Javier Bardem tem paixão e instinto. São características bastante visíveis em seus primeiros trabalhos, como As Idades de Lulu (1990) e Jamón Jamón (1992). São qualidades, aliás, que o acompanham ao longo de toda a trajetória e se mostram facilmente identificáveis em Antes do Anoitecer (2000), que lhe rendeu a indicação ao Oscar de Melhor Ator, e Onde os Fracos Não Têm Vez (2008), dos irmãos Coen, que lhe garantiu a estatueta dourada de Melhor Ator Coadjuvante.
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Essas qualidades estão atualmente em evidência em dois recentes trabalhos: Biutiful, do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (com o qual ele ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes) e a adaptação para o cinema de Comer, Rezar, Amar, odisséia espiritual da escritora Elizabeth Gilbert, desde sexta-feira em cartaz nos cinemas de Porto Alegre.
Dirigido pelo criador das séries Nip/Tuck e Glee, Comer, Rezar, Amar é uma adaptação das memórias de Elizabeth Gilbert, que relata a separação da autora do marido (interpretado por Billy Crudup), seu relacionamento com outro homem (James Franco) e seu contestado divórcio. Uma vez livre dos laços matrimoniais, Elizabeth passa um ano viajando, entregando-se ao amor pela gastronomia na Itália antes de seguir para um ashram na Índia em busca da paz de espírito e, em seguida, viajar rumo a Bali, onde se apaixona por um brasileiro emocionalmente ferido chamado Felipe (Bardem). O casal se conhece depois que Felipe bate em Elizabeth com sua caminhonete 4×4.
Felipe (na verdade,o gaúcho José Lauro Nunes) é um homem que sofreu uma desilusão amorosa profunda e procura se aceitar novamente. De forma inédita, há uma calma natural na performance de Bardem. Segundo ele, todo nós passamos por momentos de desilusão e tristeza. “Toda a idade vem com uma crise diferente”, observa.
Casado com a atriz Penélope Cruz e à espera do primeiro filho, Bardem, 41 anos, também teve sua jornada espiritual. Aos 20 anos, o ator espanhol veio para o Brasil em uma viagem que ele descreve como uma aventura que mudou sua vida. Essa foi uma das razões que o levou a fazer o filme. Ser brasileiro é “ser abençoado”, diz ele.
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Confira nas páginas a seguir a entrevista concedida pela Sony Pictures com exclusividade na região Sul para Zero Hora.
Pergunta – Você tem muito em comum com Felipe, seu personagem em Comer, Rezar, Amar?
Javier Bardem – Eu e Felipe não somos muito parecidos. Eu não dirijo, e ele dirige, para começar (risos). Falando sério: quando interpreto Felipe, há algo nele que eu gostaria de levar comigo. Acho que é o senso de perdão. Ele está bem consigo mesmo, ele está em paz consigo e com quem ele é. Ele não precisa fingir ser outra pessoa para ninguém. Alguns chamariam de egoísmo, mas não acho que seja o caso. Para conseguir oferecer algo a alguém, você precisa aprender a se perdoar.
Pergunta – Ele se isolou porque teve o coração partido e perdeu um pouco da fé…
Bardem – Sim, e eu acho que perder a fé é a pior de todas as coisas. Uma vez que você perde a fé, não há mais nada, não há ninguém que vá batalhar por você. Você realmente precisa se levantar e continuar a batalhar. A luta mais difícil é contra seu pior inimigo, que é você mesmo. Quando você se olha no espelho e diz: “Não consigo mais”.
Pergunta – Você é emocional e romântico como Felipe?
Bardem – Tenho que ser. Não sei se romântico, mas preciso ser emocional, de outro modo é impossível ser ator. Se você quer ser ator, você precisa ser realmente aberto, deixar-se levar pelas emoções. Não é difícil, atuamos o tempo todo. O difícil mesmo é voltar a ser você depois de ser tomado por todas essas emoções. É onde entra o trabalho do ator. É como disse Marlon Brando, “atuar é muito fácil, todo mundo o faz diariamente para sobreviver”. Se você não viver um personagem em seu emprego, você será demitido. Você diz “sim, adoro isso”, quando na verdade você pensa “é horrível”. Todos atuamos.
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Pergunta – Você acha que todos precisam escapar por um tempo do emprego ou da família em algum momento da vida?
