Aos 19 anos, uma doença colocou uma cadeira de rodas no caminho de Juliana Carvalho. Sem esconder os momentos dolorosos e a vontade de desistir, ela lançou um livro com relatos autobiográficos cheio de humor e esperança. Hoje, aos 29 anos, a publicitária porto-alegrense compartilha suas histórias.
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Além de discorrer sobre questões fundamentais para o cotidiano dos cadeirantes, o livro Na Minha Cadeira ou na Sua (Editora Terceiro Nome) intercala narrativas sobre a vida da autora antes e depois da lesão medular. O que chama a atenção e é tema da entrevista a seguir é a (re)descoberta do amor e do sexo. Confira:
Donna ZH :: Como foi a tua primeira transa depois da doença (inflamação na medula) que a deixou em uma cadeira de rodas?
Juliana – Foi depois de cinco anos! Foi muito difícil, foi um dos processos mais complicados. Eu logo voltei a trabalhar, logo voltei a estudar, não parei de sair, só que na minha cabeça, com 19 anos, eu nem sabia o que era cadeira de rodas, a minha mentalidade era que cadeirante não tem vida sexual. Eu parei de sentir meu corpo do peito pra baixo, parei de me mexer, engordei 20 quilos, pra mim antes era muito fácil ficar com qualquer cara e aí, de repente, fiquei com a cara do fofão, com a auto-estima lá na sola do sapato. Como eu ia conquistar alguém? Como eu ia sentir prazer? Foi tudo muito conflitante, foi um processo super longo para redescobrir como ter prazer.
A minha primeira vez foi muito legal, com um cara que conheci no centro de reabilitação. Começamos a ficar e, depois de um mês, eu estava louca pra ir no motel. Aí combinamos que íamos pra balada e em um motel adaptado lá de Brasília. Ficamos dez horas no motel! Tirei o atraso de uma maneira! (risos) Foi muito bom, me destravou todo aquele medo, o anseio, aquela angústia, tudo que eu pensava que não era mais possível de conquistar, ter prazer, foi tudo pro espaço naquele dia.
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Donna ZH :: Qual o teu maior receio em relação a sexo na época?
Juliana – No motel, meu receio tinha todo ido embora, porque o tesão continuava igual. Eu só pensava: “Como vou sentir prazer se eu não sinto meu corpo?”, porque o orgasmo é uma função cerebral, só que precisa de estímulo. Aí eu descobri que vendo, eu recordo as sensações e me dá tanto tesão quanto se eu sentisse. Foi um total aprendizado de outras forma de fazer sexo, de ter prazer. Tu tem explorar as áreas que tu sente e onde tu não sente, tem que ficar vendo. Dá pra fazer tudo, a minha última vez foi no carro!
Donna ZH :: O que tu aconselha as cadeirantes a fazerem para se sentirem mais atraentes?
Juliana – A primeira coisa é aceitar a transformação do corpo. As pernas vão afinar e os braços vão aumentar um pouco. Um amigo meu que diz que o homem é muito visual. Estatísticas comprovam que é muito mais fácil uma mulher andante ficar com um homem cadeirante, do que um homem andante ficar com uma mulher cadeirante, porque não dá pra ver a bunda dela. A gente perde 50% das chances nessa história! Então tu tem que usar um decotinho, o papo, a gente passa a atrair muito mais pela conversa. Pode usar também roupas que valorizam o que pode explorar. Fiquei muito tempo sem sair de perna de fora, é mais paranóia da nossa cabeça mesmo. Tudo vem do lance de se sentir bem, porque quando estamos bem, ficamos mais bonitas.
Donna ZH :: Quais conselhos tu dá sobre sexo para mulheres cadeirantes?
Juliana – As mulheres têm que perder o medo e encontrar um cara legal pelo menos para a primeira vez, porque a pessoa fica mais insegura. Dou uma dica: quando se tem uma lesão, perdemos a função de encaixar o quadril. Se a mulher colocar um travesseirinho embaixo do bumbum, ajuda na hora do sexo. Aprendi isso com uma tetraplégica lá em Brasília! (risos)
Donna ZH :: Qual a maior dificuldade que tu teve na cama?
Juliana – As dificuldades sempre foram mais psicológicas mesmo, mas eu fiquei numa situação engraçada já. No motel, eu consegui me transferir pra banheira, mas meu companheiro tinha um problema no joelho, ele era do setor da ortopedia, e não conseguia dobrar o joelho, então não podia me pegar no colo na hora de me tirar da banheira. Eu fiquei 15 minutos tentando sair, quase chamei a camareira pra ajudar, foi muito engraçado!
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Vídeo: Confira a entrevista de Juliana ao Jornal do Almoço
Donna ZH :: Qual foi a tua melhor descoberta no sexo?
Juliana – Descobrir que dá pra ter orgasmo, mesmo sem sentir o corpo. Eu me perguntava: “Será que vou ter orgasmo de novo na minha vida?”. Era meu grande medo. Talvez tu tenha perdido a função do rebolation, mas pode se especializar em outras áreas! (risos)
Donna ZH :: Tu percebe uma onda de conscientização em relação a adaptação de estabelecimentos para receber cadeirantes?
Juliana – Nós não queremos conscientização só na conversa, queremos na prática. Eu vou no shooping e não entro em 98% dos provadores, é ridículo. Se queremos jantar, ficamos limitados a alguns restaurantes adaptados. Talvez a consciência esteja chegando, mas nós queremos ver na prática. “Oh, que legal que vocês saem”, mas “tá, e aí amigo? Quero fazer xixi!”. E não falo de adaptação só para cadeirantes. Tem cardápio em braile? Tem alguém treinado que saiba libras se chegar algum surdo? Acessibilidade não é só colocar uma rampinha e ter banheiro grande, tem que ser em todos os sentidos. Cada um tem que fazer a sua parte, e eu quero aproveitar a visibilidade que estou tendo para ter mais força para brigar para que os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados. Motéis adaptados já! Queremos motéis e botecos adaptados, não só hospitais e clínicas de fisioterapia. Nós queremos, e podemos, fazer tudo!
Donna ZH :: Como tu te sente agora em relação a tudo isso?
Juliana – Estou muito bem. Sou uma mulher muito bem resolvida.