Cônsul-Geral do Consulado dos Estados Unidos em Porto Alegre (RS), o norte-americano Shane Christensen assumiu a função diplomática no Brasil em meio à maior crise sanitária dos últimos tempos. A missão tem sido manter sólidas as pontes com o Rio Grande do Sul e Santa Catarina – os dois estados que estão em sua alçada – e construir novos acessos. Um desafio à altura de seu currículo.

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Antes de ser lotado no Brasil, o diplomata foi chefe de gabinete do Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado norte-americano, em Washington. Também foi instrutor de liderança e negociações no Instituto de Serviços Estrangeiros dos EUA e oficial sênior no setor de Comunicação e Gestão de Crises do Departamento de Estado. Christensen já teve passagens pelas embaixadas norte-americanas no Afeganistão, México, Cuba e Emirados Árabes, foi assistente do embaixador dos EUA na ONU, em Nova York, e delegado da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Paris.

Mas nem tudo se resume à política: antes da diplomacia, o cônsul foi escritor freelancer sobre viagens pela América Latina, Europa e Estados Unidos. Christensen conheceu Santa Catarina antes mesmo de assumir o cargo diplomático no Brasil e se mostrou entusiasmado com Florianópolis. Fez questão de comentar sobre isso.

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Simpático, bem humorado e com um bom português, o cônsul falou com exclusividade à NSC a distância, a partir do Consulado em Porto Alegre. A conversa foi parcialmente transmitida pela CBN e marcou a estreia do cônsul em uma entrevista para rádio. Com verniz diplomático, Christensen falou sobre as relações com os EUA, as oportunidades para Santa Catarina no mercado norte-americano e as perspectivas para o governo Joe Biden num país marcado pela polarização.

Confira mais detalhes na entrevista a seguir:  

Há uma boa relação do mercado em SC com o consulado e com a embaixada, um sentimento de “portas abertas”. Isso será mantido? Quais são as ações prioritárias do Consulado em relação a Santa Catarina?

Primeiramente quero expressar minhas condolências pela devastação causada pelas recentes inundações em SC, especialmente em Florianópolis. Isso, além da pandemia em curso, torna o período muito desafiador. Também quero dizer que, mesmo que esteja no Brasil há apenas seis meses, adoro Santa Catarina. Tive a oportunidade de estudar português em Florianópolis, pouco antes do começo da pandemia. Além de suas praias e qualidade de vida, Florianópolis é um destino fascinante, inovador. Minha família e eu estamos ansiosos para visitar o resto de Santa Catarina assim que essa pandemia acabar. 

A relação entre os Estados Unidos e o Brasil é forte e madura, e vamos continuar a fortalecer o relacionamento de uma forma que promova nossos respectivos interesses e valores. Nossa cooperação em muitas áreas é duradoura e institucionalizada, inclusive na área de economia e comércio. A transição pacífica do poder para o presidente Biden, e seu apelo à unidade, representam um grande momento para novos começos. Então, com muito prazer posso explicar um pouco mais sobre o que estamos fazendo com o estado de SC.

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Desde minha chegada estou me reunindo com contatos-chave, estabelecendo uma base a partir da qual podemos construir a nossa cooperação em várias áreas. Estamos prestando atenção, ouvindo as vozes diversas de SC. Nos reunimos com o governador, os secretários de Estado, presidentes de associações, reitores de universidades, Acate, líderes empresariais da Fiesc e Amcham (Câmara de Americana de Comércio) também. Em minha reunião com o governador, concordamos em desenvolver um plano de engajamento estratégico.

A ideia é delinear os parâmetros dentro dos quais SC e o nosso consulado pretendem cooperar nas áreas de economia, mas também de saúde, engajamento público e segurança pública. Nós estamos agindo, já nos reunimos com vários grupos de trabalho, com participantes do setor privado e do governo estadual, para fomentar um ambiente de negócios favorável a empresas americanas e catarinenses. O engajamento que planejamos para este ano vai ter como foco conectar as empresas de SC com os EUA e agências de fomento econômico.

