Mario Prata alega que não escreveu O Drible da Vaca: “Neste período de dez anos, entre outras coisas, Mr. John H. Watson escreveu o livro que você está lendo”, explica, em um dos primeiros capítulos da obra. “Eu apenas traduzi e fiz os rodapés.” A afirmação é feita, de fato, em um dos rodapés; um dos poucos espaços do livro em que Prata se comunica diretamente com os leitores – no resto do texto, é Watson quem conta a história, e em primeira pessoa, por ter sido uma de suas principais testemunhas.

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Sim, Watson. Aquele Watson, colega e amigo de Sherlock Holmes. O “período de dez anos” em meio ao qual Watson escreveu O Drible da Vaca é a época conhecida como O Grande Hiato, intervalo entre a morte de Sherlock Holmes, no livro O Problema Final, de 1893, e a “ressurreição” do personagem, em 1903, no conto A Casa Vazia. O “caro Watson”, que até ali sempre se dedicara a registrar as aventuras do famoso detetive, finalmente pôde colocar no papel suas próprias memórias; de uma época passada em Cambridge, na Inglaterra, entre os anos de 1859 e 1860.

John Watson narra ao leitor, em primeira mão, como surgiu o futebol.

– Eu sou tarado por futebol. Sou metido a entender do assunto, tenho uma memória muito boa pra futebol. Sei te falar de cabeça quem foi jogar de reserva na Copa de 1958 – diz Mario Prata, a respeito de por que decidiu pesquisar sobre as origens do esporte. – E eu queria saber por que é que o gol tem aquele tamanho. Tava aqui trabalhando, na frente desse computador, e comecei a pensar nisso. Aí eu descobri que esse tamanho (oito jardas por oito pés, na medida inglesa) é a medida exata do portão principal do prédio da Universidade de Cambridge. Como, claro, eu sabia que o futebol surgiu na Inglaterra, pensei: “Aí tem”. Foi por aí que comecei a pesquisar Cambridge. Ainda nem sabia bem sobre o que seria o livro.

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– Comecei a pesquisar Oxford também, descobri essa rivalidade entre as duas universidades, que permanece até hoje – ele prossegue. – Oxford foi fundada em mil cento e pouco [1096], e em 1209, uma turma de professores e de alunos, achando Oxford muito conservadora, saiu, foi para 200 quilômetros dali e abriu a universidade de Cambridge. Essa rivalidade já me interessou, porque um livro tem que ter ação.

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Antes de perguntar como Watson entra na história, questiono: eu, que não entendo nada de futebol, não torço por time nenhum, não acompanho o esporte, também poderia ser uma potencial leitora de O Drible da Vaca?

– Essa preocupação eu também tive – afirma Prata. – O livro tem quarenta e poucos capítulos. Quando eu estava no oitavo capítulo, por exemplo, percebi que estava faltando mulher. O livro estava muito… Não machista, mas masculino. Personagens masculinos, papo meu com homem. Então eu liguei para um amigo meu que morou nove anos em Oxford, e expliquei a situação pra ele. Falei: “Hans, eu tô escrevendo um livro assim e assim. Queria saber de uma inglesa fodona de meados do século XIX.” E ele: “Rapaz, tem uma que é fodíssima. É Sarah Emily Davies.” Sarah era feminista, sufragista, tudo que tinha direito. Editava uma revista de artigos. Em 1869, ela criou a primeira faculdade para mulheres, com professoras mulheres, ela como diretora. Tudo em Cambridge.

Sarah Emily Davies, portanto, assim como Watson, entrou para o elenco de O Drible da Vaca. E não só ela.

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– Eu descobri que o Eduardo, filho da Rainha Victoria, foi expulso de Oxford; porque ele pegou uma atriz irlandesa muito famosa na época e levou para a universidade – conta Prata. – Depois de ser expulso de Oxford, ele foi para Cambridge. E eu pensei: “Poxa, esse cara tava aqui, depois foi pra lá, virou rei em 1901, esse cara me interessa.” Ele tinha 18 anos nessa época da história. Ele fez muita traquinagem antes de virar rei. Transou com a mãe do Churchill. Sério! Aí eu tô pesquisando, descubro essa mulher e pronto, vou atrás da história dela. Ela era uma mulher incrível! No primeiro casamento ela teve o Churchill. O segundo casamento dela era aberto. Ela fazia saraus em casa, editava uma revista de literatura. [O escritor irlandês] Bernard Shaw escrevia para essa revista dela. Eu só não fui atrás de pesquisar mais sobre o Bernard Shaw porque pensei “não, deixa eu parar por aqui”. Percebeu como até agora eu mal falei de futebol?

