Bel Pesce, 24 anos, se define como uma apaixonada por tecnologia, matemática e gente. Ela é autora do livro A Menina do Vale (disponível gratuitamente em www.ameninadovale.com), uma coleção de dicas para quem quer empreender que já teve mais de 100 mil downloads em apenas uma semana. Mesmo jovem, tem o que ensinar: para ser estudar no reconhecido MIT, precisou misturar um pouco de cara-de-pau, autoconfiança e muito trabalho duro. No primeiro ano, começou a estagiar na Microsoft. Depois, passou pelo Google. E foi só o começo.
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Ainda que defenda que mesmo grandes empresas têm espaço para o comportamento empreendedor, quis ver o nascimento de uma startup de perto. Juntou-se à Lemon para lançar um aplicativo de finanças pessoais que, em poucos meses, já passa de um milhão de usuários. Confira trechos da entrevista concedida à Zero Hora por Skype, direto de Palo Alto, na Califórnia:
Zero Hora – Como você conseguiu entrar no MIT?
Bel Pesce – Quando me dei conta que existia um processo de seleção no MIT para quem não é cidadão americano estava superperto do prazo, já. Eu sabia que as chances eram míseras, mas queria ao menos tentar. Um amigo já tinha se inscrito, e eu pedi para ele o endereço do ex-aluno que havia feito a entrevista com ele no Brasil. Apareci na casa desse cara em uma mistura de desespero e animação. E ele foi superlegal, mas me disse que as chances eram pequenas. Quanto ao SAT, eu tinha perdido o prazo para me inscrever, mas ainda não tinha perdido a data da prova. Então eu fui e implorei por uma prova. E dois meses depois dessa história eu acabei recebendo uma cartinha falando “Bem-vinda ao MIT”, e eu não acreditava.
ZH – Que curso você fez?
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Bel – No MIT, tem um currículo básico e normalmente no segundo ano você declara o curso principal, mas eles deixam você fazer todas as matérias que quiser. Acabei fazendo aulas de música, japonês, francês. Eu cheguei com essa vontade de agarrar o mundo, eu queria fazer todas as classes que eu enxergava pela frente. Fiz dois diplomas principais: Administração e Engenharia Elétrica combinada com Ciência da Computação. E fiz dois diplomas secundários: Matemática e Economia. Só para ter um parâmetro, as pessoas normalmente fazem quatro matérias por semestre e, com essas, conseguem um diploma em quatro anos. Eu cheguei a fazer 13 matérias em um semestre.
ZH – Você ganhou bolsa? Como fez para pagar os estudos nos EUA?
Bel – No Brasil, eu já trabalhava. No dia em que recebi a cartinha do MIT, saí correndo para o meu colégio. Fui bater na porta de um dos diretores e falar que eu precisava de um emprego, precisava de ajuda, senão eu não conseguiria ir pra lá. E o Etapa me ajudou muito. Eu fazia de tudo um pouco: dava aula no cursinho, acompanhamento para quem queria fazer alguns vestibulares especiais como o ITA, falar com mães que tinham como sonho que os filhos entrassem em universidades americanas, corrigir apostilas. Quando eu cheguei ao MIT eu também queria minimizar o quanto os meus pais teriam que pagar e maximizar o quanto eu poderia pagar. Era o meu sonho, não era o sonho deles. Aproveitei para já trabalhar no MIT e quando tinha férias (tem quase 4 meses por ano de férias), eu aproveitava para ir para a sede de alguma empresa e trabalhar também. Então comecei com coisas simples no MIT: no primeiro trabalho eu ligava para ex-alunos pedindo doações para o MIT. Era legal porque eu falava com ex-alunos, aprendia o que eles gostavam ou não gostavam do MIT e treinava o meu inglês, e além de tudo levantava dinheiro para pessoas que depois precisariam de bolsa. Eu fui com uma bolsa parcial.
ZH – Você passou pela Microsoft e pelo Google. O que você fez nestas empresas?
Bel – No primeiro ano, eu acabei indo para a Microsoft. A empresa recruta no campus, principalmente o pessoal do terceiro ano que em breve poderá ser efetivado. É impressionante como, mesmo sendo estágio, essas empresas davam muita responsabilidade e muita oportunidade para você crescer. Eu trabalhei em um departamento que se chamava Office Labs, que fazia inovações relacionadas à produtividade. No Google, era um projeto de pesquisa de Mestrado com o Google Translate, mas na verdade ainda não terminei. Acabei me apaixonando mais por querer fazer alguma empresa e tranquei o Mestrado.
ZH – Por que você diz que é possível empreender mesmo trabalhando em empresas grandes?
Bel – Empreender não é só começar a empresa. Empreender tem muito a ver com inovação, tem muito a ver com ser criativo, criar soluções diferentes, elaborar ideias, e isso é algo que você pode fazer em praticamente toda empresa. Até nas empresas mais burocráticas do mundo, você pode ser criativo e ter a iniciativa de iniciar alguns projetos lá dentro, ter iniciativa de mobilizar um grupo, gente que gosta de inovação.
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ZH – Como surgiu a Lemon, startup em que você atua hoje, e qual é o seu papel na empresa?
Bel – Eu conheci um empreendedor muito legal, que estava pensando em começar uma empresa de gestão financeira. Eu sabia que queria aproveitar o crescimento das tecnologias móveis, e sabia que para mim era muito importante ver uma empresa se desenvolver desde o começo. A gente lançou o produto em outubro – é um produto que ajuda você a organizar suas finanças pessoais – e em fevereiro já tinha passado a marca de um milhão de usuários. E estou aprendendo para caramba. Todo dia aprendo muito.
ZH – Você poderia descrever o processo de criação do produto? Com um milhão de usuários em tão pouco tempo, ele já pode ser considerado um sucesso…
Bel – Tem que crescer muito ainda! O empreendedor é um observador nato. Uma das grandes coisas que o empreendedor faz é observar quais são as necessidades que as pessoas têm e que ainda não foram solucionadas. A gente começou a ver que os dispositivos móveis estão crescendo em uma velocidade assustadora, de uma maneira que nunca foi vista antes com a tecnologia. Isso abre muitas possibilidades, porque a pessoa está 24 horas com aquele aparelho. E tem muitas coisas na área de finanças pessoais que ainda não foram feitas para dispositivos móveis. A gente faz as apostas, e aprende com a resposta do mercado, e continua mudando. É impressionando o quanto às vezes a gente tem uma ideia e depois repara que não, que a gente tá errado. E tem que mudar rápido. Especialmente no começo da vida da empresa, você tem que ser muito flexível para entender a resposta dos clientes.
ZH – E qual é a estrutura da empresa hoje?
Bel – Hoje é uma equipe sensacional, tem 20 pessoas. Estou crescendo com empresa. A ideia de estar na Lemon desde o começo foi realmente para aprender. A razão pela qual eu queria tanto fazer parte desse projeto em que quando eu entrei a gente não sabia nem o que ia ser foi pelas pessoas que estavam associadas.
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ZH – E tuas funções na equipe?
Bel – A cada dia é uma loucura diferente. O legal de uma empresa pequena é que você realmente vê todas as partes: vê o que o pessoal do marketing está fazendo, o pessoal de operações, o time de engenheiros está trabalhando a cada dia. Mas o meu trabalho principal é o setor de negócios. É distribuição do aplicativo, parcerias que podem melhor funcionalidades do aplicativo. Trato bastante de produto também, porque as integrações em geral tocam o produto. Por exemplo, a gente integrou com o Evernote. Então eu faço de tudo um pouco. Estou aprendendo muito, nunca fiz isso antes.
ZH – Vocês tiveram investimentos de fora? Como foi para tirar a ideia do papel?
Bel – A gente teve investimentos. Tem prós e contras de levantar ou não levantar investimentos. A gente tem investimento externo. Mas existem muitos investidores, e ele focam em diferentes coisas: alguns estão interessados no tamanho do mercado que você está tentando entrar. Alguns focam em qual é a ideia. Mas tem muito investidor que foca muito na equipe. E se é uma equipe que antes já fez acontecer, isso ajuda muito. Então o nosso presidente e grande parte da equipe é gente que já tinha feito parte de outras startups antes, startups que deram certo. E isso ajudou bastante no processo de levantar capital.
ZH – Você está na Califórnia, um ambiente propício para o nascimento de empresas, com gente qualificada e disposta a se associar para criar um negócio. Como é lançar uma startup nesse cenário?
Bel – O benefício é que as pessoas são doidas por fazer acontecer. O pessoal trabalha muito, não tem medo de errar. O lado difícil é que tem gente muito qualificada, e a competição é muito grande. Quando você lança o produto, você vê que 10 outros caras estão fazendo uma coisa muito parecida. Principalmente agora que, para criar tecnologias para a web, aplicativos de telefone, o custo de entrada está muito mais baixo. Fica muito fácil para qualquer pessoa, de casa, começar uma empresa pequena. É um lugar muito competitivo.
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ZH – Vemos que a presença de mulheres ainda não é muito comum neste cenário de novos negócios digitais. Como você avalia esta diferença?
Bel – Tem uma discrepância muito grande no número de homens empreendedores e mulheres empreendedoras. Há associações, como a Women 2.0 (www.women2.com), que tentam fomentar o empreendedorismo nas mulheres. Eu acho que é uma questão de tempo. Tem esse problema de base: nas faculdades de tecnologia também há mais homens do que mulheres. Eu acho que é uma questão de, desde o começo, mostrar para as meninas que é muito legal criar tecnologia, é muito legal empreender.