Que oportunidades há para SC nos Estados Unidos?

Nosso embaixador falou com a Fiesc sobre as perspectivas de relações bilaterais e também para entender as prioridades que o Estado tem. Nosso consulado, em Porto Alegre, fez parceria com a Amcham Joinville para sediar uma mesa redonda virtual no dia 1º de dezembro do ano passado, entre representantes do setor privado e governos estaduais, com o objetivo de estimular o comércio e o investimento bilateral.

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Pegamos o que aprendemos e aproveitamos isso na estratégia que estamos desenvolvendo em conjunto com o governo de Santa Catarina. Estamos identificando oportunidades e áreas de interesse para possíveis missões comerciais no futuro. Sabemos, por exemplo, que SC é um polo de inovação reconhecido nacionalmente e, por isso, temos promovido intercâmbios e atividades na área de tecnologia, saúde, cidades inteligentes, por exemplo. Estamos planejando atividades nas áreas de promoção e comércio bilaterais, incluindo desenvolvimento de infraestrutura, por exemplo. Saúde e tecnologia, agronegócio. Mas também segurança pública, engajamento público, incluindo direitos humanos, educação e aprendizagem da língua inglesa.

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Diplomata norte-americano durante a entrega de kits de limpeza e higiene na região metropolitana de Porto Alegre, no ano passado (Foto: Embaixada e Consulado dos EUA no Brasil, Divulgação)

O senhor falou sobre Florianópolis, e o turismo é um dos grandes chamarizes de SC. O senhor vê potencial para que o Estado atraia o turista norte-americano?

É uma excelente ideia. Nós sabemos que SC, as belas praias que vocês têm, além da beleza têm uma alta qualidade de vida. Acho que tem potencial para expandir esse turismo e vamos fazer o que pudermos para compartilhar essas oportunidades com nossas agências e com o povo americano. Acho que Florianópolis e SC já têm uma boa reputação.

Uma das mudanças em relação ao novo governo nos EUA diz respeito a questões ambientais. Como as empresas de SC que querem entrar ou manter negócios com os Estados Unidos podem se preparar para esse novo momento?

Estamos no começo desse plano de engajamento que mencionei, desenvolvendo com o Estado. Prefiro esperar para falar sobre os detalhes em breve. É verdade que o meio ambiente será uma questão de alta prioridade para o nosso novo governo, mas não é uma área nova para nós. Realizamos um diálogo ambiental de alto nível no ano passado. Nosso retorno ao Acordo de Paris cria mecanismos adicionais para trabalharmos juntos. Nosso trabalho é realmente criar diálogo e pensar criativamente em soluções que sejam boas para o Brasil os EUA, e também para o mundo. 

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Qual a previsão de retomada da análise e emissão de vistos para brasileiros, que está suspensa em razão da pandemia? Quantos vistos o senhor estima que tenham deixado de ser emitidos?

O número de vistos caiu muito, porque temos essa situação, agora quase 11 meses de pandemia. Importante saber que o presidente Biden emitiu ontem (segunda-feira, dia 25) uma proclamação presidencial mantendo as restrições de viagens para vários países, incluindo o Brasil. Essa proclamação representa a continuação das restrições de viagem para indivíduos desses países. Sobre essas restrições, vistos não serão emitidos para estrangeiros que estiveram ou estarão em qualquer um dos países listados, incluindo o Brasil. 

Essa proclamação presidencial não restringe cidadãos norte-americanos ou residentes permanentes legais, ou indivíduos que se qualificam em uma das exceções para viajar aos Estados Unidos. Entretanto, de acordo com as diretrizes anteriores emitidas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, o CDC, todos os viajantes deverão agora apresentar um teste negativo de Covid-19 antes de embarcar. 

O senhor vê possibilidade de que a vacina contra a Covid-19 passe a ser uma das exigências para viagens internacionais, inclusive para os EUA?