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Muito bem, agora sim: entre diversas possibilidades de narradores, por que especificamente Watson?

– Eu sempre tive muita dó do Watson, porque ele passou a vida escrevendo as histórias do Sherlock Holmes. Ele nunca escreveu uma história dele – Prata justifica. – Então ele abre o livro se apresentando: “Eu sou o Watson, vou contar para vocês uma história que se passou em Cambridge em 1859, quando eu era professor de Educação Física.” No livro ele é chamado pela Rainha Victoria para criar um novo esporte. Eles começam a pesquisar, conversar, até o dia em que veem três garotinhos chutando uma bola naquele portão onde tudo começou. E a grande sacada deles, claro, é que todos os esportes que existiam até então eram jogados com as mãos. Não havia esportes jogados com os pés. Um esporte jogado com os pés é tão importante para a Inglaterra e para o mundo quanto a Revolução Industrial. Eu acho até que é mais importante. (risos)

“O Drible da Vaca” combina história e ficção para narrar a origem do futebol (Foto: Divulgação)

Logo no início da leitura, já fica claro que muita coisa em O Drible da Vaca é uma brincadeira – do narrador aos encontros entre diferentes personagens históricos e fictícios. Mas às vezes pode ser até difícil distinguir o que de fato aconteceu como narrado; momentos em que as notas de rodapé de Mario Prata (e também o interfácio, em que ele explica brevemente como surgiu e como foi a construção dessa brincadeira) são de essencial ajuda.

– Tem horas que você está lendo o livro e pensa “não é possível que isso aqui seja verdade”, e é. E outras coisas que parecem verdade não são – Prata resume, rindo. – É uma brincadeira que eu faço com o leitor. É um livro muito engraçado; acho que quem ler vai rir muito. É claro que o leitor sabe que o Watson não deu aula de Educação Física em Cambridge. Agora, a sala de maconha da rainha é real, viu? [Watson conhece a Rainha Victoria na tal sala, onde ela costumava fumar maconha “como remédio para suas terríveis cólicas menstruais”: a explicação, no livro, é dada por Charles Laughton, ator britânico nascido em 1899, que, em O Drible da Vaca, vira o reitor da Universidade de Cambridge]

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O naturalista Charles Darwin, que “na vida real” também estudou em Cambrigde, também dá as caras na história; em novembro de 1859, às vésperas de publicar A Origem das Espécies (que de fato saiu em 25 de novembro daquele ano). Darwin mostra seu livro ao reitor, que diz que ele está “procurando sarna para se coçar” com a obra.

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Ficção e realidade foram se cruzando de outras formas enquanto Mario Prata escrevia o livro – mais precisamente, a realidade que o próprio escritor, assim como todos nós, viveu ao longo de 2020.

– Teve um dia em que eu, trancado em casa, por causa da pandemia, pensei: “Pô, podia ter tido uma pandemia por lá nessa época, ia ficar legal na história” – ele conta. – E descobri que teve. Não foi uma pandemia, foi uma epidemia: a grande epidemia do cólera, que foi até quatro anos depois do fim da minha história. Essa epidemia durou quatro décadas; foi de 1820 a 1860. Baixava e subia. Espero que a nossa não seja assim. E essa coisa vinha do Tâmisa, vinha pelos esgotos subterrâneos de Londres. Então eles abriram túneis para desviar, para resolver esse problema dos esgotos. Aí, um tempo depois, alguém lá falou: “Olha, a gente podia aproveitar esses buracos aqui e fazer um metrô”. O metrô de Londres foi inaugurado seis anos depois da minha história, em 1865. Essas pesquisas foram compondo um universo. Comecei a entrar na vida da Inglaterra do meio do século XIX.

