Já no século 19, as elites de Florianópolis brincavam o carnaval. Primeiro com as sociedades carnavalescas, depois com os blocos e, por fim, a partir dos anos 20, quando as comunidades de ex-escravos começaram a ocupar o espaço público, e a folia caiu no gosto popular, sempre embalada por marchinhas, marchas-rancho e sambas de escolas. Hoje, a tradição tenta sobreviver. Com poucos recursos públicos — a prefeitura da cidade não irá investir este ano e a festa conta com edital do Governo do Estado, que irá distribuir R$ 4 milhões para municípios inscritos investir em estrutura —, blocos de rua e grupos de sambas locais lamentam a falta de verba e oportunidade para tocar, enquanto o maior patrocinador privado dos eventos no Centro da cidade prioriza o funk e a música eletrônica.

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Em meados de janeiro, causou polêmica o anúncio das atrações do carnaval patrocinado pela marca de cervejas Skol: Ludmilla, MC Koringa e MC Sapão. Na última quarta, a marca anunciou um trio elétrico com o DJ Alok, no domingo, dia 19 (uma semana antes do Carnaval), na Praça XV. Paralelamente, também se viu o Berbigão do Boca, que comemora 25 anos em 2017, cancelar o desfile que tradicionalmente abre o Carnaval na sexta-feira da semana anterior à folia.

A escolha da Corte do Enterro da Tristeza, realizada pelo Bloco SOS, também foi cancelada por falta de recursos. O próprio desfile Enterro da Tristeza, que ocorre na quinta-feira da semana do carnaval, ainda é incerto, e o bloco deve anunciar hoje se o desfilar vai ocorrer. Pelo mesmo motivo, o desfile na segunda-feira de carnaval realizada anualmente pela Sociedade Carnavalesca Tenentes do Diabo, a mais antiga ainda em atividade, não vai acontecer, assim como os concursos de marchinhas e de escolha da rainha.

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Se no ano passado a prefeitura contabilizou 42 blocos organizados, este ano apenas 12 blocos estavam inscritos na Secretaria de Turismo (Setur) até a manhã de ontem.

Este é o quinto ano que a Skol patrocina o carnaval na Capital e promove festas na Praça Fernando Machado, no Centro. De acordo com o contrato assinado em setembro de 2012, com vigência de cinco carnavais (termina este ano), a empresa tem a obrigação de montar a estrutura de palco e som, além de promover os shows, e tem direito na utilização do espaço público, mídia e comercialização exclusiva de produtos da marca.

O contrato, no entanto, não prevê nenhuma obrigação em seguir o perfil de festa que se consolidou no Centro da Capital. A prefeitura, por sua vez, não entra com recursos financeiros e também não recebe, mas trata das questões legais, como autorizações, trânsito e limpeza.

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— É o sepultamento definitivo do carnaval de rua. É o fim das tradições culturais. Gostaria de saber quem da prefeitura permite? Teria que haver regras para as contratações de bandas. Onde estão as velhas guardas para fazer apresentações? — observa o músico Wagner Segura, que acompanha o carnaval há mais de 40 anos.

O questionamento é com a falta de uma curadoria por parte do município que pudesse garantir a tradição. O secretário de turismo de Florianópolis, Vinicius de Lucca Filho, argumenta que a parceria com a cervejaria foi assinada na gestão passada e reconhece o problema da falta de seleção.

Sociedade tenentes do Diabo,de 1905, não desfila este ano

Há registros de carnaval em Florianópolis desde 1856, data da primeira regulamentação da folia na cidade, conforme o historiador Oswaldo Cabral.

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— Desde as primeiras formações urbanas já se viam manifestações carnavalescas. As elites sempre brincaram o carnaval. Os escravos eram proibidos. Quando a população negra tem mais liberdade, começa então a ocupar as ruas, a organizar cordões e os sambas. O embrião é nos anos 1920, e nos anos 1940 o carnaval se solidifica e surgem as primeiras escolas — conta Cristiana Tramonte, autora do livro O Samba Conquista Passagem (Diálogo, 1996), obra sobre a história do carnaval e das escolas de samba de Florianópolis.

Na antiga Desterro, entre 1879 e 1899, existiram 34 sociedades carnavalescas. A mais antiga ainda em atividade é a Tenentes do Diabo, fundada em 1905.

— As sociedades contemplavam a elite da época, que desfilava vestindo terno branco e gravata, com banda de sopros e alegorias. Trouxeram para a cidade os carros alegóricos, já que até então o cortejo em volta da Praça XV de Novembro era apenas com máscaras — lembra Rodrigo Leifer, presidente da Tenentes do Diabo.

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Todo ano, sempre na segunda-feira de carnaval, a Tenentes fazia o tradicional desfile com carro alegórico no Centro. Os preparativos começavam com três meses de antecedência, ao custo de até R$ 15 mil. Este ano não vai ocorrer por falta de verba.

— Entendemos ser um patrimônio do município. A conta, por ano, é de R$ 15 mil para confecção do carro e camisetas. Este ano não teremos porque patrocínio é raro e a prefeitura não investirá dinheiro — lamenta Leifer.

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