muitas vezes nas eleições passadas e vão se deixar enganar novamente agora.
No próximo domingo, dia 27, temos o início das campanhas, inclusive na internet, com os candidatos que vão disputar a prefeitura e cadeiras nas câmaras de vereadores dos 5.570 municípios brasileiros. O que podemos esperar nas disputas deste ano, pensando na questão das mídias sociais?
A gente tem um universo enorme de municípios no Brasil, mais de 5,5 mil. Seis em cada 10 deles não têm nenhum veículo de informação que produz informação local, jornalística. Então, esse é um ambiente em que os aplicativos de mensagem, o WhatsApp, e as redes sociais acabam ocupando o espaço do jornalismo, que olhe os dois lados, que ouve várias fontes, que faz uma apuração técnica, que tem uma ética para fazer isso. Esses lugares estão completamente a mercê da desinformação. Não tenho nenhuma dúvida disso.
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A gente tem mais dois em cada 10 municípios no Brasil que deve ter um a dois veículos, às vezes vinculados ao poder municipal e não fazem a fiscalização do poder como deveriam fazer. Então, a gente tem um jornalismo que está depauperado, que perdeu espaço e confiança. Vivemos uma crise de confiança. O jornalismo, que é o contraponto à desinformação, a melhor vacina, precisa que a sociedade o apoie e volte a ganhar confiança.
Não há tempo para que isso aconteça antes das eleições. Esse é um processo demorado. E a desinformação ela já está estabelecida, porque os grupos de WhatsApp estão aí, as pessoas já seguem uma determinada bolha porque os algoritmos todos das plataformas acabaram provocando isso, então as pessoas têm muita dificuldade em aceitar o contraditório, de aceitar qualquer questionamento às suas crenças, às suas convicções, e a gente tem muito pouco tempo para reverter isso. Reverter essa situação que foi criada nos últimos anos é um trabalho para décadas, talvez. Nós vamos ficar a mercê disso e não tenho nenhuma dúvida que em muitos lugares as pessoas vão se sentir traídas depois, porque vão escolher governantes caindo talvez em alguma ilusão que eles ou seus seguidores tenham plantado.
A Justiça Eleitoral está preparada para fiscalizar possíveis irregularidades no ambiente virtual?
Acho que ninguém está preparado. A Justiça tem feito o trabalho de chamar a atenção. É importante. A gente chamando a atenção, a gente muitas vezes não resolve problemas específicos, assim como as agências de checagem não resolvem o problema da desinformação, sozinhas não resolvem, mas elas têm esse papel de chamar a atenção das pessoas para um problema. E esse problema é um problema da sociedade. A sociedade tem um problema sério de desinformação, nós todos estamos formando opiniões em cima de desinformação e tomando decisões em cima de desinformação. O voto é uma tomada de decisão.
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Então, tanto a Justiça, que tenta fazer esse papel de chamar a atenção pra isso, os veículos de impressa tentando chamar a atenção pra isso, as agências de checagem tentando chamar a atenção pra isso, fazem o papel importante que é o de alertar as pessoas: “Olha, talvez aquilo que você esteja recebendo com essas e essas características não seja correto, procure buscar uma informação mais confiável, procure outras fontes, de repente fontes que contradizem isso podem ser interessantes”.
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Mas as pessoas não foram preparadas para esse novo cenário que a gente tem. O jornalista faz uma faculdade, ele aprende sobre como fazer uma apuração, sobre qual é a responsabilidade que ele tem com a informação que ele está passando adiante, ele tem um processo de apuração que vai redundar num relatório, numa reportagem e isso vai para o público. As pessoas comuns recebem a informação e se elas acham interessante elas passam adiante. Muitas vezes até achando que estão fazendo o bem. Elas não foram preparadas para isso.
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E todo mundo se transformou numa mídia. Eu tenho a minha audiência nas redes sociais em que estou presente, a minha vizinha aqui do lado tem a audiência dela, a gente fala e de certa forma influencia. Porque a gente tem um poder de influência que pode ser restrito no número de pessoas, mas ele é importante pela qualificação disso. As pessoas que nos seguem, que são próximas e confiam na gente, tendem a confiar naquilo que a gente compartilha.

Em campanhas eleitorais, de uma maneira geral, quais são as notícias falsas mais recorrentes?
