Em uma coincidência histórica, a soja, leguminosa nativa da China, é o produto que nos últimos anos mais agrega renda à agricultura do Brasil, incluindo Santa Catarina. Justamente por ser impulsionada pelas exportações aos chineses. O Brasil se tornou o maior produtor e também o maior exportador de soja. Atualmente, é o mercado externo que mais pressiona os preços devido à seca que atinge Santa Catarina e outras regiões do país e América Latina. A saca de 60 quilos estava em torno de R$ 150 no Brasil em 2020, no segundo semestre de 2021 chegou a R$ 172 e saltou para perto de R$ 200 este ano. Tem analista prevendo que chegará em breve até a R$ 240.
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Com os preços elevados, boa parte dos agricultores catarinenses que tiveram perdas médias de 22% em função da falta de chuvas poderão fechar o ciclo sem prejuízo ou até com resultado positivo na lavoura. É que tiveram preços acessíveis de fertilizantes e defensivos agrícolas na hora do plantio. As receitas elevadas são usadas para comprar novas máquinas, terras para plantio, agroquímicos, veículos e imóveis.
Levantamento da Epagri/Cepa, Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola do governo de Santa Catarina, apurou que agricultores plantaram 707,9 mil hectares de soja para a safra 2021/2022. A expectativa era de colher perto de 2,6 milhões de toneladas, mas com as perdas, a projeção caiu para cerca de 2 milhões de toneladas.
De acordo com o analista de mercado da Epagri/Cepa, Haroldo Tavares Elias, a estimativa da Epagri em fevereiro foi de que SC perdeu R$ 1,57 bilhão em receitas de soja devido à seca. Isso representa 551.567 toneladas a menos na primeira safra. Novas estimativas estão em andamento e devem ser divulgadas em breve. Existe risco de mais perdas porque a seca continua, observa o analista.
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Com a estiagem e a guerra Rússia-Ucrânia, os preços da soja têm se mantido elevados, mas com algumas variações. Em fevereiro, para o agricultor catarinense, variaram entre R$ 174 e R$ 188. Foram feitas vendas por R$ 200 ou mais, mas por cooperativas e empresas para embarque nos portos. Nos últimos dias os preços até recuaram um pouco para produtores, observou Elias. Todos os anos, a Epagri divulga o valor da produção agropecuária de SC. No último levantamento, de 2020, a soja alcançou R$ 3,3 bilhões. Os de 2021 e 2022 tendem a apresentar resultados bem mais expressivos.
Quebra de safra e falta de produto
O vice-presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado (Faesc), Enori Barbieri, destaca que, até o momento, as estimativas são de que o Brasil terá uma quebra na safra de soja de 20 milhões de toneladas; a Argentina, de 15 milhões; e o Paraguai, de 5 milhões. Com essas perdas, o temor no mercado mundial é de falta do produto, por isso a expectativa de alguns analisas de que o preço da saca pode chegar a R$ 240.
Os valores da soja são cotados em dólar, mas os custos de produção têm impactos também dolarizados em função dos custos de fertilizantes, defensivo e combustíveis. Como em Santa Catarina o agronegócio é forte em avicultura e suinocultura, Barbieri está preocupado com os impactos dos custos da soja e do milho nos preços das carnes e resultados desse setor.
– O problema, com soja e milho caros, é o preço da alimentação animal nas alturas. Quem produz suínos e aves está sem dinheiro. Não está sendo possível repassar custos porque o consumidor não está podendo pagar – afirma Barbieri, sinalizando que os preços das carnes não terão altas significativas no Brasil.
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Para a atual safra 2021/2022, os agricultores brasileiros plantaram 40,58 milhões de hectares. Mas devido à estiagem, a Conab reduziu a estimativa para 125,47 milhões de toneladas.
Na safra anterior, de 2020/2021, o Brasil colheu 137,32 milhões de toneladas de soja e exportou 86,63 milhões de toneladas frente a 82,32 no ano anterior. Do total vendido no exterior ano passado, 60,47 milhões de toneladas tiveram como destino a China, um pouco menos do que o país adquiriu no ano anterior, 60,60 milhões de toneladas.
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Em Santa Catarina, a soja e derivados ficaram em terceiro lugar entre os itens mais exportados em 2021, informa Haroldo Tavares Elias. As exportações somaram 1,52 milhão de toneladas, que resultaram em US$ 752,6 milhões de dólares. O volume maior, de 1,4 milhão de toneladas, foi de soja em grãos ou triturada. A outra parte foi de industrializados. Para o especialista, esses últimos itens deverão crescer na pauta com a entrada em operação da nova fábrica de óleo e farelo da Cooperalfa.
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Soja ocupa espaço de plantio de alimentos
Com preços altos na venda e baixo custo de produção, a soja avança em áreas agricultáveis no país e no Estado, inclusive ocupando espaço de culturas como arroz, feijão e mandioca. Um artigo do analista da Epagri, Haroldo Elias, elaborado juntamente com o colega João Alves e a acadêmica da UFSC Marina Dallabetta, alerta para essa mudança de culturas ao analisar dados do IBGE entre 2000 e 2021.