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Para dar autenticidade à Inglaterra descrita no livro, Mário Prata usou uma “gambiarra” – e a ajuda de muitos escritores consagrados (no interfácio, o autor cita alguns deles: Arthur Conan Doyle, Charles Dickens, Agatha Christie, Oscar Wilde, James Joyce, Joseph Conrad e mesmo William Shakespeare).

– Eu conheço muito pouco a Inglaterra. Aliás, não conheço nada: fui lá só uma vez, em 1978 – confessa. – Fiquei apavorado com aquele trânsito, tinha medo de atravessar a rua, foi um horror. Duas semanas lá, pavorosas. Aquela comida horrorosa. Até o McDonald’s é ruim lá. Então, para a minha pesquisa, eu peguei grandes escritores ingleses dessa época (que são muitos, e excelentes), e pedi para uma amiga minha selecionar nos livros desses autores tudo o que fosse descrição de casa, de rua, de ambiente, de roupa. Quando o livro começa e o Watson entra na sala do reitor, por exemplo, eu descrevo a sala com base nas descrições feitas pela Agatha Christie.

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Mario Prata diz que, depois de muito pesquisar para o livro, acabou com cerca de 200 folhas impressas de materiais e informações.

– Eu tive que ir a São Paulo ali bem no comecinho da pandemia, e aí não pude voltar, porque não podia pegar avião. Fiquei preso lá, não saía nem pra comer – diz. – Aí falei: “Bom, agora vai, chega de pesquisa”. Em oito meses, eu escrevi o livro. Oito horas por dia, durante oito meses. Meses pandêmicos. Depois mais uns oito meses trabalhando em cima, retocando, retirando coisas, acrescentando. Foi uma delícia fazer esse livro, descobrir essas coisas todas. Aprendi coisas sobre racismo, sobre feminismo. Acho que no fim das contas o livro é uma homenagem minha à Inglaterra, que nos deu esse esporte maravilhoso.

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O Drible da Vaca marca os 60 anos de Mario Prata no ofício da escrita: jornalista (com passagens por veículos como Gazeta de Lins, O Pasquim, Última Hora, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Istoé, Planeta, Careta e Playboy), cronista, roteirista e romancista, ele já assinou dez peças de teatro, seis telenovelas, cinco minisséries, sete roteiros de cinema. Crônicas, já são mais de três mil. O Drible da Vaca é o 23º livro da carreira. Mineiro, o escritor mora em Florianópolis desde o início dos anos 2000.

A paixão pelo futebol, porém, é de ainda (muito) antes da paixão pela escrita.

– Quando eu tinha uns sete anos, o meu time, o Linense, de uma cidade pequena do interior de São Paulo, subiu para a primeira divisão paulista – Mario Prata narra, sobre uma de suas primeiras memórias com o esporte. – Ia jogar com Corinthians, Palmeiras. Foi uma loucura. Os jogadores desfilaram de caminhão pela cidade, aquela coisa toda. E eu fui ao primeiro jogo do Linense na primeira divisão. Fui com meu pai, que era um senhor austero, assim. Mineiro, conservador. Ele era muito sério. Lá em casa não podia falar nem “pô”; “pô” era palavrão. Os amigos dele eram todos professores, médicos. Iam lá em casa e ficavam conversando na salinha de visitas, se chamando de “dona”, “doutor”. Aí lá fui eu ver o futebol com meu pai e os amigos dele; e de repente eles começaram a falar palavrão, xingar. Por isso que eu digo que o futebol é uma libertação. Faz soltar a franga. Ali vi que o troço era bom.

Prata, porém, sempre foi espectador: jogar não é com ele.

– Eu sempre fui um péssimo jogador de futebol – ele ri. – Jogava porque a bola era minha e o campo era na minha casa, mas mesmo assim me colocavam no gol. Eu era horrível.

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Pergunto o que mais Mario Prata consome, além de futebol. Netflix, talvez?

– Eu odeio série americana – ele crava. – Eu sou roteirista, então já sei qual vai ser a cena seguinte. “Vai cortar para não sei o quê”, “ela vai responder isso”. É muito óbvia. As séries policiais nórdicas da Netflix e da Amazon são ótimas. Tem uma série islandesa muito boa, chamada Trapped. É interessantíssimo, para sair desse modelo americano que nos impõem. Tem uma série feita pela televisão sueca e norueguesa, chamada A Ponte, que é muito boa. Os Estados Unidos compraram os direitos e fizeram a versão deles, e ficou um horror. Mas acho que a original é a melhor série que eu já vi na televisão.

