Pinkmary dominou as redes sociais brasileiras ao longo da última semana das Olimpíadas de Tóquio: a tradução literal e tosca do nome “Rosamaria” foi o apelido dado pela torcida brasileira a Rosamaria Montibeller, catarinense de Nova Trento. Aos 27 anos, ela foi uma das 12 jogadoras convocadas pelo técnico José Roberto Guimarães para defender a seleção brasileira feminina de vôlei.
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Apesar de ter ido ao evento, oficialmente, como reserva, Rosamaria se destacou todas as vezes em que entrou em quadra – e, especialmente depois da partida contra o Comitê Olímpico Russo pelas quartas de final, virou uma das favoritas do público. O Brasil perdeu para os Estados Unidos na final, mas voltou para casa com a medalha de prata no pescoço – um feito que ganha um brilho especial ao ser realizado por um time que não era visto como um dos favoritos na competição.
Rosamaria chegou a Santa Catarina na última terça-feira (10), para uma breve temporada de descanso: logo, a jogadora já volta a treinar com a Seleção, para o Campeonato Sul-Americano, que acontece na Colômbia entre 15 e 19 de setembro. Depois, ela retorna à Itália, para sua terceira temporada jogando no país, agora pelo Novara (antes, ela jogou pelo Perugia e e pelo Casalmaggiore). Conversamos com “Pinkmary” nessa semana de intervalo.
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No Instagram, depois da final, você escreveu sobre ficar com a sensação da conquista da prata, e não da perda do ouro. Como foi esse momento e o que passou pela sua cabeça logo depois do jogo e na hora de receber a medalha?
Por um lado, a prata é sempre a sensação de sair de um jogo pensando “poxa, podia ter feito mais, podia ter sido melhor”. Mas cada campeonato tem sua história, cada time tem sua história. Pensando dentro do que era esperado do nosso time por uma grande maioria… Nós não éramos as favoritas, não estávamos cotadas para estar na final. Nós construímos uma história, fomos atrás dessa medalha. Por isso que eu digo que a gente conquistou a prata; a gente conquistou nosso espaço nessas Olimpíadas. Ir para a final foi super importante. Eu falei de coração, porque vi o quanto o time se dedicou, o quanto a gente acreditou que era possível, mesmo que talvez as pessoas não estivessem apostando na gente.
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Além de vocês não serem favoritas, você foi para as Olimpíadas, oficialmente, como reserva. Deu para sentir uma evolução na confiança do time e na sua própria confiança conforme o campeonato avançava?
Deu pra sentir muito. Nesse time nós mostramos muitas vezes que não tem muito titular e reserva: até durante a Liga das Nações, que foi o campeonato anterior às Olimpíadas, todo mundo teve a oportunidade de jogar, todo mundo entrou um pouco na quadra pra ganhar um pouco mais de experiência. Eu sabia que ia começar no banco, mas tentei manter minha cabeça e meu corpo preparados para, no momento em que precisasse ou que o Zé [o treinador José Roberto Guimarães] achasse necessário, eu estivesse pronta para o que viesse.
E assim… Quem vem do banco geralmente só entra no pepino. (risos) Dificilmente você entra quando está tudo bem no jogo. Na maioria das vezes a gente entra realmente para tentar mudar o cenário. É o famoso “em time que está ganhando, não se mexe”. Tentei trabalhar muito isso na minha cabeça; de que, se precisasse, eu entraria com uma energia diferente, uma motivação diferente, e eu acho que deu certo. Eu estava muito tranquila quanto a essa questão de começar jogando ou não. Eu só queria dar o meu melhor para o time no momento em que fosse necessário. Fico muito feliz de ter podido ajudar todas as vezes em que entrei. Claro que eu não fiz nada sozinha, mas acho que eu e as outras meninas que vieram do banco tivemos boas participações.

Você sentiu uma pressão psicológica maior por estar em uma Olimpíada? Ou conseguiu encarar como se fosse outro campeonato qualquer?
Toda vez que a minha cabeça começava a querer bitolar e tomar essa dimensão do que é uma Olimpíada, eu tentava pensar isso comigo: “Rosa, é voleibol, as regras são as mesmas, são times contra os quais já jogamos várias vezes.” Claro, é diferente, é uma energia diferente; o mundo inteiro pára para assistir; são os melhores atletas selecionados para esse momento. Mas eu tentava equilibrar pensando dessa maneira, que o jogo era o mesmo de sempre. Porque o fator psicológico pode te desestabilizar ali, né? Acho que consegui trabalhar bem isso na minha cabeça, acreditar que eu estava preparada e que, se eu estava ali, era por merecimento. Acho que essa autoconfiança e essa segurança de ter trabalhado muito por esse momento ajudam quando você para e pensa o que significa estar em uma Olimpíada.
