O banco de dados da Avifauna de Santa Catarina tem 724 espécies de aves registradas. Muitas são residentes, mas há também endêmicas, migrantes, ameaçadas, extintas. Parte desse diagnóstico deve-se a Lenir Alda Rosário, bióloga pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e que deu origem a uma das ferramentas mais completas da área, o site Aves de Santa Catarina.

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Das publicações iniciais feitas por Lenira, que por 31 anos pesquisou ornitologia na Fundação do Meio Ambiente (Fatma), às mais recentes atualizações, uma espécie, a gralha-azul, segue inspirando nomes de músicas e de grupos artísticos-culturais, assim como de premiações, troféu, clubes de futebol, escoteiros, bairros, condomínios e até imobiliárias. O curioso é que conforme os especialistas em aves, ela só tem azul no nome, consequência de um fenômeno chamado iridescência.

O biólogo Guilherme Brito, doutor em zoologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor no Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC, explica que o pigmento azul é extremamente raro na natureza e ausente em vertebrados terrestres. Assim, todo e qualquer azul observado nesses animais é por efeito do espalhamento de luz.

– É basicamente o mesmo princípio da cor azul do céu. Não há um pigmento azul na atmosfera, mas sim nano-gotículas de vapor e outras coisas que interagem com a luz branca, absorvendo ou refletindo diferentes comprimentos de onda de acordo com seu tamanho e posição em relação aos raios solares.

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Conforme o pesquisador, em Santa Catarina a gralha-azul é restrita às matas de baixada do litoral e de araucária no planalto. Havendo, assim, uma diferença nas populações separadas pela Serra do Mar, inclusive, com relação à dieta, coloração, morfologia e o canto.

Conheça mais detalhes da gralha-azul:

O que ocorre com a gralha-azul se repete com outra ave muito conhecida dos brasileiros, especialmente do Centro-Oeste do país, a arara-azul. Além do Brasil, a espécie vive em alguns pontos do Paraguai e da Bolívia. Apesar de encontrada também no Cerrado e na Amazônia, é no Pantanal onde se tem a maior concentração dessas aves. Nenhuma ave, mamífero ou réptil têm o pigmento azul no corpo. Mas então, por que enxergamos as penas azuis?

Quem responde e o biólogo Bruno Carvalho, do Instituto Arara Azul, que faz o monitoramento da espécie no Pantanal:

– Só enxergamos a ave assim, por causa das esferas microscópicas de dispersão de luz das penas – explicou, em entrevista ao portal G1.

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Mas se a espécie não é “azul”, qual é a cor da arara, por exemplo?

– É uma arara preta. Na parte de trás das penas dá para perceber bem essa cor. Quando olhamos na parte da frente, ela continua sendo preta também, só que por causa da disposição das fibras, quando o sol ilumina, as cerdas refletem a cor azul.

E o biólogo vai além:

– Algo semelhante acontece com as penas do beija-flor por causa de um fenômeno chamado iridescência – esclarece Bruno.

A iridescência é um fenômeno óptico que faz certos tipos de superfícies refletirem as cores do arco-íris. A palavra deriva do grego, já que Íris é a personificação do arco-íris e mensageira dos deuses na mitologia grega.

Como é a reprodução da gralha-azul:

Com a proximidade do inverno, a gralha ganha notoriedade por causa do pinhão, já que é considerada semeadora das araucárias. A ave não enterra o pinhão na terra, como muitos pensam. A narrativa se popularizou em lendas, mas estudos apontam que a estocagem se dá no alto das araucárias, como explica Luiz dos Anjos, em “Gralha-azul: Biologia e Conservação”.

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Mesma observação faz o jornalista, pesquisador e escritor lageano Paulo Ramos Derengoski:
– O pinhão não é fruto, mas semente. A gralha usa suas garras e pega cinco, seis de cada vez. No trajeto, ocorre de caírem e mais tarde nasce a plantinha da araucária – explica ele, conhecedor da vida na região do planalto e autor de livros sobre a Guerra do Contestado.

