Eles foram donos dos céus, senhores do ar, soberanos das asas. Na cabine de comando de modestos DC-3 ou possantes Boeing 747, foram reverenciados por chefes de estado e tietados por celebridades. No princípio eram 16. Restaram os seis, que somam mais de 160 mil horas nas alturas.Aos cinco continentes, levaram a insígnia da Varig no leme dos aviões e desfrutaram o apogeu de uma das maiores do mundo.

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Recordam-se em tom passional os lugares que avistaram do alto e que pisaram por terra. Mas o mundo os esqueceu. Os ex-comandantes Fredy Wiedemeyer, Alfredo Flemming, Luiz Achutti, Ricardo Lobo, Jair Schütz e Mario Ungaretti são os remanescentes da primeira turma da Escola Varig de Aeronáutica (Evaer). Na próxima sexta, vão se reencontrar em Porto Alegre para comemorar 60 anos de formatura.

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Mas a celebração vem numa fase angustiante. Os veteranos estão entre os 17 mil dependentes do plano de previdência complementar Aerus – criado em 1982 para os ex-funcionários da Varig e da Transbrasil. Desde a falência da Varig – oficialmente em recuperação judicial _, em 2006, viram as aposentadorias se esvaírem, reduzidas em 92% sobre o valor a que têm direito.

A comemoração às seis décadas será singela: uma cerimônia na Igreja São José, no Centro da capital gaúcha, seguida do almoço para relembrar as velhas histórias. Os veteranos que ocuparam o posto mais alto da aviação civil agora recorrem à solidariedade de familiares e amigos para seguir de avião a Porto Alegre. Mês que vem, o Aerus deve pagar a última parcela, enquanto o processo indenizatório tramita na Justiça.

Passageiros célebres e escalas pelo Estado

Em meio à turbulência, Fredy Kurt Wiedemeyer é o agitador do reencontro. Do quarto de 10 metros quadrados no apartamento onde mora, no Norte da Ilha, em Florianópolis, abarrotado de estátuas e relíquias dos países por onde andou, articula com os ex-colegas pelo telefone a reunião.

O gorro de couro usado no primeiro voo, a miniatura do avião a hélice do início da carreira e o diploma da Evaer estão expostos com esmero. Aos 79 anos, viúvo duas vezes, o porto-alegrense vive há 21 em Santa Catarina, desde que se aposentou.

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Percorreu 64 países, dominou cinco idiomas, morou em Lisboa, Los Angeles e Roma. As estrelas de cinema Lana Turner, Rock Hudson, Romy Schneider e Catherine Deneuve viajaram com ele. Enquanto presidentes, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Fernando Collor e o secretário-geral da ONU, Kurt Walheim, cumprimentaram-no na cabine. Em 1980, fora abordado várias vezes por um curioso João Paulo II, na viagem de volta a Roma, deslumbrado com a paisagem amazônica.

– Ele queria que mandássemos uma mensagem via rádio para cada presidente dos países por onde passássemos. O pior é que eu não sabia o nome deles – relembra do aperto.

Primeiras rotas tinham escalas em SC

Wiedemeyer não é o único saudosista. Os outros colegas também são movidos pelas lembranças da empresa em que "tudo funcionava".

– Ainda sonho com as coisas que eu vivi. As conversas com os colegas na cabine. Minha felicidade se deve ao fato de eu ter conseguido voar na Varig – suspira Ricardo Lobo, 85 anos, morador do Rio de Janeiro.

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Na década de 1960, o ex-comandante pilotava um DC-3 com capacidade para 30 passageiros, que saía de Porto Alegre e pipocava entre Tubarão, Araranguá, Florianópolis, Navegantes, São Paulo até chegar ao Rio. Alguns dos aeroportos catarinenses eram meros campos de aterrissagem. No fim, Lobo alcançou o posto de piloto-chefe da companhia.

O mais rodado é Jair Schütz, 81, de Porto Alegre. Jura que foram mais de 40 mil horas no ar, como se passasse quatro anos e meio a viajar, sem paradas.

Viúvo há um ano, Luiz Achutti, 84, vive no apartamento da Rua 24 de Outubro, na capital gaúcha. Faz as contas no caderno onde anotara todas as rotas e descobre: só para Nova York foram 230 viagens, além de outras 400 travessias do Atlântico rumo à Europa, a bordo do Jumbo 747.

– Era uma vida muito boa. A gente era respeitado. Piloto era tratado como autoridade. E a Varig custeava tudo. Isso não existe mais hoje. Nem é possível mais manter, por causa dos custos.

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