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O interesse pelas séries policiais deriva também da literatura.

– Eu tenho 890 livros nesse escritório – ele diz, mostrando o cômodo de onde concedeu essa entrevista, via chamada de vídeo. – Eu sei porque eu chamei uma moça para vir aqui organizar, catalogar. Depois que ela organizou, aí é que eu não entendi mais nada. Mas tudo bem. Isso tudo é só de literatura policial. Eu comecei a escrever romance quando já era muito velho. Publiquei meu primeiro livro com quase 50 anos; meu primeiro romance com quase 60. Os três primeiros livros que eu escrevi tinham uma pegada de literatura policial, mas eu conhecia muito pouco de literatura policial. Então resolvi investir nisso aqui. E foi suficiente para eu descobrir que eu jamais seria um bom autor policial, porque eles são muito bons. Acho que a melhor literatura que se faz no mundo hoje é a literatura policial, e acho que a melhor literatura policial é a nórdica.

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Mas Mario Prata não é desses autores “chatos”, para quem só os livros (ou filmes, ou peças de teatro) “cult” valem a pena. Pelo contrário.

– Depois de 60 anos de trabalho, a literatura, para mim, é entretenimento – afirma. – Esses livros pesados são para ganhar prêmio. No Nobel eles fazem assim: “Esse é o livro mais chato do ano”, e dão o Nobel. “Olha, na Noruega tem uma mulher que faz uns poemas que não dá pra ler”, e é essa mesmo que ganha. O Mário Vargas Llosa, os primeiros livros dele tinham muito humor. Aí ele foi virando político e foi ficando sério, chato, insuportável. Deram o Prêmio Nobel pra ele. “Tá no ponto, pode dar o prêmio!” Aqui no Brasil você pega esses livros que ganham o Prêmio Jabuti e parece que você está ali na época da minha história, em 1859. É bode em cima de bode em cima de bode.

– Tem um livro que está vendendo muito no Brasil agora, Torto Arado, do Itamar Vieira Junior – exemplifica. – O cara escreve bem demais. É uma das grandes revelações da literatura brasileira nos últimos anos. Mas o livro é só bode. Pra mim é um desperdício. Um cara com um texto desses, e na página 40 eu parei. Claro que é uma posição minha, muito minha. Tem gente que adora, tem espaço para todo mundo. O Itamar está fazendo um sucesso danado; inclusive invejo. Quero deixar bem claro que eu admiro esse cara, ele escreve muito bem. Mas ele pegou uma linha da literatura que não me interessa. A gente está vivendo merda em cima de merda. Eu quero ler um livro para me divertir um pouco, sabe? Aliviar. Não me venha com coisa pesada.

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Mario Prata é mineiro, mas mora em Florianópolis desde o início dos anos 2000
Mario Prata é mineiro, mas mora em Florianópolis desde o início dos anos 2000 (Foto: Arquivo do autor)

– Eu ando lendo muitas autoras mulheres – Prata prossegue. – Temos homens que são bons cronistas, bons contistas, bons poetas. Mas o romance brasileiro do século XXI está sendo feito por mulheres. Posso citar quatro: Martha Batalha, Ana Paula Maia, Giovana Madalosso e Carla Madeira, que eu acabei de descobrir. A Carla Madeira escreveu Tudo é Rio, que é lindo; trata de assuntos pesados, mas com uma leveza linda.

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Aproveitando a fala de Prata sobre estarmos vivendo “merda em cima de merda”, pergunto como ele vê o cenário nacional – sanitário, político, econômico – atual; e se ele pensa que as coisas podem melhorar em breve.

