Se a polícia fizesse uma força-tarefa só para capturar foragidos da Justiça em Joinville, talvez faltasse camburão para tanta gente. Há 912 mandados de prisão em aberto na cidade, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de SC. Só Florianópolis fica à frente no Estado, com 1.085 determinações de prisão não cumpridas.
Continua depois da publicidade
A proporção de mandados pendentes em Joinville representa 68% da atual população carcerária no município – há 642 apenados na Penitenciária Industrial e 708 detentos no Presídio Regional. Como as unidades não teriam condições de receber centenas de presos de uma só vez, o sistema prisional entraria em colapso caso tantos mandados fossem cumpridos.
Leia mais notícias sobre segurança
Ouvidos por A Notícia, um juiz de direito e um promotor de justiça foram unânimes em reconhecer que os 912 mandados em aberto representam um número expressivo e que a redução dessa demanda esbarra na falta de estrutura e efetivo das polícias Civil e Militar. O delegado regional Dirceu Silveira Júnior corrobora a necessidade por maior efetivo.
Continua depois da publicidade
– Estou em Joinville há quatro anos e vejo a polícia com cada vez menos estrutura, sem condições de trabalhar. Se houvesse o efetivo cumprimento dos mandados, teríamos uma redução da criminalidade pela resposta que se daria, pelo efeito pedagógico da punição – aponta Ricardo Paladino, titular da 1ª Promotoria de Justiça.
O juiz da Vara de Execução Penal, João Marcos Buch, alerta para aquilo que chama de “cifras negras”, em referência aos casos que não viram dados, não entram nas estatísticas.
– São situações em que a polícia não é chamada. O número de ocorrências que efetivamente viram inquéritos é reduzido e que viram ação penal é menor ainda. Ainda menor são os casos que resultam em prisão. O que entra no sistema, para efeito de sociedade, não reflete a realidade – observa Buch.
Continua depois da publicidade
Leia as últimas notícias de Joinville e região
“Os cumprimentos acabam acontecendo em blitz”, João Marcos Buch, juiz
A Notícia – O que os 912 mandados em aberto representam para a Justiça?
João Marcos Buch – Demonstra que a Justiça também manda prender. Acredito que não fuja muito da média nacional. São pessoas que desapareceram, respondiam a processos e acabaram fugindo ou então que cumpriam pena em regime aberto e não se apresentaram. Como reduzir esse número? Como aumento do efetivo da polícia. Os cumprimentos acabam acontecendo em blitz, abordagens eventuais.
AN – O que ocorreria se todos esses mandados fossem cumpridos?
Buch – O sistema penitenciário estadual não abrangeria, não teria condições. O sistema brasileiro tem cerca de 600 mil presos, sem falar nos quase 150 mil mandados de prisão expedidos. Hoje, já existe superlotação. Joinville, a partir de um controle rigoroso de transferências que tenho feito, teve redução da população carcerária. A grande maioria é de Joinville, Garuva e Itapoá, cerca de 90%. O problema de superlotação não é o mais grave em Joinville, não como em Blumenau ou São Pedro de Alcântara. Mas existe um déficit de vagas no Estado. Falta um plano de Estado para essa situação. Insisto há vários anos nisso.
AN – Há risco à população em decorrência de tantos mandados pendentes?
Buch – Obviamente, existem pessoas que podem estar reiterando no cometimento de atos violentos. Numa análise empírica, a grande maioria das pessoas que estão presas, se fossem soltas, não colocaria a vida de outras em risco, um abalo à sociedade. Considero que há entre 10 e 15% que representariam uma periculosidade efetiva se soltos estivessem. Diria que 10% deles (com mandado em aberto) são pessoas que oferecem risco à sociedade.
Continua depois da publicidade
“Poderemos ter sensação de plena impunidade”, Ricardo Paladino, promotor
A Notícia – Como o MP avalia a proporção de mandados em aberto?
Ricardo Paladino – Nos traz uma preocupação enorme de que, caso não seja dada vazão ao cumprimento deles, poderemos ter uma sensação de plena impunidade. Juízes, Ministério Público e polícias trabalham para, no resultado final, não haver efeito algum. É um número alarmante. Esperamos que haja uma solução rápida para isso, sob pena de inviabilizar qualquer projeto de redução da criminalidade.
AN – Por que é grande o número de condenações que não resultam em prisão?
Paladino – O Judiciário, asseguro, se empenha muito para dar resposta aos crimes. Mas, em função da precariedade na Polícia Civil, da falta de estrutura, não se consegue dar sequência às investigações. Assim, menos inquéritos são realizados, menos denúncias são oferecidas, menos ações penais são ajuizadas. O Judiciário tem dado resposta, os juízes criminais trabalham dentro dos prazos necessários. Mas a preocupação do MP não é com a condução dos processos. É com o início, na formação do inquérito policial, e com o final, no cumprimento da pena, que depende do Estado.
AN – O que precisaria acontecer para esses mandados serem cumpridos?
Paladino – O que está acontecendo em Joinville é um abandono do Estado em termos de segurança pública. A Polícia Civil está totalmente deficitária. Se avolumam BOs sem que possam ter sequência em inquérito policial. A Polícia Militar tem as mesmas carências, recentemente estava até sem alimentação. Isto se reflete também no sistema prisional, com inúmeras carências. A polícia, com inúmeras defasagens, faz a investigação, o MP trata da ação penal, a Justiça impõe a pena e o Estado não faz sua parte. Enquanto continuar esse descaso, tenho medo de que logo tenhamos 2 mil ou 3 mil mandados em aberto.
Continua depois da publicidade
“Não é novidade que estamos reclamando efetivo”, Dirceu Silveira Júnior, delegado regional
A Notícia – Como a Polícia Civil atua no cumprimento dos mandados?
Dirceu Silveira Júnior – Não temos em Joinville, por exemplo, uma delegacia de capturas. Temos delegacias e todas elas recebem do Poder Judiciário as ordens de prisão. Essas diligências seguem uma rotina como as outras, de acordo com a prioridade. Não é novidade que nós estamos reclamando efetivo policial. Reclamamos o aumento do efetivo policial para a realização de todas as tarefas da Polícia Civil, desde as atividades cartorárias, as atividades investigativas, de atendimento ao público, de cumprimento de ordens judicias. Carecemos de um incremento na estrutura com uma certa urgência.
AN – Maior aparato traria melhores resultados?
Dirceu – A Polícia Civil faz todos os procedimentos que são judicializados. Para que isso tenha encaminhamento a contento, obviamente é necessário que se tenha estrutura de aparelhamento de equipamentos e mão de obra. Com certeza, o trabalho fica prejudicado, de certa forma, em todos os ambientes. Não especificamente no cumprimento dos mandados de prisão.
Continua depois da publicidade
AN – As outras polícias também podem cumprir mandados?
Dirceu – Qualquer policial (militar, federal, rodoviário…) que tiver conhecimento de uma ordem judicial de prisão e se deparar com esse indivíduo, tem a obrigação de cumprir essa ordem. Como somos uma polícia judiciária e os mandados de prisão, na maioria, são resultantes de procedimentos policiais ajuizados pela Polícia Civil, essas ordens judiciais acabam vindo para a Polícia Civil cumprir. E nem sempre a falta de mão de obra é responsável pelo não cumprimento da ordem judicial. O indivíduo pode estar homiziado (escondido) em outra comarca, por exemplo.