Bardem – É claro, embora eu diria que o paraíso é onde você quer que ele seja. Se você realmente der valor às coisas mais valiosas da vida, então você pode encontrar o paraíso no quarto ao lado. Para mim, o paraíso é estar cercado das pessoas que amo, dos amigos que são meus desde os 12 anos. Não importa o que fazemos, quero apenas estar com eles e rir, e debochar de nós mesmos, fingir que nada é importante.
Pergunta – Por que você acha que Comer, Rezar, Amar é tão popular?
Bardem – Todos temos crises similares às de Liz Gilbert, não? Quer dizer, não há uma data limite para não ter mais crises. Acho que toda a idade vem com uma crise diferente, e quando vejo o que eu fiz aos 20 anos, eu penso: “Meu Deus, eu fiz isso mesmo?”. Mas na hora teve significado, foi importante que eu o fizesse, para aprender alguma coisa. Penso que vivemos em uma sociedade em que ter tudo não é o suficiente, e às vezes temos de ir às raízes do que é não ter nada, nos perder para reencontrar as coisas básicas. E a coisa mais básica de todas somos nós mesmos.
Pergunta – Você foi viajar sozinho aos 20 anos, certo?
Bardem – Certo. Eu planejei a viagem por um ano com um de meus melhores amigos, e, no momento do embarque, eu estava no aeroporto, pronto para subir no avião, e ele não estava lá. Eu liguei para ele, e ele disse que não poderia ir, então eu passei dois meses sozinho em um outro país. Foi assustador ir para um lugar em que você não conhece o idioma, mas eu amei a experiência. Foi lindo. Desde então, sempre volto ao Brasil. E essa é outra das razões pelas quais fiz Comer, Rezar, Amar: para ser brasileiro por um mês, quer dizer, só por um mês. Ser abençoado dessa forma.
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Pergunta – Você ficou nervoso em trabalhar com Julia Roberts?
Bardem – Quando eu cheguei ao set, na Indonésia, todos estavam cansados, mas Julia estava lá, aumentando o nível de energia. Ela é como um treinador de futebol, dizendo “vamos lá, vamos lá, vamos lá!”. Para mim, foi de muita ajuda, porque, se você é o recém-chegado, ela pode intimidá-lo. Mas, quando você conhece Julia Roberts, é exatamente o oposto. Foi como “bem-vindo, é isso aí, tudo é fácil, vamos nos divertir”, e a partir daí foi tudo mesmo muito fácil. O que você não enxerga quando assiste ao filme é que há uma atriz carregando a energia de 350 pessoas. Se o ator principal desaba, não há filme. Para ser o ator principal em frente às câmeras, você precisa de energia, e você precisa de fé.
Pergunta – Felipe é o cara mais legal que você já interpretou?
Bardem – Ah! (risos). Na verdade, acho que ele é um cara saudável, um dos caras mais saudáveis que já interpretei. Ele alcançou um estado onde se dá melhor consigo mesmo, o que é bom, e depois de filmar Biutiful, eu precisava ir para um lugar onde me sentisse mais leve, e eu queria interpretar coisas leves, queria interpretar um brasileiro – eles têm isso de não serem tão rígidos quanto um espanhol, como eu, mas são mais suaves, vão mais conforme o vento (risos). Eu gosto disso.
Pergunta – O quão diferente é a experiência de fazer filmes quando você compara a Europa e Hollywood?
Bardem – Acho que o dinheiro é um fator. Você pode dizer que há mais dinheiro pelo tamanho dos trailers e pela comida. A comida americana é uma loucura. Há muitas opções por lá. Mas, no fim, é tudo a mesma coisa. Eles dizem “ação” e “corta” e naquele momento intermediário é o mesmo medo, as mesmas necessidades, as mesmas ansiedades, as mesmas dúvidas. Quando estou trabalhando em inglês, no entanto, é diferente, porque preciso falar um idioma estrangeiro com o qual não me sinto muito confortável, então eu fico assim (treme). Você está dançando com as palavras, mas eu diria que é mais ou menos a mesma coisa.
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Pergunta – Quando você atua em espanhol, você ainda se sente ansioso, então?
Bardem – Sim, são ansiedades diferentes. É como se você pudesse escolher onde colocar o medo. Quando o idioma vai ser o problema, você coloca o medo ali. Porém, quando eu trabalho em meu próprio idioma, é como pensar: “Ok, agora qual medo eu devo escolher?” (risos). O medo é o que mantém a motivação. Quando você não o sente, então algo está errado. Então, quando você faz o que quer fazer, é como sentir um pouco de insegurança, que mantém você alerta, consciente e vivo.