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É verdade que, quando era criança, você não queria jogar vôlei?
É verdade, sim. Eu chorava para entrar no ginásio. Não queria ir. Eles tiveram que me comprar. No começo eu fui porque tinha que ir. Meus pais queriam que eu praticasse algum esporte, minha irmã já jogava… Então me levavam. Mas não foi paixão à primeira vista, não. (risos) Isso quando eu tinha uns oito anos. Ali quando tinha uns dez, onze, quando comecei a competir, eu já gostava muito. Mas, naquele primeiro momento, se eu tivesse poder de escolha, eu com certeza não teria ido. (risos) Porque tem muito esportista que começa pela paixão, né? Adora, ou tem algum ídolo do esporte… Eu, não; foi por uma preocupação dos meus pais com a coisa da saíde, mesmo. Hoje agradeço a meus pais por terem insistido.
Você quase começou uma carreira de modelo quando era adolescente. O que fez você desistir dessa área?
Eu fiz alguns testes em agência quando tinha uns doze anos, passei, até cheguei a fazer alguns ensaios, mas eu era muito tímida. Não me via muito naquele mundo, não me enxergava como modelo. Não tive coragem de arriscar, não. E também eu já estava mais envolvida no vôlei nessa época, então deixei de lado.
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Em 2019, você chegou a pedir para não ser convocada para a Seleção. Por quê? Você acha que esse período de afastamento ajudou você a crescer como jogadora?
[em 2019] Eu tive uma conversa com o Zé antes de ele soltar a convocação. Eu tive um ano muito difícil em 2018. Estava muito saturada. Eu pensava em jogar, em treinar, e ficava triste, chorava. Estava em um cansaço mental e físico muito bizarro. A gente tem uma batida muito forte: joga a temporada de clubes de julho, agosto, até abril; e aí a temporada de seleção de abril até agosto. Eu tô nessa desde 2010, desde as categorias de base. Foi uma pegada longa, eu comecei a botar uma super pressão psicológica em cima de mim mesma. Então chegou um momento em que eu falei “não, eu preciso parar, preciso pensar no que eu estou fazendo da minha vida, se eu tenho certeza de que quero continuar”. Eu não estava feliz com como estava jogando; queria voltar a jogar de oposta… Foi um mix de coisas que me fez ter certeza de que eu precisava de um tempo para mim naquele momento.
Essa decisão foi tomada pensando em chegar a Tóquio. Se continuasse direto, eu ia chegar aqui ainda mais saturada – isso se chegasse, porque eu não tinha prazer em fazer o que eu fazia. Eu estava odiando voleibol naquele momento. Foi muito importante para mim sentir saudade, sentir vontade de treinar. Nesse tempo eu consegui fazer outras coisas, relaxar, pensar em mim, em coisas que não eram o vôlei. Foi uma descoberta pessoal bem grande. Aí voltei a querer o vôlei, voltei a ter prazer no que eu fazia. Acho que muitas vezes precisamos ter humildade para dar um passo para trás antes de dar dois para a frente. Claro que era um risco: eu sabia que, saindo, eu podia perder espaço. Mas eu tinha certeza naquele momento de que aquilo era importante para mim. Pensei no que meu corpo e meu coração precisavam, e acho que isso deu um resultado bom, que todo mundo percebeu.
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Você já conseguiu parar para ver todos os memes que fizeram com a “Pinkmary” durante as Olimpíadas?
Cara, eu acho que todos eu nunca vou conseguir ver. (risos) Todo dia que eu olho tem um novo, e eu me mato de rir. O povo é muito criativo. Eu amei. As minhas amigas me mandavam, e lá eu nem conseguia ficar vendo tudo. Ontem, em casa, eu estava vendo alguns. Eu adoro. Eu sou da zoeira também, amo memes, uso, mando pra todo mundo. E tento responder a galera quando consigo.
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Muitos atletas brasileiros tiveram um crescimento enorme no número de seguidores nas redes sociais durante as Olimpíadas; você inclusive. O Douglas Souza virou um fenômeno! Como é a sua relação com as redes sociais e essa exposição que elas trazem?
O Douglas é sensacional, porque ele é realmente aquilo que mostra ali nas redes. É mérito dele. Acho muito legal quando a pessoa é ela mesma e as pessoas gostam disso e se divertem junto. Eu gosto muito de redes sociais, mas aprendi a botar limites. Porque, quando está tudo bem, é tudo muito bacana, muito lindo e tal. Mas muita gente fica só esperando uma queda sua pra te derrubar de novo. E a internet é terra de ninguém: todo mundo vem dar opinião o tempo todo, seja boa ou ruim. Muita gente gosta de acompanhar só para poder criticar.