Nesses 20 anos, o Brasil teve um acréscimo de 1,2 milhão de hectares por ano na produção de soja. A área cultivada avançou de 13,69 milhões de hectares para 38,73 milhões, o que equivale a 185% mais em duas décadas. Em SC, a soja também avançou no período, somando acréscimo de 450 mil hectares de área cultivada, totalizando agora pouco mais de 700 mil hectares. A produção passou para mais de 2,5 milhões de toneladas com 1,5 milhão em exportação.
Em contrapartida, no mesmo período, o país tem registrado retração de 54,8% na área de cultivo de arroz, queda de 38% na área de feijão e de 24,1% no total de hectares plantados de mandioca. Conforme Haroldo Elias, são três alimentos relevantes no dia a dia do brasileiro.
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No Estado, a maior retração foi no plantio do feijão, de 70% no período de 20 anos. Na sequência, veio a mandioca, com redução de 60% da área. Somente o arroz teve crescimento de 9% no total plantado.
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Para os analistas, essa mudança também tem a ver com o uso de mecanização na lavoura porque a disponibilidade de trabalhadores caiu. Quanto mais máquinas, mais produção. Contudo, eles alertam que essa produção menor de alimentos pode indicar falta de estratégia governamental, afeta a qualidade de vida e a renda da população.
Produtores rurais usam recursos para comprar máquinas e terras
Quando tem retorno financeiro positivo na produção, o agricultor normalmente reinveste na atividade. A afirmação é de Rosnei Alberto Soder, diretor-executivo da Copercampos, cooperativa agropecuária de Campos Novos, uma das regiões de Santa Catarina que mais produzem soja. Segundo ele, pequenas propriedades também plantam a oleaginosa entre outras culturas, mas não obtém receitas tão elevadas quanto as grandes e as médias.
– O pessoal usa a renda para renovar máquinas, comprar insumos antecipados ou adquirir algum imóvel, principalmente área de terra, caso aparecer. É comum renovar máquinas porque é necessário em função da depreciação – explica Rosnei Soder.
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Quando se fala em valores de investimentos no campo, as cifras não são baixas. Segundo ele, o preço de uma colheitadeira nova está em torno de R$ 1,5 milhão. Para comprar um trator para lavoura média ou grande, o agricultou não vai desembolsar menos de R$ 300 mil, mas o preço final pode chegar perto de R$ 1 milhão. O veículo mais barato é a caminhonete, para uso pessoal e na lavoura. Os preços vão de R$ 300 mil a R$ 400 mil. Quando uma propriedade menor compra colheitadeira, a opção, normalmente, é por uma usada, que requer investimento menor.
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Conforme o executivo, não houve uma corrida para fazer contratos futuros na atual safra. Esses contratos viabilizam a venda no futuro de um total de sacas de soja por um valor acertado na hora do acordo. Somente 25% dos produtores de soja fizeram venda futura na cooperativa, que tem atuação em diversas cidades de SC e no Rio Grande do Sul e soma mais de 1,7 mil associados.
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Quanto ao impacto da seca nas propriedades rurais, afetando a produção de soja, Rosnei Soder diz que cada caso é singular. Isso porque teve produtor que plantou antecipadamente, tem o que esperou um pouco mais e o retardatário. Conforme a fase do plantio, a propriedade teve um impacto diferente com a seca. Segundo Soder, terão mais dificuldades aqueles que fizeram o plantio precoce.
Guerra Rússia-Ucrânia suspende venda de fertilizantes
Até o momento, a guerra Rússia-Ucrânia não afetou as cotações internacionais da soja. Mas os produtores do grão vão sofrer consequências futuras nos custos de produção. Isso porque os fertilizantes já estavam com preços elevados no mercado internacional e, agora, ficaram ainda mais caros porque aquela região, que está entre as principais fornecedoras mundiais, em especial para o Brasil, não está podendo vender.
– A Rússia não está mais conseguindo exportar fertilizantes porque não está podendo usar os portos – afirma Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura (Faesc).
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Segundo ele, essas dificuldades vão elevar tanto o custo de produção de soja, quanto de milho e outras culturas. Se para a população a inflação foi um pouco superior a 10% em 2021, para o agricultor os custos para fazer a próxima safra, que começa a ser plantada em agosto, subiram pelo menos 50%, compara ele. Uma saca de fertilizante que custava R$ 100, foi para R$ 200 ou R$ 250. A ureia, um fertilizante usado no milho, estava R$ 100 e foi para R$ 350. Isso significa que os agricultores terão que plantar usando menos insumos.
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O Brasil, atualmente, importa 85% dos fertilizantes que usa. Esses produtos são integrados, basicamente, por nitrogênio, fósforo e potássio, explica Enori Barbieri. Desse total importado, a Rússia fornecia 30% da ureia e mais 20% do cloreto de potássio junto com Belarus. Essas duas importações estão suspensas no momento.
O preço da ureia, porém, está elevado desde o final do ano passado no Brasil porque a Europa solicitou mais gás natural em novembro e isso forçou a Rússia a reduzir a produção desse fertilizante, que é rico em nitrogênio. Agora, com menor oferta, pode faltar ureia para a safrinha de milho do país no Centro-Oeste, projetada em 90 milhões de toneladas para este ano.
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