– Olha, eu já vi coisa pior – o escritor reflete. – Já perdi parentes, amigos, colegas de faculdade. Vi gente sumir; criança ser levada pra ver o pai ser torturado. Mas assim, acho uma merda. Foi uma eleição democrática, resolveram eleger o cara. Não foi um golpe, nada disso. Foi uma cagada democrática. Acontece. Só que o cara é maluco! E aí juntou quinze, vinte malucos e botou todo mundo de ministro. Ninguém sabe nada lá. Ninguém nunca leu um livro, viu um filme, ouviu uma música. Morre João Gilberto e ninguém sabe quem é. São uns ignorantes. Mas vai passar. Eu não acredito que esse cara continue. Pode dar o golpe, talvez. Mas nas eleições ele já viu que vai perder.

– Sabe, o Brasil já teve grandes presidentes – comenta. – Uns meio loucos, é verdade, mas eram uns loucos divertidos. Engraçados. A pessoa que não é louca é muito chata. Mas tem que ser uma loucura saudável. Essa loucura dos caras que estão lá é perigosa.

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Há alguns anos, Mario Prata escreveu uma crônica em que diz que “não existe lugar mais lindo e mais saudável para viver ou passear que Florianópolis. O povo é bonito, educado, calmo e hospitaleiro.” Ele diz que continua com a mesma opinião.

– Eu adoro aqui. Moro em um lugar privilegiado, no térreo, cheio de árvores, perto do mar – comenta. – Ontem eu cheguei de viagem e estava falando pro taxista: voltar pra Florianópolis é ótimo, é como voltar a fumar. (risos) Essa frase não é minha, é de um grande escritor português. Ele fala que voltar para Portugal é como voltar a fumar.

– Eu não gosto muito da arquitetura – Prata pondera. – Os gaúchos estragaram muito isso aqui. Jurerê Internacional, aquilo é um absurdo. Coisa de gaúcho. Eu fico observando umas coisas: todas as praias têm esses predinhos de três andares com varandas, e todas as varandas têm churrasqueira. Tem umas que são tão pequenas que não tem nem espaço pra você puxar o espeto lá de dentro. Isso é coisa de gaúcho! Nunca vi ninguém fazer churrasco na varanda aqui. E ninguém reage contra isso! Ninguém vê que não precisa botar essas churrasqueiras na varanda. Eu tirei a churrasqueira que tinha aqui em casa, botei uma poltrona onde eu posso sentar pra ler.

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– Esse estado tem um potencial turístico que nenhum outro do país tem. Tem praia e montanha. Tem cidades alemãs, cidades austríacas – lista Mario Prata. – Eu fui a Treze Tílias e pirei! Aquilo lá é uma maravilha. A arquitetura, as pessoas. E não tem um projeto turístico em Santa Catarina. Tem uma santa aqui! [Santa Paulina, nascida no Tirol, hoje Itália; mas criada na cidade catarinense de Nova Trento] Você chega em Nova Trento e tem que subir uma escada de 144 degraus pra chegar na igreja. E quem vai nesses lugares? Velho! O velho chega lá de manhã e só consegue entrar na igreja à noite. Tem umas lojinhas vendendo umas coisinhas sobre a santa, nada que preste. Olha o dinheiro que se podia ganhar com essa história. Tinha que contratar um puto biógrafo, um Ruy Castro, um Fernando Morais, e escrever um livro sobre ela. Que seja 90% mentira. Inventar a casinha onde ela nasceu, onde aconteceu o primeiro milagre. Tinha que chamar o papa pro lançamento do livro.

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Mario Prata classifica essa postura dos catarinenses, e especialmente dos florianopolitanos, de “um problema açoriano”.

– Quando vim pra cá, eu comecei a frequentar muito o Box 32. Fiquei amigo do Beto [Barreiros, proprietário do local]. E ele me falou: “Vou te explicar como é que é o mané”. Aí ele me contou que, quando os açorianos chegaram, eles estavam acostumados com aquela ventania lá nos Açores; e construíram todas as casas de costas para o mar. Mas aqui não venta como lá! Até hoje é tudo feito de costas para o mar. E isso vai longe. Eu moro aqui há vinte anos e nunca fiz uma palestra aqui, apesar de já ter feito em tudo quanto é lugar do mundo. Tem muita gente incrível do mundo cultural morando em Florianópolis, e ninguém sabe, ninguém procura. Eu adoro as pessoas daqui, o jeito das pessoas. São pessoas educadas, bem informadas. Mas é uma coisa cultural. Ninguém quer saber. O mané vive de costas para o mar, em todos os sentidos.

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