Têm cinco fatores importantes. O primeiro: a desinformação sempre segue a agenda pública. Não vai ter um boato sobre pesquisa circulando se não houver notícia de que uma pesquisa vai ser divulgada hoje ou uma pesquisa foi recém divulgada. É como se ela prestasse atenção no que as pessoas estão falando, mas elas não têm informação o suficiente para aquilo e essa desinformação ela avisa. Às vezes é um discurso de um político, às vezes é um acontecimento ou algo que está na agenda mesmo. Muito cuidado com esses temas que viralizam de imediato. Por exemplo: o Bolsonaro faz um pronunciamento sobre cloroquina, as coisas falsas sobre cloroquina – tanto de um lado quanto do outro – surgem naquele momento, enquanto as pessoas estão falando daquilo.
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Outro fator é a parte de verdade. Sempre tem uma parte de verdade, que é o que faz com que a desinformação se conecte com as pessoas. Não à toa, vários sites que produzem desinformação têm nomes de site de notícias: jornal disso, diário daquilo, gazeta daquele outro e tal. E usam narrativas que parecem narrativas noticiosas. Se fazem passar por notícia para capturar um pouco da confiança que os meios de comunicação têm.
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Outro ponto muito comum na desinformação são os chamados “call to action”, a chamada para algum tipo de ação. “Compartilhe rápido”, “passe isso adiante”, “está acontecendo agora, precisamos avisar todo mundo” ou alguma coisa com caráter de urgência. Isso normalmente no WhatsApp é muito comum. Desconfie sempre quando alguém te falar isso.
Outro aspecto importante é identificar a fonte. Fazer uma busca no Google é uma excelente ferramenta para descobrir sobre essas coisas. Emoção é outro aspecto importante na desinformação. Ela sempre tem uma carga de emoção, ou é capaz de te causar algum tipo de medo, de preocupação, de esperança.
Nesse período de campanha eleitoral, como podemos e devemos proceder para evitar a disseminação de notícias falsas?
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Se for uma fonte que a gente não conhece ou não consegue identificar, a gente deve desconfiar. Perguntar para a pessoa que nos enviou. Se ela não souber, a gente tenta não dar crédito para aquilo. Se a gente está interessado em saber se aquilo é verdade ou não, faz uma busca no Google, coloca as palavras-chaves no título ou naquele texto. Tenta ver quem já deu essa informação antes, vê se algum veículo que você confie está tratando disso, se tem outros que estão tratando de forma diferente. É interessante fazer isso. E não passar diante coisas que são duvidosas. O evitar compartilhar é muito importante, evitar se engajar com coisas duvidosas por mais interessantes que elas possam parecer.
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A gente viu uma redução consistente de desinformação n WhatsApp depois que eles reduziram a possibilidade de compartilhamento. Houve uma queda bem significativa. Isso é uma forma de represar essa informação. A gente não deveria ter tanta ansiedade de repassar adiante essas coisas. Às vezes, na ânsia de ser o primeiro ou de alertar, a gente pode estar causando algum tipo de dano. Então, serenidade, olhar para aquilo que possa ser importante e fazer uma busca por aquele tema, aqueles assuntos, ver quem está tratando disso, se são fontes confiáveis, antes de qualquer compartilhamento.
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A gente não deve buscar formas de censura, mas as pessoas têm que ter a responsabilidade de saber que aquilo que estão passando adiante pode mudar a opinião de uma pessoa para algo ruim, pode causar algum tipo de dano, pode causar até risco de vida. A pessoa tem que se sentir responsável por aquilo que ela compartilha. Ela não pode, em momento nenhum, dizer que não foi ela que produziu, que ela simplesmente repassou algo que ela recebeu, achando que é importante. Ela é responsável, sim. As pessoas têm que sentir essa responsabilidade, que elas têm parte na desinformação.
Qual recado você dá para as pessoas que produzem ou compartilham notícias falsas deliberadamente?
Pra esse sujeito, que fabrica conteúdo, não sei seu eu tenho muito o que falar pra ele. Porque ele não vai me dar ouvidos, não vai me dar atenção, se ele tem intenção de causar algum tipo de dano ou mudar algo. Só a consciência dele, se é que ele tem alguma, pode mandar recados pra ele. A grande maioria das pessoas que compartilha algo que não é verdadeiro, que está fora de contexto ou que produz uma intepretação diferente o faz na melhor das motivações, por acreditar naquilo, por entender que aquilo pode fazer bem pra alguém.
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Agora, as pessoas que fabricam (notícias falsas ou desinformação) elas vão ser descobertas, e vão ser punidas pela lei. É a lei que tem que reagir a isso. A lei não deve se antecipar, trazendo métodos ou censura, mas ela deve ser eficiente para corrigir essas coisas, reagir contra quem produziu algum tipo de desinformação deliberadamente e tem bastante gente que faz isso. No momento eleitoral, vai ter bastante gente.