Poucas pessoas no Brasil estão aptas a falar de economia criativa como Paulo Borges, o idealizador do São Paulo Fashion Week (SPFW). Enquanto o governo federal inaugura, há apenas pouco mais de um ano, uma secretaria responsável por pensar em políticas para a indústria criativa, no país, Paulo Borges aquece a atividade há duas décadas. Com o lançamento do Phytoervas Fashion, em 1993, Paulo provou que cultura e indútria são áreas inseperáveis, e deu início à projeção internacional da moda brasileira, que, além de empregar milhares de profissionais, impacta setores tradicionais da economia, como a indústria têxtil.

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Fazem parte da indústria criativa todos aqueles setores que geram um valor intangível, ou seja, impossível de pegar ou medir, mas que agregam valor aos produtos e influenciam a economia tradicional. Hoje, a indústria criativa, aquela que tem como principal matéria-prima o capital humano, cresce mais rápido que os demais setores e paga melhor – a renda média mensal foi 45% superior à do restante dos profissionais em 2010, segundo dados da Federação das Indústrias do RJ (Firjan).

Para promover, colocar em contato e financiar os pensadores desta indústria, Paulo Borges criou o Movimento HotSpot, uma rede online, em que os profissionais da fotografia, música, moda, beleza, arquitetura, design, cenografia, ilustração e audiovisual apresentam seus projetos, conhecem o que há de novo nestas áreas, e concorrem a prêmios em dinheiro para tornar concretas suas ideias.

Confira a entrevista que Paulo Borges concedeu ao Diário Catarinense sobre o cenário da economia criativa no Brasil, atualmente.

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Diário Catarinense – É muito interessante que o Movimento HotSpot, além de um concurso, seja uma plataforma onde os criadores podem conhecer outros projetos e interagir. A ideia do movimento segue a linha dos coletivos culturais e espaços de coworking, por exemplo, em que a força dos trabalhos também está no networking e no grupo? Acha que profissionais da cultura, hoje, conseguem mais espaço no mercado se unidos em movimentos como estes?

Paulo Borges – Sim, mas não só os profissionais de cultura. Os mercados estão se transformando rapidamente, na velocidade das redes. Já falávamos isso em meados da década passada. A importância das redes, de se trabalhar em rede. Esse, pra nós, é o grande diferencial, e com o qual ainda estamos aprendendo a nos relacionar de formas mais efetivas. A ideia de se conectar e interagir em rede, em vários níveis, nos coloca diante de uma condição muito mais aberta e aparentemente caótica, não hierárquica por excelência. Esta é uma condição essencialmente benéfica e fértil para a produção de novos espaços e formatos de trabalhos e, consequentemente, para a formulação e realização de novos conceitos e ideias. São conceitos fundamentais do que chamamos de economia criativa. São mais imprevisíveis, mas por isso mesmo podem surpreender e inovar.

DC – Você também adota o trabalho em rede nos seus projetos?

Paulo – Sim. Todos os nossos projetos sempre partem de uma base de construção coletiva, colaborativa, conectando diversas redes criativas e gerando novas possibilidades de aprendizado, trocas e parcerias, o que só fortalece o processo.

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DC – Como está vendo a criação da Secretaria da Economia Criativa e o fato de ela ser responsabilidade do Ministério da Cultura, e não de outro, como do Ministério do Desenvolvimento e Indústria, por exemplo?

Paulo – Acho que o governo acaba vindo a reboque de uma situação que já está em andamento há algum tempo. E acaba sendo natural que esta visão tenha se enraizado no MinC a partir da gestão do ministro Gilberto Gil, o primeiro que soube ampliar o olhar e, entre outras coisas, reconhecer publicamente a moda como expressão cultural, antes de ela fazer parte do plano nacional de cultura. A própria secretária Claudia Leitão, que esta à frente da Economia Criativa no MinC, se notabilizou no Ceará encabeçando e apoiando iniciativas e reflexões nessa área quando foi Secretária da Cultura. Ela conhece bem o assunto e tem todas as credenciais para levar o projeto adiante. Envolve 9 ministérios, trabalha com a perspectiva que tanto defendemos e valorizamos que é a da convergência – convergência de ideias, de ações. Precisamos, sem dúvida, apoiá-la integralmente. É um projeto ousado para um país que ainda não aprendeu a trabalhar de forma integrada às suas políticas públicas nas várias esferas de poder.

DC – O que tem atrapalhado o desenvolvimento desta indústria em nível político?

Paulo – A barganha política e os interesses partidários e particulares são dois venenos pesados para um país que quer criar, inovar, empreender e se estabelecer no mercado mundial. São práticas seculares entranhadas no país inteiro. E, mesmo assim, somos capazes de produzir tantas riquezas e belezas. Imagine se pudéssemos ter um ambiente mais favorável!

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DC – Quais as diferenças essenciais no funcionamento da indútria tradicional e da economia criativa?

Paulo – A indústria tem uma outra lógica, trabalha ainda dentro da lógica do velho paradigma, o paradigma do brick and mortar, onde crescimento, controle, método, espaço físico e hierarquia são palavras de ordem. A economia criativa trabalha com a lógica do desenvolvimento, onde inovação – pensar outras formas, questionar o status quo, rever processos, inclusão e sustentabilidade fazem parte do processo criativo. A economia criativa renova e oxigena não só a velha indústria, mas todas as estruturas da sociedade, porque ela é insolente e questionadora por natureza. Para nós, a economia criativa sempre esteve ligada à inteligência e transformação. É a ideia de ir além. (fizemos inclusive uma edição inteira do SPFW dedicada ao prefixo TRANS (referindo-se à transformação), quando introduzimos as paredes de papelão e o conceito de sustentabilidade no evento, isso foi em 2006).

DC – Você foi um dos pioneiros da economia criativa no Brasil, ajudando a consolidar a indústria da moda, quando ainda nem conhecíamos o termo “economia criativa”. Para você, criatividade sempre esteve aliada à indústria, certo? Como vê este movimento surgindo agora no país? O que está diferente no mercado hoje? Acredita que os profissionais da área da cultura, no Brasil, estão mais conscientes do poder mercadológico das suas criações?

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Paulo – Estamos em um momento de transição típico do início dos séculos, em que o novo começa a se impor, mas ainda encontra muitos pontos de resistência. Temos medo, é natural. As mudanças quase sempre sinalizam um período de incertezas e instintivamente buscamos segurança. Mas hoje ela não está em nenhum lugar. Estamos assistindo a fragilização de modelos, crenças e instituições que acreditávamos serem intocáveis. É um momento delicado, mas também muito rico, onde tudo é possível, um momento criativo por excelência. As novas tecnologias oferecem ferramentas e ambientes propícios para que qualquer pessoa em qualquer lugar possa pensar e propor a próxima grande ideia. Essa é a cara da nova economia, que já trouxe novos modelos de produção e distribuição para a música, o cinema, a fotografia, as artes, os softwares, os games, a educação… As novas gerações parecem ter pressa para tudo. As novas tecnologias nos transportam para qualquer lugar em segundos. Queremos juntar essas pontas, aproximar ideais e realidades, criar pontes, cutucar, fazer as pessoas pensarem qual o Brasil que querem para si, buscar novas soluções e inspirações. Vamos estar de olho nisso, não só em quem é criativo, mas em quem tem uma boa ideia e um bom plano para colocar de pé essa ideia, que acaba sendo o mais difícil.