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O que posso dizer é que ambos países (EUA e Brasil) entendemos o quão importante é a vacina, e ambos temos metas ambiciosas para levar a vacina ao nosso povo. Os EUA continuarão trabalhando lado a lado com o Brasil para combater a pandemia. Respeitamos as decisões do governo brasileiro sobre como busca esse objetivo, e estamos ansiosos para trabalhar juntos para garantir que as vacinas sejam feitas o mais amplamente possível.

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Shane participa de atividade solidária do consulado norte-americano em 2020 (Foto: Embaixada e Consulado dos EUA no Brasil, Divulgação)

No consulado, em Porto Alegre, o senhor está a poucos metros de onde ocorreu a morte de João Alberto, em novembro passado, que marcou o movimento contra o racismo no Brasil, um país onde, assim como os EUA, esse é um problema estrutural. Quais as ações em que o consulado tem se envolvido para combater a desigualdade racial?

Há uma importante conversa e movimento acontecendo hoje nos Estados Unidos a respeito do racismo e violência, especialmente contra os negros. É de importância vital para nós fazer tudo o que pudermos para aumentar a consciência da discriminação e trabalharmos juntos para acabar com ela. O Departamento de Estado, onde trabalho, desenvolveu mecanismos legais de proteção contra a discriminação. Nós, como Consulado, aqui em Porto Alegre, também implementamos essas políticas internamente. E também formamos, toda a missão americana no Brasil, comitês chamados Embrace.

É como um jogo de palavras, entre a ideia de embrace, que é aceitar, e race, que é raça. Esses comitês se dedicam a organizar eventos e discussões sobre como promover a aceitação da diversidade, como enfrentar o racismo e como estimular a inclusão social. Isso é uma prioridade para nós, no Consulado. 

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Por exemplo, semana passada nos reunimos, usando uma plataforma digital, e discutimos sobre o trabalho de Martin Luther King Jr. na formação dos direitos civis nos EUA, e tentamos conectar o legado dele com os acontecimentos de hoje. É um tópico muito importante para nós.

O Consulado tem atuado para incentivar esse tipo de política pública no Brasil?

Essa é uma pergunta para os brasileiros responderem, decidirem. Mas o que podemos fazer como Consulado, como governo, como sociedade, é compartilhar ideias, melhores práticas, dizer o que nós estamos aprendendo como resultado do movimento acontecendo hoje nos EUA. Isso é o que podemos fazer. 

O senhor atuou no passado em um projeto sobre incivilidade e disfunção política. Que leitura faz do atual momento político nos Estados Unidos?

De fato, em 2014 trabalhei para uma organização tentando reduzir a polarização dentro de nossa sociedade. Agora, como Cônsul Geral em Porto Alegre, vou evocar o papel que tenho hoje. Mas acho que podemos conectar com o que aconteceu na semana passada nos EUA, com a posse do presidente Biden, que foi o símbolo mais visual da transição pacífica do poder, na confirmação realmente da vontade do povo americano. Fiquei particularmente impressionado com o apelo do presidente Biden para unir o povo americano. Acredito que isso seja o que a maioria dos americanos quer.

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Quero mencionar também que foi histórico ver a primeira mulher, Kamala Harris, também afro-americana, como nossa vice-presidente. É muito importante que continuemos trabalhando para essa unidade e evitar a divulgação de notícias falsas. Acho que isso é um desafio para toda a nossa sociedade no futuro.

O senhor vislumbra um caminho para vencer a polarização?

O que aconteceu na semana passada foi muito importante porque mostrou a força de nossas instituições, e foi um símbolo da vontade do povo americano. Vamos continuar, vamos seguir nesse caminho, nossa democracia é forte. Temos entre EUA e Brasil uma boa relação, forte, madura, institucionalizada, e acho que temos uma excelente oportunidade de reforçar nossas relações, inclusive a nível estadual. Tem muitas oportunidades com nossa parceria em SC, seja para aumentar os investimentos bilaterais, compartilhar as melhores práticas na área de segurança pública, ou ainda para aumentar o intercâmbio. Depende de pensarmos nas áreas de interesses em comum.

Confira o áudio com a entrevista com Shane Christensen, cônsul dos EUA em SC e RS: