Se é verdade que preferimos a festa à revolução, a nossa índole pacífica não pode servir de pretexto para o imobilismo.
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Artigo publicado nesta semana pelo jornal El País, da Espanha, assinado pelo correspondente no Brasil Juan Arias, jornalista e escritor reconhecido na Europa, destaca a ausência de manifestações e protestos durante o Carnaval e afirma que os brasileiros têm mais simpatia pela festa do que pela revolução. Onde estavam os black blocs? – pergunta o espanhol, lembrando que os manifestantes, assim como criminosos, a polícia e até mesmo os políticos, estavam todos envolvidos na celebração coletiva.
Embora reconheça a imprevisibilidade do que acontecerá agora com a Copa e com as eleições presidenciais, o analista conclui que a opção dos brasileiros é pelo jeitinho e por soluções transversais para os conflitos, razão pela qual muitas pessoas se sentiram aliviadas com o radicalismo que os excluiu das manifestações, pois assim não precisam mais ir para as ruas pedir mudanças. Pode parecer uma interpretação sociológica superficial de um estrangeiro, mas merece atenção neste momento em que o país se prepara, efetivamente, para a retomada das atividades normais – se é que pode haver normalidade num ano de Copa e eleições.
Se é verdade que preferimos a festa à revolução, o que poderia ser confirmado com algumas das grandes transformações políticas do país que foram efetivadas sem mortos nem feridos, embora já tenhamos também protagonizado conflitos sangrentos, a nossa índole pacífica não pode servir de pretexto para o imobilismo. Independentemente de Carnavais e jeitinhos, precisamos avançar para novos patamares de desenvolvimento, precisamos superar mazelas persistentes como a criminalidade e os maus serviços públicos, precisamos desenvolver uma nova cultura ética, combater a corrupção e aperfeiçoar a democracia. Se fizermos tudo isso com alegria, melhor.
Não podemos, porém, deixar que o espírito festivo mascare problemas históricos e recentes. Nem que a repulsa à violência dos black blocs inviabilize mecanismos de acompanhamento e cobrança sobre os representantes políticos, por serviços qualificados e pela destinação correta dos recursos públicos. Vivemos um momento de plena liberdade no Brasil. Não podemos desperdiçá-lo.
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Entre os extremos da festa e da revolução, há outros pontos que os brasileiros podem alcançar sem comprometer a sua identidade, como educação transformadora, segurança pública, serviços eficientes de saúde, melhor infraestrutura e governança íntegra. Como se faz tudo isso? Com trabalho, justiça e cidadania, certamente. Mas também com festas como o Carnaval, que não deixa de ser uma revolução permanente de criatividade, tolerância e diversidade.