Acho que a gente tem que ter cuidado com isso, cuidar da nossa saúde mental. Hoje eu divido pouco da minha vida pessoal ali. Tenho muito respeito e carinho por quem é fã e quem torce, tento responder porque acho que é o mínimo que eu posso fazer em retribuição ao carinho que a gente recebe – ainda mais agora que não temos o contato físico, a torcida no ginásio. Mas aprendi a dar uma blindada.
Como foi participar de uma Olimpíada em meio a uma pandemia? Você tinha medo se contaminar com o coronavírus?
O maior medo de ser contaminado é que isso significava estar fora dos jogos. Imagina? Anos de luta e trabalho, aí chegar lá, testar positivo, e estar fora, o sonho acabou. Seria remar e remar e morrer na praia. Fazíamos testes todos os dias; ficávamos muito atentos, porque houve casos na Vila Olímpica. Era uma tensão. Mas deu tudo certo, graças a Deus. O Time Brasil não teve nenhum contaminado.
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E a falta de público nos estádio?
Eu fui assistir aos jogos no Rio em 2016 e lembro demais da torcida, da alegria, da união entre os países – as pessoas torcendo juntas, chorando juntas, pessoas que eram rivais virando amigas… A gente chegava no ginásio, e lá fora cheio de gente, bandeiras, a galera comemorando. E agora a gente chega no ginásio e não tem ninguém, não tem gente gritando. Acho que ter o público lá faria tudo diferente. Claro, uma Olimpíada sempre é Olimpíada; mas acho que a presença do público aumentaria essa sensação de estar em uma Olimpíada.
Você está representando todo o país: você quer comemorar, mas quer que outras pessoas comemorem junto, e quer ver isso. A arena Ariake, onde jogávamos, é enorme e maravilhosa, e toda vez a gente entrava no ginásio, se olhava e falava: “Caramba, imagina isso aqui cheio, minha família na arquibancada.” Eu queria muito viver essa experiência de uma Olimpíada 100%. Mas… Fica para Paris, se Deus quiser.
Paris já está quase aí.
Ela tá aí, né, tem que ver se eu vou estar lá. (risos) Mas vamos trabalhar pra isso!
Como foi chegar ao Brasil, agora no retorno das Olimpíadas? No aeroporto vocês tiveram mais esse contato com a torcida brasileira, né?
Foi bem legal quando a gente desembarcou em Guarulhos. Era madrugada, quatro, cinco da manhã; e teve gente que madrugou pra ir lá receber a gente, tirar uma foto. Reencontrar minha família aqui em Navegantes foi muito especial, também. Deu pra ver nos olhos deles que foi a realização de um sonho que a gente sonhou juntos.
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Uma coisa que foi muito comentada nas redes sociais ao longo das Olimpíadas foi o pouco investimento em esporte que há no Brasil, o pouco apoio que os atletas recebem. O que você pensa sobre isso?
A gente tem mania de endeusar essa situação, sabe? “Cara, olha como sofreu, olha essa história de superação.” E não precisa ser assim. Não precisa ser tão sofrido. A gente pode ganhar medalha, mas sem tanta dificuldade para as pessoas chegarem lá. A gente precisa apoiar as categorias de base, levar o esporte a sério, como uma coisa que tem poder de transformar vidas. As Olimpíadas são só a cereja do bolo, mas é nas categorias de base que se formam os atletas que vão chegar lá.
Queria convidar o pessoal a conhecer o Projeto Voleibol Nova Trento, projeto social onde eu comecei e do qual eu sou madrinha. É sempre importante ajuda, patrocínios. Quero que as pessoas conheçam, para que a gente não deixe essa torcida morrer; para podermos realizar os sonhos de outras meninas. Fica o apelo para empresários, para quem puder dar qualquer tipo de ajuda.
Quais são os seus planos para os próximos meses, e para o seu futuro na Seleção?
Temos mais um campeonato com a Seleção ainda neste ano; então no dia 23 a gente já volta a treinar. E, assim que acabar com a Seleção, eu já volto para o meu time na Itália. Tenho mais essa temporada lá; vamos jogar o Champions League, o campeonato de clubes mais forte do mundo, que é uma experiência que eu quero muito ter. Quero me apresentar muito bem para ter mais oportunidades na Seleção; me cuidar fisicamente, mentalmente… Não existe cadeira cativa na Seleção: todo ano a gente precisa mostrar merecimento para estar lá. A preparação já começa agora.
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