Guia atualizado mostra 698 aves em Santa Catarina

A mais atualizada ferramenta sobre a avifauna catarinense é o “Guia de Identificação: Aves de Santa Catarina”, escrito pelo ornitólogo Fernando Jacobs, da Universidade Federal de Pelotas, em coautoria com o fotógrafo Paulo Fenalti, e participação de vários outros fotógrafos colaboradores. O livro (editora Aratinga) é resultado de oito anos de trabalho e de uma dedicação de mais de 20 anos de experiência de Jacobs, materializada em campo e estudos de aves no sul do Brasil.

Por volta de 2015, ele teve a ideia de criar uma trilogia de livros de aves do sul do Brasil, um para cada estado. A série foi oficialmente iniciada em 2020, com o lançamento do guia de aves do Rio Grande do Sul. SC foi o segundo contemplado. Neste volume são representadas 698 espécies de aves registradas em Santa Catarina. Além de cerca de 50 espécies consideradas “procuradas”, as quais tiveram registros apenas visuais (não tiveram fotos ou gravações comprobatórias) ou que possuem chances de virem a ser registradas.

Veja por onde estão distribuídas as gralhas-azuis:

Conheça três lendas sobre a gralha-azul:

Pedido de Deus:

Uma das mais conhecidas diz que a gralha era uma ave totalmente preta, como boa parte dos corvídeos, até que certo dia a gralha recebeu uma missão que a tornaria útil e distinta dos outros animais da espécie. Deus pediu a ajuda das aves, pois precisava espalhar sementes de araucária para dar origem a novos pinheiros. A maioria das aves ignorou o pedido, tendo apenas a gralha se mostrado disposta a trabalhar nesta tarefa.

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Por conta disso, Deus deu a ela o pinhão. Esta, por sua vez, colocou no solo e bateu com seu bico até enterrá-lo, com diversas sementes que recebeu. Isto deu origem à mata de araucárias. Como retribuição, Deus presenteou a ave com um manto azul, cobrindo seu corpo.

Machado do lenhador:

Outra versão diz que a gralha-azul estava dormindo e foi acordada pelo incessante barulho de machado, de um lenhador tentando derrubar a araucária em que esta estava. Assustada, voou em direção ao céu, onde ouviu uma voz pedindo para que ela voltasse e ajudasse a proteger a floresta, plantando cada vez mais pinhões. Desta forma, por cumprir sua tarefa, Deus a recompensou com penas azuis da cor do céu.

Uma história dos antigos Kaingang:

Entre os indígenas Kaingang, há muito o seu povo vivia no morro mais alto, onde nasciam as águas, um lugar com muita natureza. Lua, Kysã, era uma indígena vaidosa e dizia que só se casaria com um homem lindo e forte. Toda noite ela subia numa árvore, olhava para o céu pedindo um enviado. Kysã viu uma estrela brilhante e pediu para que descesse até a terra para se casar com ela. Ouvindo o pedido, Krin Jê, a estrela cadente, desceu na aldeia para atendê-la. Mas quando chegou, se mostrou velho e cansado. Kysã, então, se recusou. Krin Jê ficou muito triste com a recusa e foi morar sozinho numa cabana.

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Passou a receber visita dos Kaingang, mostrando ser um homem sábio e bom. Enquanto isso, as amigas diziam para Kysã que era a sabedoria e bondade que deveriam contar e não a beleza. Então, ela foi atrás dele pedir desculpas e dizendo que se casaria. Mas Krin Jê ficou receoso. Então, ele a convidou para irem na aldeia e na frente de todos os indígenas assegurar o compromisso. Na ocasião, Krin Jê se transformou num homem jovem e forte e ela prometeu ficar junto dele para sempre.

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Naquele momento, um raio de sol penetrou na floresta e ele se transformou em fág, a primeira araucária, e Kysã em ségsó, uma linda gralha-azul. Assim, até hoje ela recolhe sementes e sai espalhando araucárias pelas áreas indígenas do povo Kaingang.

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